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agosto 19, 2018
Melvin Edwards no MASP, São Paulo
Mostra reúne 37 esculturas de sua renomada série Fragmentos Linchados e abrange mais de cinco décadas de produção
Parte do ciclo de histórias afro-atlânticas, eixo curatorial ao qual o MASP se dedica neste ano, o museu exibe, a partir de 23 de agosto, a mais abrangente mostra dedicada à série Lynch Fragments fora dos Estados Unidos. Melvin Edwards é um artista e representante fundamental da arte afro-americana —e, aos 81 anos, estará presente na abertura da exposição.
Nascido em 1937, em Houston, no Texas, Edwards surgiu na cena artística de Los Angeles nos anos 1960, cidade onde fez sua formação como artista. No mesmo ano, ganhou sua primeira mostra no Museu de Arte de Santa Bárbara, que o lançou profissionalmente. Em 1967, mudou-se para Nova York e, em 1970, tornou-se o primeiro escultor afro-americano a expor individualmente no Whitney Museum of American Art.
“Trata-se da maior apresentação de sua obra feita fora dos Estados Unidos, focando na série que é de fato o centro da sua produção, os Lynch Fragments. Essa exposição se relaciona com iniciativas globais de disseminação da obra de Melvin Edwards, que chega aos 80 anos como um dos principais escultores em atividade no mundo. Embora conhecida nos Estados Unidos, com exposições em diversos museus, sua obra só recentemente atingiu o reconhecimento internacional merecido”, afirma Rodrigo Moura, curador-adjunto de arte brasileira do MASP e desta exposição.
Edwards cresceu no ambiente racista dos Estados Unidos segregacionistas e, insatisfeito com o mundo majoritariamente branco e elitista da arte, reflete em suas obras o seu engajamento e militância acerca de temas como raça, direitos civis, violência e diáspora africana.
As 37 obras que compõe a mostra no MASP têm relação direta com todas essas questões e com eventos que o marcaram. Pás, machados, ancinhos e ferraduras evocam o contexto rural do sul dos Estados Unidos, local onde o artista passou parte da infância, na casa de sua avó, no Fifth Ward em Houston, Texas, uma comunidade formada por afrodescendentes e imigrantes latinos.
Os Fragmentos exibidos são esculturas de parede de pequena escala que utilizam objetos existentes de metal —como ferramentas, facas, ganchos e peças de máquina— soldados uns aos outros, criando obras que se situam na fronteira entre a abstração e figuração. Elas realizam uma síntese cultural singular, entre a escultura de solda modernista e o reducionismo minimalista, fazendo menção também às tradições memoriais da escultura africana.
“Os Lynch Fragments compõem um extenso painel de histórias africanas e afro-americanas, destacando noções de memória e autobiografia. Inicialmente, as obras fazem referência aos episódios de tensão racial no marco do Movimento dos Direitos Civis, nos anos 1960, e depois mergulham num diálogo com diversas culturas africanas, algo que coincide com a própria presença cada vez maior do artista no continente, e culmina na abertura de seu ateliê em Dacar, no Senegal, nos anos 2000”, complementa Rodrigo.
O estopim para o começo da série, em 1963, foram os inúmeros casos de violência racial nos EUA. O título faz menção aos linchamentos que, historicamente, perseguiram e exterminaram a população afrodescendente após a abolição da escravidão. O primeiro Fragment produzido por ele, intitulado Some Bright Morning [Numa clara manhã], (1963), evoca uma história de violência racial envolvendo uma família na Flórida. Suas formas são agressivas e o encontro dos elementos é marcado por rebarbas de metal derretido, conferindo um caráter inacabado ao material.
Outros acontecimentos históricos que tomaram o ano de 1963 são importantes para entender o contexto de produção de Edwards. Entre os fatos emblemáticos, está o discurso icônico de Martin Luther King Jr., que reuniu mais de 300 mil pessoas em Washington, conhecido sobretudo pela passagem I have a dream [Eu tenho um sonho]. A chamada Marcha por Empregos e Liberdade marcou o ápice do movimento por direitos civis da população afrodescendente e transformou a luta contra a discriminação em uma causa nacional (e não mais restrita ao sul do país). Vivendo em Los Angeles, Edwards também foi marcado pelos riots no bairro de Watts, que representaram um momento de acirramento da violência policial direcionada à população afro-americana.
Em 1973, o artista retornou à série, criando novas obras em torno dos conflitos raciais que experenciou enquanto viveu em Nova York e durante a Guerra do Vietnã. O ano de 1978 marca o início da última fase do trabalho. Nessa etapa, os Fragments passam a se relacionar cada vez mais com referência africanas, incluindo línguas, regiões, personagens e acontecimentos, e a abranger situações específicas da diáspora africana nas Américas. Suas visitas ao Brasil nos anos 1980 o inspiraram a fazer a obra Palmares (1988), que menciona o lendário quilombo no ano do centenário da abolição da escravidão no país.
Desde 2000, ele mantém um ateliê em Dacar, no Senegal, onde tem produzido esculturas em parceria com manufaturas e artesãos locais. Edwards também ensinou a solda de metais em diversos países, ministrando oficinas e orientando uma geração mais nova de escultores africanos.
Histórias afro-atlânticas
A exposição ocorre em um ano inteiro dedicado às trocas culturais em torno do Atlântico, envolvendo África, Europa e Américas ---que inclui mostras individuais de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, Maria Auxiliadora e Emanoel Araujo, que ocorreram no primeiro semestre, e Rubem Valentim, Sonia Gomes, Lucia Laguna e Pedro Figari, programadas para o segundo semestre. Na sala de vídeo também serão apresentados, ao longo de 2018, autores de diferentes nacionalidades, gerações e origens capazes de contar outras histórias da diáspora negra. Os artistas que participam do programa são: Ayrson Heráclito (19/4 a 17/6), John Akomfrah (28/6 a 12/8), Kahlil Joseph (23/8 a 30/9), Kader Attia, (11/10 a 25/11), Catarina Simão (13/12 a 27/01/19), Jenn Nkiru (08/02 a 24/03/19) e Akosua Adoma (14/6 a 18/7/2019).
Melvin Edwards: Fragmentos linchados acontece simultaneamente à grande coletiva Histórias Afro-atlânticas, com a qual se associa diretamente. As múltiplas histórias narradas nas obras de Edwards, com seus títulos evocativos da geografia e da história africana e da diáspora, relacionam-se com o contexto geral da exposição: o impacto cultural do tráfico de escravizados.
Nas paredes do mezanino, onde formam duas longas linhas, os relevos do artista estão em diálogo com um vigoroso conjunto de obras da tradição escultórica afro-brasileira do século 20 e relacionam-se com escultores como Agnaldo Manoel dos Santos e Mestre Didi —cujas obras estão logo abaixo, no segundo subsolo, na exposição Histórias Afro-atlânticas.
Também faz parte desse movimento um catálogo (com versões em português e inglês), a maior publicação já produzida sobre a série, organizado por Adriano Pedrosa, diretor artístico do MASP, e Rodrigo Moura. Ao todo, serão 97 obras reproduzidas e ensaios de Hamid Irbouh, Rebecca Wolff e Renata Bittencourt.
No dia 25 de agosto, em decorrência de sua vinda a São Paulo, Edwards participará de um bate-papo no auditório do Museu Afro Brasil. O evento, que ocorre das 11h às 13h, terá mediação de Rodrigo Moura. O Museu Afro Brasil é a instituição que mantém em exposição o trabalho do artista no país e por isso o espaço é simbólico para receber o debate. Na atividade, serão abordados temas relacionados à sua trajetória, seu processo de produção artística, a recepção de sua obra e os impactos da exposição do seu trabalho no Brasil. O evento é gratuito e aberto ao público e terá tradução simultânea e em libras. Ingressos devem ser retirados com duas horas de antecedência.