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outubro 11, 2018
José Bento no Anexo Millan, São Paulo
O artista de Minas Gerais reúne nas dependências do Anexo Millan uma seleção de 15 esculturas e duas fotografias inéditas.
A Galeria Millan apresenta, de 17 de outubro a 17 de novembro de 2018, Todos os Olhos, a primeira individual do artista José Bento na galeria. A mostra ocupa o espaço do Anexo Millan e reúne um conjunto de 15 esculturas e duas fotografias inéditas. Conhecido por seu gosto e destreza no trabalho com madeira, José Bento apresenta nesta individual uma belíssima série de dez feijões esculpidos em diferentes tipos e cores desse material (“Todos os Olhos”), além de uma grande obra feita em bambu, logo na entrada do Anexo Millan (“A Catadora”).
Desde o final da década de 1980, José Bento é conhecido pelo interesse por aquele que é um dos mais tradicionais meios das artes plásticas – a escultura – e pela preferência por um de seus materiais mais típicos – a madeira. Essas estratégias, contudo, não devem ser tomadas de forma muito literal. Seja nas maquetes arduamente trabalhadas de maneira artesanal, nas grandes esculturas monolíticas ou nas toras brutas de madeira, os meios e materiais que o artista utilizou nesses trinta anos de carreira são mais ferramentas de experimentação poética e de criação de mundos do que uma afirmação estritamente formal ou artesanal da arte.
A obra que dá título à exposição, por exemplo, é uma série de dez esculturas de madeira em formato de feijões, cada uma com um peso, densidade e coloração diferentes, localizada na sala principal do Anexo. As peças representam alguns dos tipos de feijão mais consumidos pelos brasileiros, como o feijão preto, o feijão carioca, o fradinho, o vermelho e o roxinho. Se somado, o peso desses trabalhos resulta exatamente em 1283 kg, número que, segundo o IBGE, é a quantidade média de feijão que um brasileiro consome ao longo da vida. No fundo da sala, atrás dos feijões, uma fotografia: em “Xangô” vemos um sacerdote do vodú que segura uma pequena “Árvore” de José Bento, aos pés de uma estátua de Xangô, em Benin, na África. E, assim como o orixá que dá nome à obra, o feijão também pode ser visto como um símbolo de justiça, de igualdade e de força.
No hall do Anexo o destaque é a escultura “A Catadora”, formada por três grandes peneiras de bambu interligadas, com 3,10 m de diâmetro, cada. Ao lado dela temos a escultura “Coluna”, feita com cinco peneiras de metal sobrepostas, cada uma acomodando um nível diferente de serragem de madeira. Assim como em “A Catadora”, “Coluna” coloca em evidência uma ferramenta de trabalho usada tanto para a triagem de grãos – como os feijões – quanto no próprio ofício de José Bento. Por sua vez, a fotografia “Oxumaré”, na mesma sala, também se volta à mitologia iorubá, em que Oxumaré é representado por uma serpente que abraça o mundo, um arco-íris ou o líquido amniótico da coluna vertebral humana. Assim como os feijões da sala principal, são trabalhos que remetem a ideias de abundância e sustento mas também ao oposto complementar disso: fome, sobrevivência, trabalho e, consequentemente, prosperidade.
Por fim, na sala menor do Anexo - apelidada pelo artista de “sala da crise” -, estão as obras “Boca”, “Assunto” e “Rolo”, todas em madeira. “Boca” é um alçapão de 2,20 m de altura por 1,20 m de largura, uma versão em escala humana desse tipo de armadilha para pássaros cuja comercialização é proibida no país. “Assunto” e “Rolo”, por sua vez, reproduzem em madeira, com exatidão de escala e detalhes, dois objetos comuns na casa – mais especificamente no banheiro – de todo brasileiro: um assento de vaso sanitário e um porta-papel higiênico.
SOBRE O ARTISTA
José Bento (1962, Salvador, BA. Vive e trabalha em Belo Horizonte, MG.)
Os trabalhos de José Bento superam os limites formais da escultura. O artista cria diálogos com a arquitetura por meio de silenciosas intervenções, de construções e desconstruções de objetos, instalações interativas, fotografias, performances e vídeos, utilizando principalmente materiais como a madeira — comumente oriunda de reformas e demolições —, a porcelana e o vidro.
Em sua primeira exposição individual, em 1989, no Paço das Artes de Belo Horizonte, o artista inaugura a discussão da relação entre os planos bi e tridimensionais a partir de maquetes e objetos construídos com palitos de picolé. Já na Casa Guignard, em Ouro Preto (MG), abordando as questões que envolvem os materiais de sua produção artística, apresenta esculturas feitas a partir de troncos de árvores seculares da Mata Atlântica, tombadas naturalmente. Em 1992 recebe o Prêmio Brasília de Artes Plásticas, no 12° Salão Nacional de Artes Plásticas, no Rio de Janeiro. Em 2004 exibe suas esculturas no Museu de Arte da Pampulha, em Belo Horizonte, e apresenta a obra Chão, site-specific cujo material, oriundo de reformas e de demolições, sobrepõe-se a camadas de molas e simula uma experiência de instabilidade ao caminhar. Recentemente essa obra foi apresentada na 32a Bienal de São Paulo, ocupando uma área de 627 m2 do Pavilhão da Bienal.