|
novembro 10, 2018
Rubem Valentim no MASP, São Paulo
Exposição reúne 92 trabalhos com objetivo de rever a produção de artista brasileiro fundamental no século 20. Catálogo traz textos inéditos e imagens raras de seus cadernos de anotações
Mostra conta com empréstimos de importantes instituições brasileiras: Pinacoteca do Estado de São Paulo, Museu de Arte Moderna de São Paulo, Museu Afro Brasil, Museu de Arte Moderna da Bahia, Museu Nacional da República, Museu de Arte Contemporânea de Niterói, Itaú Cultural e Banco do Brasil, além de coleções particulares
Responsável por promover potentes articulações entre os elementos da tradição ocidental e as raízes africanas presentes na cultura brasileira, o pintor, escultor e gravador Rubem Valentim (1922-1991) ganha mostra no MASP, Construções afro-atlânticas, a partir do dia 13 de novembro. Concomitantemente à abertura de Sonia Gomes: Ainda assim me levanto, ambas individuais integram o ciclo de histórias afro-atlânticas, eixo curatorial ao qual o museu se dedica em 2018. Com curadoria de Fernando Oliva (Maria Auxiliadora: vida cotidiana, pintura e resistência, 2018), a exposição fica em cartaz até 10 de março de 2019.
Rubem Valentim nasceu em Salvador (BA), em uma família de poucos recursos, sendo o primeiro de seis filhos. Cresceu tendo contato íntimo com a religiosidade sincrética afro-brasileira: sua família era católica e Valentim fez a primeira comunhão, enquanto simultaneamente frequentava terreiros de candomblé.
Essa ligação, estabelecida desde muito cedo, tanto com os ritos afro-brasileiros quanto com o imaginário das igrejas cristãs, acabou por permear a maior parte de sua obra. “Sua obra é única na história do século 20, pois desafia o cânone oficial ao oferecer resistência às conceituações simplificadores de suas possibilidades, e não se deixar facilmente incorporar nem por uma nem por outra leitura: o ‘Valentim concretista’ não se deixa apartar do ‘Valentim popular’ e do ‘Valentim religioso’ pois fazem parte de uma mesma percepção de mundo, uma que busca a síntese das experiências, e não sua divisão”, argumenta o curador Fernando Oliva.
Valentim iniciou sua trajetória como artista nos anos 1940, de maneira autodidata, incorporando em sua produção elementos das tradições populares do Nordeste, caso da cerâmica do Recôncavo Baiano. Ainda na década de 1940 participou – ao lado de Mario Cravo Júnior, Carlos Bastos e outros– do movimento de renovação das artes plásticas na Bahia, no contexto do chamado Segundo Modernismo brasileiro (que se seguiu à Semana de Arte Moderna de 1922 em São Paulo).
A partir dos anos 1950 passa a ter como referência o universo das religiões afro-brasileiras, como o candomblé e a umbanda, com seus objetos e ferramentas de culto, estruturas de altares e símbolos de deuses.
Tais interesses, preocupações e concepções artísticas traduzem-se, em sua obra, por meio de signos e emblemas, originalmente geométricos, que são reorganizados em uma matriz ainda mais rigorosa, formada por linhas horizontais e verticais, triângulos, círculos e quadrados, com base em uma complexa dinâmica de recortes, subtrações e justaposições. Dessa forma, compõem um repertório pessoal que, aliado a um expressivo e particular uso da cor, abre-se a novas e infinitas possibilidades poéticas e formais.
No final da década de 1960, seu trabalho ganha novas escalas além da pintura e se materializa em murais, relevos e esculturas monumentais em madeira, escolha que o acompanhará por toda sua trajetória a partir de então.
"Um dos importantes aspectos negligenciados pela história canônica da arte brasileira diz respeito a um entendimento político da obra de Rubem Valentim. Para isso contribuiu a insistência em enquadrá-lo, um tanto que à força, no contexto das correntes construtivas canônicas, forjadas no chamado eixo Rio-São Paulo, apartando das reflexões os sentidos religioso, espiritual e social, portanto político, que são parte integrante da conformação de seus trabalhos e de sua vida como artista. Há também um certo descaso com o próprio discurso de Valentim, sua militância por uma arte brasileira e popular, ideias que divulgava regularmente em seus textos e nas entrevistas que concedia à imprensa", afirma Fernando Oliva.
Apesar de sua importância, da qualidade e força de sua obra, Valentim ainda não possui o devido reconhecimento de sua contribuição histórica para a cultura brasileira e internacional. Portanto a necessidade e urgência de, neste momento, reavaliar o seu legado, buscando novas análises que, sem fragmentar sua obra, a atualizem, aproximando-se dela em sua totalidade e complexidade, sem neglicenciar os aspectos políticos, religiosos e sobretudo afro-brasileiros que ela possui.
Histórias afro-atlânticas
A exposição ocorre em um ano inteiro dedicado às trocas culturais em torno do Atlântico, envolvendo África, Europa e Américas ---que inclui mostras individuais de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, Maria Auxiliadora e Emanoel Araujo, que ocorreram no primeiro semestre, a coletiva Histórias Afro-atlânticas, realizada no segundo semestre, e as exposições de Lucia Laguna e Pedro Figari, programadas para dezembro.
Na sala de vídeo também serão apresentados, ao longo de 2018, autores de diferentes nacionalidades, gerações e origens capazes de contar outras histórias da diáspora negra. Os artistas que participam do programa são: Ayrson Heráclito (19/4 a 17/6), John Akomfrah (28/6 a 12/8), Kahlil Joseph (23/8 a 30/9), Kader Attia, (11/10 a 25/11), Catarina Simão (13/12 a 27/01/19), Jenn Nkiru (08/02 a 24/03/19) e Akosua Adoma (14/6 a 18/7/2019).
Catálogo
A publicação Rubem Valentim: Construções afro-atlânticas, com organização editorial de Adriano Pedrosa e Fernando Oliva, será lançada no dia da abertura, com edições separadas em português e inglês, incluindo reproduções de todos os trabalhos expostos e textos de autores convidados a produzir novas reflexões sobre a obra de Valentim, caso de Abigail Lapin Dardashti, Lilia Schwarcz e Helio Menezes, Lisette Lagnado, Marcelo Mendes Chaves, Marta Mestre, Renata Bittencourt e Roberto Conduru, além de um texto do curador, Fernando Oliva. Uma nota biográfica foi escrita pelo pesquisador Artur Santoro, do MASP. Há ainda republicações de textos históricos, de Clarival do Prado Valadares, Frederico Morais, Giulio Carlo Argan, José Guilherme Merquior, Mário Pedrosa, Roberto Pontual e Bené Fonteles. O catálogo traz reproduções inéditas dos cadernos de Rubem Valentim da década de 1960, material raro que virá a público pela primeira vez, trazendo croquis, projetos para obras, anotações e pensamentos do artista.