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novembro 18, 2018
Tiago Sant’Ana na Simone Cadinelli, Rio de Janeiro
Simone Cadinelli Arte Contemporânea apresenta individual de Tiago Sant’Ana, que questiona a colonização e a abolição no mês da Consciência Negra
Nascido em Santo Antônio de Jesus, município considerado a capital do Recôncavo Baiano, Tiago Sant’Ana imprime suas raízes na maioria dos trabalhos como artista visual e performático. Em Baixa dos Sapateiros, individual que inaugura no dia 24 de novembro, no mês da Consciência Negra, na Simone Cadinelli Arte Contemporânea, não será diferente. A ideia central parte da imagem histórica dos sapatos como símbolo de libertação pós-abolição negra no Brasil. Essa abolição, oficiosa e sem reparação, era simbolizada pelo gesto de pessoas negras poderem calçar sapatos – tal qual a população branca.
O título, “Baixa dos sapateiros”, remete a uma região de mesmo nome em Salvador, na Bahia, local em que muitas pessoas negras recorriam para confeccionar seus sapatos. “O nome surge com essa proposta de falar de um lugar em que muitas pessoas iam desejando essa representação da liberdade, que eram os sapatos”, informa o artista. “Era uma geografia que simbolicamente envolvia uma expectativa por essa promessa de cidadania para as pessoas negras, que nunca chegou completamente até hoje”, completa.
Considerado um dos pontos altos da exposição, as esculturas com sapatos ̶de açúcar cristal estabelecem um paralelo com o complexo sistema de exploração da cana-de-açúcar e a chegada de muitos engenhos na região do Recôncavo. Clarissa Diniz é responsável pela curadoria da exposição, que conta com vídeo, fotografias, objetos e instalações em torno do tema.
“O açúcar aparece com recorrência em meus trabalhos como uma tática de aproximar o debate sobre colonização com a atualidade, sobretudo para falar sobre racismo e a violência contra a população negra”, afirma Tiago, que foi um dos artistas indicados ao Prêmio PIPA 2018 e realizou recentemente a exposição solo “Casa de purgar” (2018), no Museu de Arte da Bahia e no Paço Imperial, no Rio de Janeiro.
Um dos trabalhos que estará presente na mostra é a série de proposições de performance, resultado de uma residência artística de Sant’Ana por dois meses em Lisboa, Portugal. Nessas obras, o artista trabalha com os imaginários sobre a colonização portuguesa no Brasil, incluindo uma peça que critica os nomes perversos que europeus intitulavam os navios negreiros.
No andar superior da galeria, o artista cria um núcleo formado por um vídeo e uma fotografia que são compostos a partir da presença de homens negros descalços que carregam consigo pares de sapato a tiracolo. Para realização do trabalho, o artista usou como locação um antigo casarão no centro de Salvador.
"Tiago integra este momento recente da arte brasileira no qual as questões centrais relativas à formação social do país são tratadas por aqueles que, histórica e contemporaneamente, experimentam as violências e contradições desse percurso.
Trata-se de uma arte que não mais tematiza - de um ponto de vista distanciado, folclorizante ou cientificista - essa história, mas a reconta, reencena criticamente, escancara suas feridas abertas e performa suas possibilidades de transformação. Como a obra de Sant'Ana, esses trabalhos têm a capacidade de falar sobre processos complexos como a escravidão ao, por sua vez, propor situações nas quais seus sujeitos (como, por exemplo, os negros) ocupam outra posição diante da narrativa.Com isso, reposicionam a história do Brasil e, em especial, rearranjam, no presente, sua arte. Com Baixa dos Sapateiros, Tiago Sant'Ana nos traz mais um capítulo desse recente momento social, político e cultural da arte produzida no (e a partir do) Brasil", analisa a curadora, Clarissa Diniz.
Até o final do ano, o artista segue com a agenda cheia: Histórias Afro-Atlânticas, MASP e Instituto Tomie Ohtake (vídeo "Apagamento #1"), até 21 de outubro; In Loqus, SESC Santo Amaro (exibição do vídeo "Anunciação"), de 24 a 27 de outubro; Adorno Político, no Espaço de Intervenção Cultural Maus Hábitos em Porto/Portugal (exibição da obra "Passar em branco") ,de 8 de novembro a 23 de dezembro; Panapaná, Galeria Archidy Picado (curadoria de Tiago Sant'Ana e Raphael Fonseca), exposição que abre no dia 9 de novembro.
ATIVIDADES
Desde a sua idealização, a galeria tem como propósito promover a arte contemporânea através de uma programação diversificada, com exposições de artistas representados e em ascensão no mercado, workshops, debates, visitas guiadas, performances e vídeos. Durante o período da mostra serão realizadas visita guiada e conversa na galeria com a curadora Clarissa Diniz e Tiago Sant’Ana. O projeto “Encontros sobre arte” terá dois dias destinados a palestras do artista, que também fará uma performance durante a programação.
15/12 - Visita guiada e conversa na galeria com Clarissa Diniz e Tiago Sant’Ana
14 e 15/01 – Workshop “A performance negra nas artes visuais do Brasil”, com Tiago Sant’Ana
Tiago Sant'Ana irá abordar a linguagem da performance e seus intercâmbios estéticos com as poéticas negras. Durante os dois dias, o artista fará um panorama sobre a história da arte da performance, além de discutir conceitos de arte afro-brasileira e arte negra, debatendo também os cruzamentos conceituais entre performance e a questão da negritude no Brasil. Além disso, será apresentado um repertório histórico de artistas da performance negra nas artes visuais do Brasil, com destaque para os desafios e as potências de produzir arte negra na contemporaneidade.
16/01 - Performance de Tiago Sant’Ana
Tiago Sant’Ana (Santo Antônio de Jesus, 1990) é artista da performance, doutorando em Cultura e Sociedade pela Universidade Federal da Bahia. Desenvolve pesquisas em performance e seus possíveis desdobramentos desde 2009. Seus trabalhos como artista imergem nas tensões e representações das identidades afro-brasileiras – tendo influência das perspectivas decoloniais. Foi um dos artistas indicados ao Prêmio PIPA 2018. Realizou recentemente a exposição solo “Casa de purgar” (2018), no Museu de Arte da Bahia e no Paço Imperial, no Rio de Janeiro. Participou de festivais e exposições nacionais e internacionais como “Histórias Afro-atlânticas” (2018), no MASP e no Instituto Tomie Ohtake, “Axé Bahia: The power of art in an afro-brazilian metropolis” (2017-2018), no Fowler Museum at UCLA, “Negros indícios” (2017), na Caixa Cultural São Paulo, “Reply All” (2016), na Grosvenor Gallery, e “Orixás” (2016), na Casa França-Brasil. Foi professor substituto do Bacharelado Interdisciplinar em Artes na Universidade Federal da Bahia entre 2016 e 2017.
Clarissa Diniz é curadora e escritora em arte. Graduada em Lic. Ed. Artística/Artes Plásticas pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Artes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Foi gerente de conteúdo do Museu de Arte do Rio - MAR entre 2013 e 2018, onde desenvolveu também projetos curatoriais. Publicou os livros “Crachá – aspectos da legitimação artística”, “Gilberto Freyre” – em coautoria com Gleyce Heitor –; “Montez Magno”, em coautoria com Paulo Herkenhoff e Luiz Carlos Monteiro; e “Crítica de arte em Pernambuco: escritos do século XX” (coautoria com Gleyce Heitor e Paulo Marcondes Soares), dentre outros. De curadorias desenvolvidas, destacam-se “O abrigo e o terreno” (cocuradoria com Paulo Herkenhoff. Museu de Arte do Rio – MAR, 2013), “Ambiguações” (Centro Cultural Banco do Brasil, Rio de Janeiro, 2013), “Pernambuco Experimental” (Museu de Arte do Rio - MAR, Rio de Janeiro, 2013), “Do Valongo à Favela: imaginário e periferia” (cocuradoria com Rafael Cardoso, Museu de Arte do Rio - MAR, 2014), entre outras.