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outubro 29, 2018
Celso Renato no Palácio das Artes, Belo Horizonte
Mostra comemora o centenário do pintor, que ao lado de Amílcar de Castro se tornou representante do construtivismo artístico mineiro
Pintor expoente no abstrato geométrico brasileiro, Celso Renato de Lima foi um dos mais singulares artistas no diálogo com o construtivismo em Minas Gerais. Toda a multiplicidade de sua obra compõe a nova exposição 100 anos de Celso Renato, que contempla a fase do abstracionismo informal, encontrada no início da carreira do artista, até as pinturas-assemblages, datadas do final do século passado. Os trabalhos da mostra abrangem todo o período de criação do artista (1960-1990), representando a maior individual já dedicada à Celso Renato. Serão expostas na Grande Galeria Alberto da Veiga Guignard mais de 80 obras pertencentes a importantes museus e coleções particulares brasileiras, selecionadas pela artista plástica, professora, galerista e curadora Claudia Renault.
A exposição conta com desenhos sobre papel, óleo sobre tela, óleo sobre Eucatex (chapas de aglomerados de polpa de eucalipto) e tinta acrílica sobre madeira. “Esta é a única exposição que abarcará toda a trajetória de Celso, não se detendo apenas em sua fase áurea das pinturas em madeira. Foram feitos minuciosos levantamentos e um grande trabalho de busca das obras, que serão organizadas em três módulos: o primeiro, com os primeiros desenhos, o segundo, com as pinturas abstratas, e o terceiro, com as obras em madeira que consagraram Celso Renato como um dos maiores artistas brasileiros”, explica a curadora, que também ressalta a importância de ocupar a Grande Galeria Guignard para a visibilidade das obras. “É sempre uma honra ocupar um espaço nobre, à altura desse grande pintor. 100 Anos de Celso Renato dá a merecida visibilidade para todos os públicos, o leigo e o especializado”, ressalta.
Grafismo sensível – O artista, que completaria 100 anos em 2019, iniciou a carreira no começo dos anos 1960. Suas primeiras produções foram marcadas pela influência da abstração informal, vertente artística que tende a suprimir toda a relação entre a realidade e o quadro, predominando os sentimentos e emoções do pintor. Celso Renato passou pelos grafismos gestuais, que amadureceram ao longo do tempo com o surgimento das formas geométricas – no auge de suas pinturas a óleo, fez bastante uso das cores azul e marrom no fundo das telas, e sobre elas trabalhava as figuras simétricas.
A partir dos anos 1970, Celso Renato passa a explorar diferentes materiais, incluindo tapumes e tábuas antigas de construção, coletadas em canteiros de obras. A geometria, já cara ao processo do artista, passa a somar com diferentes texturas de madeiras, inovando seu trabalho. Dos traços às formas geométricas, o artista produz na década de 1980 pinturas-assemblages sobre madeira, singulares no movimento construtivista* mineiro.
Na última fase artística, Celso Renato utiliza com mais frequência as cores branca, preta e vermelha como identidade – mas é a simplificação destes traços e a aproximação da sua arte ao universo da expressão popular indígena que fez deste seu período o mais conhecido. “Com um trabalho considerado ‘solitário’, a última fase de produção do artista é uma criação própria e singular. Foi uma época completamente original, na qual existia uma ressonância, a precisão que toca o construtivismo”, explica Claudia Renault.
Multiplicidade sobre madeira – Para a curadora, pelas mãos de Celso Renato, a madeira velha tornou-se mediadora de novos significados. “Celso foi o primeiro artista no Brasil e de que eu tenha conhecimento, no mundo, a usar o tapume – madeiras e restos da construção civil – como suporte para suas pinturas”, ressalta Renault, que aponta como o trabalho do artista merece ser valorizado. “Este trabalho do Celso é inovador, e só quase 30 anos após a sua morte começa a ser valorizado e reconhecido no mercado de arte, despertando grande interesse dos colecionadores. O verdadeiro valor do artista está sendo realmente descoberto agora”, revela.
Segundo Renault, Celso Renato foi um artista autodidata e teve orientações preliminares de pintura com seu pai, o também pintor Renato de Lima. “Sua trajetória é surpreendente. Celso começa a pintar na idade madura, já com o abstracionismo informal, com gestos largos, soltos e livres. Em entrevista, o artista afirmou ter visto em revistas estrangeiras obras abstratas e declara ter ficado muito impressionado, se interessando e buscando se aperfeiçoar”, conta a curadora.
A importância de realizar uma exposição dedicada a um dos mais significativos artistas do construtivismo geométrico em Minas Gerais é inquestionável. “Celso marca sua presença na arte brasileira, deixando fortes impressões que se renovam com o passar do tempo, influenciando o olhar de várias gerações. É necessário que o público mineiro conheça a obra desse grande artista, ainda tão desconhecido dos brasileiros em geral”, enfatiza Renault.
Celso Renato de Lima (1919 — 1992) – Pintor expoente no abstrato geométrico brasileiro nos anos 60. Ainda criança, transfere-se com a família do Rio de Janeiro para Belo Horizonte. Recebe alguns ensinamentos de pintura de seu pai, o também pintor Renato de Lima (1893-1978). Forma-se em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, em 1944; trabalha como representante de empresas de produtos químicos e, de 1965 a cerca de 1985, como advogado da Telecomunicações de Minas Gerais S. A. - Telemig. Paralelamente, dedica-se à carreira artística e passa a expor suas obras a partir de 1962. Desde a década de 1970, realiza pinturas-assemblages com base em madeiras recolhidas em obras de construção civil. Nos fragmentos selecionados das madeiras, cria, com o uso de poucas cores, composições abstrato-geométricas orientadas pelas marcas neles existentes.
*Construtivismo: O Construtivismo representou um movimento de vanguarda artística (artes plásticas, escultura, arquitetura, cenografia, dança, fotografia, design) que surgiu no início do século XX na capital russa, Moscou. Durou até meados da década de 1920 e influenciou o movimento artístico da Bauhaus. Essa vertente de influência futurista mostrou uma nova configuração da arte, imbuída dos aspectos da Revolução Industrial: uma arte que rompia com o passado tradicional, trazendo à tona outras formas de apresentação, associados aos avanços técnicos e tecnológicos modernos (as máquinas, a engenharia, a eletrônica e a evolução fabril).