|
agosto 24, 2018
Clara Ianni na Vermelho, São Paulo
Na Sala Antonio de projeção, a Vermelho exibe Repetições (2018), de Clara Ianni (São Paulo, 1987).
Clara Ianni está na exposição Brasile. Il coltello nella Carne, com curadoria de Jacopo Crivelli Visconti, no Padiglione di Arte Contemporanea (PAC). A artista estará, a partir de 1º de setembro, na coletiva Estado(s) de Emergência, na Oficina Cultural Oswald de Andrade (São Paulo), com curadoria de Priscila Arantes e Diego Matos.
Ianni já participou de diversas exposições institucionais importantes como 12ª Bienal de Istambul (2011), 31ª Bienal de São Paulo (2014), Bienal de Jakarta (2015) e Intermittent dystopias - X Bienal de Berlin (2018).
Sua obra está em coleções como Museum of Modern Art, MoMA (Nova York) e Museu de Arte Moderna, MAM Rio (Rio de Janeiro). Ianni já foi contemplada com prêmios e bolsas como Bolsa Pampulha (Belo Horizonte, 2010) e 19º Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil Prêmio de Residência A-I-R Laboratory, Varsóvia, Polônia (São Paulo, 2015).
Repetições, 2017-2018, revisita a primeira peça teatral feita contra o regime militar brasileiro (1964-1985). Inspirada pelo golpe ocorrido em 2016, Ianni buscou resgatar a primeira resposta, dada no teatro, ao golpe de 1964. Tendo a repetição histórica da vida política do país como ponto de partida, o vídeo cria um ponto de junção, ou contato, entre o passado e o presente. Como uma tentativa de reencenação, o filme revisita a peça Arena Conta Zumbi, realizada pelo Teatro de Arena (1965) e o contexto de sua montagem através das memórias de um de seus antigos atores, Izaías Almada. Filmado na antiga sede do grupo e utilizando algumas das técnicas dramatúrgicas desenvolvidas pelo próprio Teatro de Arena, o projeto lida com a ideia de repetição enquanto possibilidade de transmissão da memória de uma experiência, e também como sintoma, retorno de um trauma mal elaborado.
No vídeo de Ianni, a repetição não é a reprodução exata, mas um ressurgimento transformado, evidenciado pela tensão entre utopia e catástrofe, vigor e debilidade, entre memória do corpo e memória do documento.
O Teatro de Arena foi um grupo de teatro brasileiro que atuou entre as décadas de 1950 e 1970. Fundado em 1953, o Arena buscava renovar e produzir um teatro que refletisse a experiência brasileira, em oposição ao teatro em voga naquele tempo, fortemente influenciado pelo repertório europeu e norte-americano. A convicção do grupo era apresentar um repertório popular que espelhasse seu tempo, buscando não a catarse, mas sim a reflexão. Depois de anos se apresentando em lugares como o Museu de Arte Moderna de São Paulo, fábricas e espaços alternativos na cidade, o Arena conquista sua sede no centro de São Paulo, em 1954. A arquitetura do espaço fugia do modelo tradicional e hierarquizado de palco, para um palco circular, onde os atores ficavam no centro do público, possibilitando que a cena fosse vista de múltiplos ângulos ao mesmo tempo.
Em 1956, Augusto Boal entra para o grupo renovando seu repertório e contribuindo para o desenvolvimento de suas técnicas dramatúrgicas. Em 1958, o Arena apresenta Eles não usam black-tie, de Gianfrancesco Guarnieri, que buscava comunicar-se com as classes proletárias do país. De Black-tie ao início da década de 1960, o grupo leva aos palcos os escritos originais de integrantes da companhia, cumprindo sua missão de pensar o Brasil através do teatro e politizando a discussão sobre a realidade nacional.
Em 1º de maio de 1965, como resposta ao golpe militar, o grupo estreou Arena conta Zumbi. O musical, escrito por Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal, com músicas de Edu Lobo, revisitava a história de Zumbi, a formação do Quilombo de Palmares, e a resistência contra o império Português, como metáfora da luta pela liberdade em 60.
A estrutura do texto não se articula em torno de Zumbi como protagonista, função que é dividida entre três personagens - o rei Zambi, Ganga Zumba e Ganga Zona. O público acompanha, no início da peça, a prisão de Zambi na África, a situação do povo negro dentro dos navios negreiros, a compra e venda dos escravos e, finalmente, a fuga de Zambi. A peça passa, então, a retratar o desenvolvimento e o cotidiano do Quilombo dos Palmares como comunidade e suas relações afetivas. No último ato são representados os enfrentamentos com os militares e com os senhores de terras, a tentativa de resistência, a destruição do Quilombo e o assassinato de Zambi.
Arena conta Zumbi inaugurou o ‘Sistema Coringa’ de interpretação, elaborado por Boal, no qual um ator pode interpretar diferentes papéis, alternando-se de acordo com o contexto da cena – revolucionário(a), policial, bispo, político(a), juiz(a) e etc. Esta desvinculação entre ator e personagem, que mais tarde, integraria o método elaborado por Boal chamado Teatro do Oprimido, era um modo de, não só confrontar a ideia do ator como herói, mas de apontar a realidade como construída, e passível de ser transformada, posições alteradas.
Izaias Almada nasceu em 1942, em Belo Horizonte, Minas Gerais, onde iniciou seus estudos em teatro. Mais tarde, mudou-se para São Paulo, ingressou na Universidade de São Paulo, onde estudou na Escola de Artes Dramáticas e conheceu Augusto Boal. Izaías Almada é romancista, dramaturgo, roteirista e biógrafo. Além disso, trabalhou na área de publicidade onde dirigiu peças publicitárias pelas quais recebeu diversos prêmios, como o Leão de Cannes. Como autor, Almada publicou, em 2004, o livro Teatro de Arena, sobre a história do grupo.