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setembro 12, 2018
Delson Uchôa na Zipper, São Paulo
Estabelecer um diálogo com o próprio trabalho por meio de reencontros com sua produção anterior é um dos processos característicos na obra de Delson Uchôa. “A pintura é uma conversa para o olho que sabe ouvir”, afirma o artista, que de tempos em tempos volta-se para um determinado trabalho iniciado anos antes, ativando-o novamente. Em Autofagia, Corrupio no Olhar, sua segunda exposição na Zipper, o conjunto de seis pinturas em grande formato foi desenvolvido com distintos intervalos de tempo ao longo de quatro décadas, dos anos 1980 até hoje.
A obra “Quaradouro” é uma das que melhor expressa a ideia de autofagia, como o artista passou a chamar tal processo. O título da tela remete ao local exposto ao sol para “quarar” (secar) a roupa; no centro da obra, está uma pintura realizada em 1989 sobre um cueiro, cercado por pregadores de roupa. Em outros três momentos (1998, 2003 e 2018) Delson fez apagamentos, acréscimos e alargamentos da pintura a partir da figuração central do trabalho. “Eu não abandono nada em minha produção. Esses trabalhos são a pura expressão de como me alimento de mim mesmo, em um processo autofágico”, comenta.
O termo tem origem na medicina, área de formação do artista que exerce grande influência na lógica de seu trabalho, e se refere a um mecanismo de regeneração natural em células do corpo. Adaptada para sua prática pictórica, a autofagia se materializa em pinturas de muitas camadas, indicando um vasto hibridismo cultural e memórias de distintos períodos.
Nas obras reunidas nesta seleção, é possível identificar alguns pontos de partida do artista: padrões, formas geométricas e tonalidades recorrentes na produção de Delson nos anos 1980. A variedade de materiais também está presente – lona, lá, algodão, camurça, madeira, plástico e metal mesclam-se à pintura acrílica como testemunhos de um arquivo objetual reunido pelo artista.
A atitude de desenvolver novos trabalhos a partir do resgate do passado representa, paradoxalmente, uma reiteração de seu próprio presente. “Não existe, para mim, um ponto final nas obras. Eu refaço, recomponho, amplio. É um processo muito singular, de reencontro. Enquanto os trabalhos estiverem ao meu alcance, não me privo de revisitá-los”, afirma.
“Autofagia, Corrupio no Olhar” inaugura no dia 20 de setembro e fica em cartaz até 20 de outubro.
Delson Uchôa (Maceió, Brasil, 1956) é um dos principais artistas contemporâneos representativo da chamada “Geração 80”. Com uma extensa trajetória de exposições – como bienais de Veneza, São Paulo, Havana e Cairo –, tem obras em coleções como Inhotim (Brumadinho, Brasil), Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (Brasil), Museu de Arte Moderna de São Paulo (Brasil), Pinacoteca do Estado de São Paulo (Brasil), Vogt Collection (Berlim, Alemanha) e York Stack Collection (Berlim, Alemanha). Embora tenha incursões mais recentes nos universos performance e da fotografia, sua técnica de referência são pintura em telas de grandes dimensões e suportes como resina, lona e couro, explorando a multiplicidade de camadas e o uso de cores vibrantes.