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novembro 25, 2018

Chantal Akerman no Oi Futuro Flamengo, Rio de Janeiro

Obra da diretora belga vai ocupar todo o centro cultural no Flamengo com videoinstalações

Mostra aproxima público brasileiro da estética singular da cineasta e de seu olhar sobre o universo feminino

Consagrada internacionalmente, a cineasta Chantal Akerman (1950-2015) realizou mais de 40 filmes, alguns dos quais com lugar assegurado entre os clássicos de todos os tempos. Para celebrar seu legado, o Oi Futuro inaugura dia 26 de novembro a primeira exposição no Brasil sobre a obra da artista e sua inserção no universo das artes visuais. Dona de um olhar singular sobre o universo feminino e construtora de um ritmo que rompeu com vários dos cânones do cinema de seu tempo, Chantal ocupará, com quatro videoinstalações, três andares do centro cultural no Flamengo.

Chantal Akerman – Tempo Expandido é uma mostra inédita, que conta com a curadoria de Evangelina Seiler e tem sua montagem supervisionada por Claire Atherton, uma das colaboradoras mais próximas de Akerman. O objetivo é aproximar o público brasileiro da estética, do estilo e sobretudo da visão particular da artista sobre o universo feminino. Beto Amaral, da Cisma, idealizou a exposição em 2014, em parceria com a galeria Marian Goodman. Daniela Thomas e Felipe Tassara assinam a expografia da mostra.

– Há um ano que estou completamente dedicada ao universo de Chantal Akerman – entusiasma-se Evangelina Seiler. – Estou muito feliz por ter sido convidada para essa curadoria tão especial. Nosso grande objetivo é fazer com que a obra mais que singular de Chantal Akerman chegue ao maior número possível de pessoas. É muito importante que cada vez mais gente conheça a magnitude e a importância do trabalho dessa grande diretora – frisa.

– Faz quatro anos que tento viabilizar esse projeto. O Oi Futuro foi o primeiro a acreditar nele. Neste momento em que estamos em transe com as questões identitárias no Brasil, não há cineasta mais atual do que Chantal Akerman, que problematiza e questiona a noção de identidade em sua vasta obra. – explica Beto Amaral.

– Além de ser uma das cineastas mais influentes e originais da história do cinema mundial, Chantal Akerman foi uma pioneira no olhar para o feminino, valorizando as questões de gênero durante toda a sua carreira e inovando não só na forma como também no conteúdo. O Oi Futuro se orgulha de fechar a programação 2018 de nossas galerias com esta exposição inédita, compartilhando com o público a experiência de vivenciar intensamente a obra dessa grande artista, que ainda se faz incrivelmente atual – diz Roberto Guimarães, Gerente Executivo de Cultura do Oi Futuro.

A MOSTRA

As experiências de Chantal Akerman no terreno das videoinstalações a levaram a participar de algumas das mostras mais importantes do mundo, como a Documenta de Kassel (2000) e a Bienal de Veneza (2001 e 2015), entre outras, sempre com grande sucesso. Suas obras nessa área foram desenvolvidas com base em alguns de seus próprios filmes – aos quais acrescentou material de novas filmagens que realizou.

O Oi Futuro receberá quatro videoinstalações da cineasta: In the Mirror (1971-2007) exibe uma cena de um dos primeiros filmes da cineasta (L’Enfant Aimé ou Je joue à être une femme mariée, 16mm, de 1971), na qual uma jovem nua, em frente a um espelho, examina o próprio corpo detalhe por detalhe.

La Chambre (2012) foi criada a partir de imagens do filme homônimo de 16mm, lançado em 1972. No artigo “Chantal Akerman: autorretrato da cineasta”, de 2004, a revista Cahiers du Cinéma, editada pelo Centre Pompidou, resume assim o filme: “Uma longa e lenta panorâmica descreve repetitiva e continuamente o espaço de um quarto. No leito, Chantal Akerman – primeiro sentada e imóvel e, quando a câmera retorna, comendo uma maçã. Trata-se tanto de um autorretrato misterioso da cineasta em seu lugar previsível, quanto o equivalente, para o seu cinema, a uma natureza morta: reunir seus motivos pessoais em uma descrição repetitiva para melhor descartá-los em seguida.”

Maniac Summer (2009) é composto por imagens e sons gravados em Paris, no verão de 2009.

É um tríptico abrangente, sem começo nem fim, sem um assunto ou tema específico. A câmera é posicionada na frente de uma janela e fica ali rodando. Observa movimentos, registra ruídos que vêm da rua ou do parque próximo, capta Chantal Akerman em suas rotinas normais no apartamento: fumando, trabalhando, falando ao telefone. Fragmentos da vida cotidiana da artista são apresentados no vídeo central da instalação, enquanto os painéis auxiliares mostram um material mais simbólico, composto de imagens do vídeo principal que foram isoladas, modificadas e repetidas várias vezes. Essas pós-imagens abstratas constituem uma espécie de lembrança, que remete às imagens do elemento central da instalação, assim como tantas sombras da sua realidade.

A quarta obra será Tombée de Nuit sur Shanghai (2009), com projeções de imagens do episódio homônimo dirigido por Chantal Akerman para o filme O Estado do Mundo, que reuniu seis diretores de vários países e foi produzido em comemoração aos 50 anos da Fundação Calouste Gulbenkian, de Portugal.

É uma instalação single channel, que evoca a arte da direção e da observação. As imagens estáticas características do estilo de Akerman captam o porto, os barcos que cruzam o rio, as pessoas que passam, o horizonte da megalópole, os gigantescos anúncios iluminados e o cair da noite em tempo real. Tombée de nuit sur Shanghai tem pouco ou nenhum enredo, mas uma poderosa atmosfera que lhe faz as vezes. Sua representação do ambiente urbano está ancorada na relação dialética entre o olhar estático do observador e os vários movimentos dos sujeitos desse olhar.

O burburinho natural de um hotel-restaurante serve de trilha sonora para esse devaneio visual sem um sentido aparente.

RITMO, ESTILO E VONTADE PRÓPRIOS

A jovem que aos 18 anos largou a escola de cinema para fazer seu primeiro curta e que, aos 25, estarreceu a Semana dos Realizadores em Cannes, em 1975, com a exibição de seu mais aclamado longa, Jeanne Dielman, 23 Quai du Commerce, Bruxelles, sempre soube intimamente o que queria fazer para a tela grande. No entanto, seu encontro real com o cinema se daria na adolescência e por puro acaso: o título do filme Pierrot Le Fou, de Jean-Luc Godard, visto no cartaz, atraiu sua atenção. Resolveu entrar no cinema e, após a sessão, entre encantada e decidida, disse: – É exatamente isso que eu quero fazer na vida.

Filha de imigrantes judeus poloneses, vítimas do Holocausto (a mãe, Natalia, foi a única de sua família a sobreviver ao campo de concentração de Auschwitz), Chantal carregou sempre consigo a marca de um sofrimento presente, porém selado pelo silêncio, já que a mãe – a referência mais determinante em sua vida e carreira até o último filme – jamais falou sobre o assunto. Quando menina, Chantal conviveu com as tradições e os rituais judaicos até o falecimento do avô – e recordava que aqueles rituais lhe traziam uma certa paz e boas lembranças. A observação do cotidiano das tias maternas e paternas fez com que desenvolvesse uma compreensão muito particular das tarefas diárias de uma casa, como fazer a comida, pôr a mesa, lavar, passar... tudo que as mulheres faziam com o mesmo esmero e incansavelmente, vezes sem conta. Essa faina tipicamente feminina trazia em si um ritmo que Chantal acabou por incorporar às imagens que mais tarde criaria.

– Minha mãe não gostava muito que eu brincasse na rua, então eu olhava muito pela janela – declarou, em uma entrevista ao programa Parlons Cinéma, da TV francesa. – Eu me lembro de mim assim, muitas vezes sozinha, olhando pela janela.

O dia-a-dia de uma casa e a visão da janela são elementos muito presentes em sua filmografia, marcada por quadros parados, longas tomadas e pelo movimento de ir e vir – carros, ônibus, trens – observado a uma certa distância. A câmera de Chantal Akerman funciona como um ponto de observação, um convite ao espectador para que descubra, por si mesmo, tudo que a cena revela. Não há indução, os diálogos são esparsos. A câmera parada pode representar uma janela para dentro – de personagens e de ambientes – ou uma janela para fora, no caso do contato com o movimento do mundo.

LIÇÕES DO TEMPO

O tempo, na obra de Chantal Akerman, é essencial para a percepção da narrativa. – Quando alguém diz: “vi um filme ótimo, nem senti o tempo passar!”, desconfio que essa pessoa está sendo ‘roubada’ de algo muito precioso – revela. – Em meus filmes, quero que a pessoa sinta o tempo passar e tudo que essa passagem traz consigo – dizia.

Seu cinema é feito de quadros aparentemente estáticos, mas que revelam toda a intensidade da narrativa, e de tomadas longas, sem cortes rápidos. Se o personagem sai da cena, a câmera não o acompanha. E a cena fala por si. O momento do corte acontece na hora que tem de acontecer. Essa dinâmica lenta e estratificada cria uma força dramática muito grande, que arrebata o espectador. É um mergulho no escuro que acaba por revelar uma clareza impressionante. Como observa Claire Atherton, sua colaboradora por 35 anos na sala de montagem, “cada filme, cada instalação era como se fosse a primeira vez. Não tínhamos regras, medos ou barreiras. A cada vez retornávamos a uma nova aventura sensorial e intelectual. Nossas trocas eram muito simples; falávamos pouco, como se palavras em excesso pudessem vir a destruir alguma coisa. Costumávamos dizer “é bonito” ou “é forte”. Gostávamos de certas palavras e Chantal dizia que tínhamos de ser drásticas, sem fazer concessões.”

Posted by Patricia Canetti at 10:57 AM