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novembro 7, 2018

Invenção de Origem na Pina Estação, São Paulo

Mostra coletiva na Pina Estação reúne obras que remontam ficções sobre a origem do mundo

Obras experimentais de Antonio Dias, Carmela Gross, Lothar Baumgarten, Solange Pessoa e Tunga sugerem narrativas cosmogônicas

A Pinacoteca de São Paulo, museu da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo, apresenta, de 10 de novembro de 2018 até 11 de fevereiro de 2019, a exposição Invenção de Origem, no quarto andar da Pina Estação. Com curadoria do Núcleo de Pesquisa e Crítica da Pinacoteca e sob coordenação geral de José Augusto Ribeiro, curador do museu, a coletiva toma como ponto de partida o filme The Origin of the Night: Amazon Cosmos (1973-77), do artista alemão Lothar Baumgarten, raramente exibida, e a apresenta ao lado de uma seleção de obras de quatro artistas brasileiros – Antonio Dias, Carmela Gross, Solange Pessoa e Tunga. Em comum, os trabalhos selecionados aludem a tempos e ações primordiais que teriam c0ntribuído para as narrativas sobre a origem da vida.

Filmado em 16 mm entre 1973 e 1977, The Origin of the Night: Amazon Cosmos [A origem da noite: o cosmos amazônico] de Lothar Baumgarten, baseia-se em um mito Tupi, registrado pelo antropólogo francês Claude Lévi-Strauss, sobre a origem da noite – que, segundo a narrativa, "dormia” submersa nas águas, quando ainda os animais não existiam e as coisas tinham o poder da fala. A partir de imagens captadas no rio Reno, entre Düsseldorf e Colônia, o artista cria situações ambíguas. “As imagens são paradoxais, mostram uma espécie de floresta virgem em que, no entanto, espalham-se os lixos da civilização humana. Baumgarten recorre ao cinema para remontar mitos de uma floresta tropical, de maneira que o espectador fica sem saber se aquilo é o princípio ou o fim do mundo", conta Ribeiro.

A partir das questões apresentadas no filme, a pesquisa curatorial centrou-se num recorte bastante específico da produção brasileira, que compreende cerca de 40 trabalhos de cinco artistas, incluindo vídeo, pintura, escultura etc., produzidos desde a década de 1970 até hoje. A seleção leva em conta experimentações de linguagem e de material que se convertem, ao mesmo tempo, em imagens e objetos com aspectos imemoriais, sugestivos de gestos fundantes; inserindo o observador numa espécie de sistema de produção ou de comunicação de ideias ainda em formação.

Na primeira sala da exposição, onde se encontra também o filme de Lothar Baumgarten, o visitante se depara com dois trabalhos de Carmela Gross: Facas e 300 larvas, ambos de 1994. Para Invenção de origem, a curadoria reuniu 500 das cerca de 1000 peças (formas elementares de facas) que compõem o primeiro. A operação da artista para o trabalho previa a mudança de um modelo de faca para outro a cada vez que considerasse ter adquirido habilidade para aquela modelagem.

“Carmela Gross parece repor assim, em cada grupo de suas facas, o surgimento de uma técnica, um grau zero, uma espécie de gesto primeiro", na opinião de Ribeiro. Já a montagem da obra lembra o resultado de uma escavação arqueológica ou uma catalogação etnográfica. Ao lado dela, remetendo também à ideia de inventário antropológico, está instalada parte da obra 300 larvas, (1994), grupo de monotipias que Gross produziu em tamanhos e tipos de papel variados.

Da produção de Antonio Dias, falecido em agosto deste ano, foram selecionadas obras de um período específico, que se estende de 1977 a meados da década de 1990. Nesse período, Dias viaja ao Nepal, onde, com artesãos locais, aprende a manufatura de papeis artesanais e desenvolve técnicas de tingimento das folhas com elementos naturais (terra, cinzas, vegetais etc.). Essas pesquisas com materiais se desdobram em seguida na pintura, com o uso de óxido de ferro, folha de ouro e pigmentos cintilantes, que conferem à tela aspectos de minério e metal. Nestes trabalhos são recorrentes as figuras de ossos, as remissões às pinturas rupestres e, ao mesmo tempo, às imagens da cultura popular. “O conjunto evidencia passagens cheias de tensão entre natureza e cultura. O título da pintura Brazilian Painting, Bosnia´s Jungle (1995), ou “pintura brasileira, selva da Bósnia”, produz esse atrito com senso de humor”, conta Ribeiro.

Na mesma sala, está um conjunto de peças de Tunga, produzidas entre os 1980 e meados de 2010. Algumas delas tidas como as mais conhecidas do artista (Tacape, Escalpo, Tranças) e outras recentes, ainda pouco mostradas em espaços públicos. Entre os trabalhos icônicos dessa produção, estão a pintura Sem título (Sedativa), de 1984, cuja imagem informe, que reporta ao vocabulário comum à obra do artista, surge também reproduzida no relevo em metal Revê-la antinomia, de 1985.

“As operações que conformam essas duas obras evidenciam a importância que Tunga atribui aos processos de realização do trabalho, à investigação sobre os limites de uma linguagem artística, e ao mesmo tempo à capacidade alusiva e imaginativa de seus resultados", comenta o curador. Também integra o conjunto a peça Lezart, de 1989, que participou da retrospectiva do artista no centro cultural Jeu de Paume, em Paris, em 2001, além do inédito Projeto de obra pública, de 1992, que Tunga concebeu para o espaço urbano da cidade do Rio de Janeiro, em 1992, jamais realizado.

Por fim, na última sala da exposição, a Pinacoteca apresenta um trabalho ainda em processo da artista mineira Solange Pessoa. A instalação, concebida entre 2004 e 2018, compõe-se de uma grande escultura, de cerca de 10 metros de comprimento, feita de penas de aves e tecido, pendente do teto em forma cônica, lembrando o tronco de uma árvore.

Ao seu redor, uma série de relevos em argila e 36 pinturas sobre papel, com silhuetas de bichos fantásticos e polimórficos, um pouco aves, um pouco répteis, ou vegetais, como se essas formas estivessem em transmutação. “Parece um bestiário que remonta à formação das espécies", diz o curador da exposição. O que por sua vez reintroduz o visitante mais uma vez ao universo do filme de Baumgarten, "a ideia de um princípio de tudo que parece ter surgido já meio poluído, impuro”, finaliza Ribeiro.

Posted by Patricia Canetti at 11:18 AM