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novembro 3, 2018
Campos de Invisibilidade no Sesc Belenzinho, São Paulo
A partir de 8 de novembro, o Sesc Belenzinho oferece ao público a exposição Campos de Invisibilidade, um olhar provocador sobre a concretude das estruturas tecnológicas no funcionamento do mundo e a maneira como isso se relaciona com a terra, os corpos e territórios. Com curadoria de Cláudio Bueno e Ligia Nobre, e assistência de Ruy César Campos, a mostra reúne 23 trabalhos de 18 artistas nacionais e estrangeiros.
As obras exploram aspectos da infraestrutura tecnológica ainda ignorados pela maioria dos proprietários de smartphones e computadores ao redor do mundo. De fato, quem já parou para pensar a respeito de temas tais como: de que países específicos partem os cabos de dados que abastecem nossas atividades digitais?; é mesmo imaterial a nuvem que armazena selfies e fotos de família?; quem decide a ordem dos resultados que aparecem para uma pesquisa na internet?
Idealizada por Cláudio Bueno e Ligia Nobre, a mostra reúne fotografias, vídeos, áudios, mapas e instalações de artistas que questionam a imaterialidade das tecnologias digitais e o mito de um mundo imaterial, expondo as manifestações físicas dessas estruturas. Para os curadores, à medida que as tecnologias digitais se tornam tão presentes em nosso cotidiano, como a água ou a eletricidade, o debate sobre ela, e seus mecanismos de controle e exploração da vida e da terra, se torna igualmente necessário.
“Se o mundo inteiro já está fazendo a narrativa elogiosa ao universo da tecnologia, essa mostra vem adicionar uma perspectiva crítica”, explica Cláudio Bueno. Serão exibidas obras de artistas que pautam e situam esse debate a partir de contextos específicos, como Tabita Rezaire (França/Guiana Francesa/África do Sul) Cristine Takuá (Brasil), Louis Henderson (Reino Unido – com obra sobre Agbogbloshie, em Gana) e Emma Charles (Inglaterra).
Cinco maneiras de refletir sobre as infraestruturas tecnológicas
A exposição foi dividida em cinco núcleos – o primeiro, Nova Praia do Futuro, reúne trabalhos dos artistas Emma Charles, Louis Henderson, Tabita Rezaire, Julio Plaza e Ruy Cézar Campos, e desconstrói o mito da nuvem imaterial. O nome do núcleo faz referência à praia de Fortaleza, no Ceará, que recebe os cabos submarinos que conectam digitalmente o Brasil ao mundo.
Por meio das obras dessa seção, o espectador vai descobrir também que Gana, na costa oeste da África, recebe periodicamente toneladas de lixo eletrônico, provenientes principalmente da Europa, sugerindo uma prática reversa ao colonialismo (neste caso, são africanos que extraem metais valiosos da matéria vinda das metrópoles europeias), além da prática conhecida como Sakawa, em que pessoas hackeiam dados e contas bancárias.
Em Adeus a Sete Quedas – o nome faz referência a um poema de Carlos Drummond de Andrade – os artistas Carolina Caycedo (Inglaterra/Colômbia), Ruy Cézar Campos e o coletivo Territorial Agency (Inglaterra) abordam como a extração do petróleo, o represamento de água, a mineração e a produção de carvão representam um “estupro à terra”, nas palavras de Cristiane Takuá, cineasta indígena presente em um dos áudios expostos.
Em Ouroboros, o terceiro núcleo, estão em pauta melancolia, alienação, esgotamento e transformações dos corpos, conexões e a incessante busca por sentido nas obras de Jon Rafman (Canadá) e dos brasileiros Aretha Sadick, Bruno Mendonça, Denise Agassi e Felix Pimenta. Sadick, que combina em seus trabalhos referências a Grace Jones, afrofuturismo, teoria ciborgue e cultura drag, fará uma performance na abertura da exposição, além de oferecer uma oficina de figurinos e narrativas junto à equipe de atividades educativas do Sesc Belenzinho.
Cosmogramas apresenta trabalhos de Kabila Aruanda (Brasil), Louis Henderson, Alan Turing (Inglaterra), Ada Lovelace (Inglaterra), Rita Wu (Brasil) e Déborah Danowski (Brasil). As obras exploram espiritualidade, relação com a terra e os diversos modos de se relacionar – a arquiteta e designer Rita Wu, membro-fundadora do Fab Lab (Laboratório de Fabricação Digital) da FAU-USP, expõe três diagramas que pensam a comunicação a partir da observação de bactérias e de outras espécies. A artista mostra que há uma estrutura relacional semelhante às lógicas de consenso e confiança presentes no universo da blockchain.
A última seção, intitulada Visualizações do mundo, exibe mapas de aviões em tempo real no espaço aéreo, mapas das rotas de navios, um gráfico de movimentações da Bolsa de Valores de São Paulo, mapa de cabos submarinos e minas abandonadas. Os mapas evidenciam a presença física e massiva da infraestrutura tecnológica no funcionamento da vida hoje. Para os curadores, há o desejo de estimular o espectador a alargar o campo de reflexões e percepções sobre noções de geografia, ecologia, estética, política, espiritualidade, informação, soberania etc.
Também faz parte da mostra uma pequena biblioteca com 20 títulos de pesquisadores e artistas referências para o estudo. Eles atravessam os campos da tecnologia, da geografia, da arte, do design, da ecologia, das comunicações e das relações sociais.
Os curadores
Cláudio Bueno é artista, pesquisador e agenciador de projetos culturais. Corealiza hoje as plataformas Intervalo-Escola e Explode!. Recebeu premiações, participou de residências, exposições e falas públicas em instituições nacionais e internacionais, como: Hessel Museum/ CCS Bard (EUA); Delfina Foundation e Whitechapel Gallery (Inglaterra); Humboldt-Universität (Alemanha); Itaú Cultural, Videobrasil e Tomie Ohtake (Brasil), dentre outras. É doutor em artes visuais pela ECA-USP.
Ligia Nobre é arquiteta, agenciadora de projetos culturais e pesquisadora das intercorrências entre arte, design e arquitetura. Foi curadora adjunta da X Bienal de Arquitetura de São Paulo (2013) e dirigiu a plataforma exo experimental org, que promoveu pesquisas, residências artísticas, publicações e exposições. Atualmente é professora na Escola da Cidade e doutoranda no Programa de Estética e História da Arte da Universidade de São Paulo, com pesquisa sobre desenhos-rituais e modos de existência afro-brasileiros.
Junto a Carol Tonetti e Vitor Cesar, Cláudio e Ligia compõem o Grupo Inteiro. Desde 2014, reúne profissionais de diferentes formações e práticas em arquitetura, design, arte, comunicação, aprendizagem e tecnologia, estabelecendo condições de diálogos públicos por meio de proposições estético-políticas informadas por diferentes redes, plataformas e projetos, realizados por seus integrantes e colaboradores. O grupo se apresentou na mostra Playgrounds 2016 (MASP/Sesc SP) e na exposição Campos de Preposições (Sesc SP), em parceria com a CSM - Central Saint Martins de Londres, e atualmente desenvolve a obra Correspondance (Pro-Helvetia e FAR°, na Suíça).