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julho 26, 2018
100 anos de Athos Bulcão no CCBB, São Paulo
A potência dos traços de Athos Bulcão na azulejaria, nos desenhos, na pintura, nas fotomontagens, nos cenários e figurinos e na estreita relação que o artista estabeleceu entre arquitetura e arte pode ser conferida e vivenciada a partir de 1o de agosto no CCBB São Paulo. O universo riquíssimo do artista, que no Memorial da América Latina em São Paulo, tem um de seus mais notáveis painéis de azulejos, será exibido na mostra 100 Anos de Athos Bulcão, que comemora o centenário de nascimento do artista e propõe um profundo mapeamento e imersão na diversidade de seus trabalhos e técnicas.
A exposição, com curadoria de Marília Panitz e André Severo, oferece ao espectador a possibilidade de conhecer o seu especial processo de produção, com a exibição de mais de 300 trabalhos, alguns dos quais inéditos, realizados entre os anos 1940 e 2005. Obras de artistas mais jovens que direta ou indiretamente foram influenciados por Athos também serão apresentadas. Com o patrocínio do Banco do Brasil e apoio da BBDTVM, realizada pela Fundação Athos Bulcão e produzida pela 4 Art, a exposição, que já esteve em Brasília e Belo Horizonte, após sua permanência em São Paulo, fará sua última escala no CCBB Rio de Janeiro, em outubro.
Dividida em núcleos, “100 anos de Athos Bulcão” vai além da arte da azulejaria: destaca também a pintura figurativa do artista realizada nos anos 1940 e 1950, antes de Brasília. – A série dos carnavais e sua relação com a pintura sacra é extraordinária – afirma Marília Panitz, ao destacar que Athos Bulcão utilizou uma mesma estrutura composicional para trabalhos sacros e profanos, citando como exemplo A Vida de Nossa Senhora, que está na Catedral do Distrito Federal.
A mostra contém ainda os croquis que Athos Bulcão fez para o grupo de teatro O Tablado, do Rio de Janeiro, os figurinos das óperas Amahl e Os Visitantes da Noite de Menotti, paramentos litúrgicos modernistas, grande acervo de seu trabalho gráfico e até os lenços que desenhou quando estava em Paris. No Estado de São Paulo, outro trabalho público se destaca: o relevo em madeira pintada no foyer do Teatro de Araras, em 1991.
Outro aspecto relevante da exposição é a interatividade, desenvolvida a partir do caráter urbano e democrático da obra pública de Athos Bulcão inserida nas cidades. Através de um aplicativo criado especialmente para a mostra, o público será convidado a interagir e apropriar-se de projetos do artista.
Além disso, no dia 1º de agosto, às 19h, no CCBB, um bate-papo completa a programação. Os curadores, a secretária executiva da Fundação Athos Bulcão, Valéria Cabral, dos artistas Pedro Ivo Verçosa, Julio Lapagese e Virgílio Neto, que tem obras patentes na exposição, e o fotógrafo Tuca Reinés, responsável por muitos clicks das obras de Athos, irão dialogar com os visitantes sobre a vida e obra de Athos Bulcão.
A EXPOSIÇÃO
– Combinando o viés cronológico com uma aproximação temática, “100 anos de Athos Bulcão” aposta nos vínculos, mais ou menos evidentes, entre diferentes momentos da trajetória do artista e se estrutura a partir de núcleos de obras e estudos que se interpenetram e deixam evidente a diversidade conceitual e material que permeia toda o seu trabalho – afirma André Severo.
As obras do Núcleo 1 – A cor da fantasia – exibem o caráter figurativo, e menos conhecido, no conjunto de criação de Athos Bulcão. Com figuras simplificadas e uma paleta particular, as cores puras e os tons terrosos predominam. O universo imaginário do artista formalmente aproxima as festas profanas com as imagens religiosas que produziu, ainda no início dos anos 1960, para a Catedral de Brasília. Nesse núcleo estão também as vestes litúrgicas e projetos para painéis e vitrais de igrejas, assim como os desenhos realizados no final da vida do artista, quando o tema do carnaval que aparece como lembrança ancestral, reaparece.
As fotomontagens são um momento único na obra de Athos Bulcão. No Núcleo 2 – Devaneios em preto e branco – elas apontam para certo pensamento tributário das experimentações surrealistas e de certa vertente construtiva presente nos desdobramentos da experiência da Bauhaus. Trata-se também da utilização daquilo que o aprimoramento do offset e das revistas possibilitou. Aqui é possível identificar a maestria da composição associada a um viés de humor. Além das Fotomontagens pertencentes ao acervo da Fundação Athos Bulcão, a mostra exibe pela primeira vez as colagens que deram origem a elas – todas pertencentes a uma coleção particular.
Na abertura do Núcleo 3 – É tudo falso – surge o artista segurando uma máscara que é a reprodução de uma outra, ancestral. O título do núcleo toma uma fala de Athos Bulcão que questionava a ideia de originalidade e, portanto, a de falsificação, assim como outros artistas seus contemporâneos. Junto a essas “pinturas objetos” estão pinturas, gravuras e desenhos em torno do mesmo tema da documentação antropológica imaginária. Ainda estão presentes alguns dos bichos – coleção de esculturas criadas em pequena escala, à maneira dos seres imaginários de Borges, e depois construídas em tamanho maior para ajudar o desenvolvimento do aparelho locomotor das crianças da Rede Sarah de hospitais.
No Núcleo 4 – A geometria e a poesia – se pode observar mais profundamente o grande colorista Athos Bulcão e sua paleta de cores. Em um tríptico estão reunidos os três vieses desse grupo de obras pictóricas desenvolvidos entre o final dos anos 1960 e os anos 1990: as máscaras, que quase desfaziam a figuração; a associação de recortes quadrados que se espalhavam sobre o fundo monocromático; e as texturas com pequenos círculos, pontos, cruzes, quase ideogramas particulares criados pelo artista, que se espalham por toda superfície da tela e definem, sutilmente, formas que parecem instáveis dando-se a ver e desaparecendo sob o olhar do observador. Em diálogo com as telas, estudos de painéis de azulejos, desenhos e gravuras que comprovam o parentesco conceitual nas diversas experimentações: coerência e diversidade.
O Núcleo 5 – A forma reinventada e seus modos de usar – reúne as experiências do artista em diversos campos como capas de revistas e livros, ilustrações de jornais, projetos de estamparia em lenços e capas de discos. Também são apresentadas suas incursões no teatro – em especial, junto ao grupo O Tablado, de Aníbal Machado – onde foi cenógrafo e figurinista, além de designer dos programas das peças. Os projetos para mobiliário, realizados em residências particulares e também para a Rede Sarah, completam esse núcleo. É um bom momento para refletir como, a partir de uma clara proposta estética e conceitual, o artista se aventura por outros campos de fazer.
O Núcleo 6 – Construções/Montagens: a invenção de uma forma de integração da arte à arquitetura – é o maior núcleo da mostra. Dele fazem parte os trabalhos que evidenciam essa integração reconhecida em muitas cidades no Brasil – Brasília (mais massivamente), Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Natal, Recife, Salvador, Fortaleza, São Luiz, Teresina, Cuiabá, Aracajú, Vitória – e no exterior – Buenos Aires (Argentina), Praia (Cabo Verde), Lagos (Nigéria), Nova Delhi (Índia), Milão (Itália), Saint-Jean-Cap-Ferrat (França). Nesse conjunto de obras é possível observar o método do artista, sua precisão e sua abertura para a surpresa, para o inesperado, o que mantêm sua obra com um frescor perene.
À maneira de um jogo, o visitante é convidado a interagir e apropriar-se de projetos de painéis de azulejos (marca maior do trabalho do artista). O exercício proposto no Núcleo 7 – Interagir com Athos Bulcão, transformar a cidade – ocorre através da utilização de um aplicativo desenvolvido especialmente para a mostra. A reprodução de imagens projetadas na parede da sala permite que o público possa experimentar os azulejos de Athos Bulcão sobre superfícies de prédios escolhidos dentro do repertório oferecido pelo jogo.
O Núcleo 8 – Rastros de Athos Bulcão – mostra a influência de Athos no trabalho de artistas contemporâneos. Obras de alguns artistas que reconhecem de alguma forma a presença de Athos Bulcão em suas poéticas são exibidas junto a obras de Athos Bulcão, que correspondem a esta zona de influência.
Ao longo de toda a mostra encontra-se a reprodução em escala de alguns dos relevos acústicos que foram desenvolvidos pelo artista, assim como algumas divisórias utilizadas em diversos prédios públicos, cuja originalidade e funcionalidade são marca do trabalho, sem precedentes, de integração entre arte e arquitetura proposto por Athos Bulcão.
No espaço externo um cubo de 9m2 propõe uma aventura aos visitantes: documentar viagens imaginárias, a partir de fotos realizadas junto à figura geométrica. Cada uma das faces do cubo é revestida com painéis de azulejos do artista encontrados em prédios públicos devidamente identificados. A dimensão generosa do cubo possibilita ao público a experiência do corpo a corpo com os painéis e também propicia a aventura de “estar” nos vários locais onde se encontram os trabalhos do artista, com um só clique.
“100 anos de Athos Bulcão” contextualiza a trajetória do artista, a conexão entre suas obras e um adensamento em sua poética. Da sua inspiração inicial pela azulejaria portuguesa, do aprendizado sobre utilização das cores, quando foi assistente de Portinari, até as duradouras e geniais parcerias com Niemeyer e João Filgueiras Lima, o Lelé. – Para nós, que divulgamos e preservamos seu legado, é sempre uma alegria homenagear o talento desse homem discreto, preocupado especialmente em harmonizar e compor o trabalho do arquiteto na integração de sua arte, mas que também se engrandece quando envolvido em telas, tintas e pincéis, produzindo um dos mais destacados repertórios da arte brasileira – afirma Valéria Cabral, secretária executiva da Fundação Athos Bulcão.