|
julho 10, 2018
Helena Trindade no Tomie Ohtake, São Paulo
Como parte de uma preocupação constante com a produção contemporânea, o Instituto Tomie Ohtake traz a exposição A letra é a traça da letra, de Helena Trindade, formada por quatro instalações em grandes dimensões. O conjunto revela a particular potência poética construída pela artista a partir da letra, matéria seminal de sua obra. “A minha maneira, digo que a letra é um pré-texto para um jogo poético”, diz a artista. A exposição, com curadoria de Glória Ferreira, que esteve no Paço Imperial, Rio de Janeiro, de 21 de março a 27 de maio deste ano, evidencia como Trindade desdobra o alfabeto em diferentes narrativas e suportes, estabelecendo um amplo campo de Poesia Visual, traço comum na obra da artista, há mais de vinte anos.
As instalações, compostas por esculturas, vídeos, fotografias, objetos e performance no dia da abertura, reúnem cerca de 40 trabalhos, a maioria de 2018. Em cada instalação há elementos que remetem às demais, reafirmando o interesse da artista em trazer ao seu vocabulário plástico a inesgotável articulação da linguagem escrita. “Romper a forma linear da escrita, tratar a letra como vetor de significados, um contínuo trabalho de rearticulação, próprio ao funcionamento da linguagem, é o que, ao meu ver, Helena Trindade realiza em sua poética”, afirma a curadora.
Em (a)MURO, que abre a exposição, dois muros são (des)construídos a partir de estênceis de letras. Eles abordam, segundo a artista, aspectos do funcionamento da linguagem e evocam Lacan, que se refere a um “muro de linguagem que se opõe à fala”.
Remetem também ao neologismo lacaniano (a)mur, que conjuga as palavras “amor” e “muro”. Já (A)MOR, que destaca as letras A, M, O, R, relacionando-se, assim, à primeira sala, aborda diferentes aspectos do afeto amoroso por meio de vídeos (Afastamentos e díptico A-M-O-R, projetado no chão) e de uma escultura (Insular), construída com os recortes retirados do trabalho de outra instalação, A letra é a traça da letra..
MEDIDA DE TODAS AS COISAS reúne 22 objetos que evocam as várias referências que alimentam a obra da artista carioca. Do sofista grego Protágoras – “O homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são” –, passando por Lacan, grande influenciador do pensamento da artista, pelo poeta catalão Joan Brossa, com o Poema a Brossa, por Heidegger, cujo livro A origem da obra de arte é retomado pela artista e impresso de modo a reproduzir a cada folha seu título, por Derrida com Poema a Derrida, até Carvaggio, Lygia Clark, entre outros.
Por sua vez, em A LETRA É A TRAÇA DA LETRA, instalação que dá nome à exposição, encontra-se um dicionário etimológico (origem das palavras), perfurado por Trindade, ao modo das traças, com pequenos tipos de máquina de escrever. Na mesma instalação, inventa o Alfabeto Traça, que não corresponde a nenhum outro conhecido, com teclas de máquinas de escrever. “Existe no movimento que gera a linguagem um trabalho perpétuo de rearticulação que problematiza a questão da origem, uma vez que nesse processo nada se produz que não seja pela transformação”, completa.
Sobre a artista
Desde 1994, Helena tem sido convidada a desenvolver projetos para algumas das mais prestigiosas instituições, sendo que entre as nacionais figuram: Paço Imperial, FUNARTE, Oi Futuro Centro de Arte e Tecnologia, Centro Cultural São Paulo, Centro de Arte Helio Oiticica, SESC, Casa de Cultura Laura Alvim, Museu da República e Espaço Cultural Sérgio Porto. Dentre as instituições internacionais onde Helena atuou figuram: City University of New York, École d’Art d’Avignon durante o Ano do Brasil na França, Universidade de Coimbra, University of Hawaii, Metrospace da Prefeitura de East Lansing - Michigan, Fundação Potuguesa das Comunicações de Lisboa e Art Radio da Universidade de Maryland. Helena conta ainda com participações na Agency of Unrealized Projects de Julieta Aranda e Hans Ulrich Obrist, na Plataforma digital da XII Documenta de Kassell e na Mostra Paralela Oficial da XXVI Bienal de São Paulo.
Sobre a curadora
Glória Ferreira já esteve no Instituto Tomie Ohtake como curadora de Arte como Questão - Anos 70, exposição justamente com forte presença da produção conceitual e com relações com a escrita e o texto, geração que constitui o horizonte ou a raiz de Helena Trindade. Doutora em História da Arte, professora colaboradora EBA/UFRJ, Ferreira é crítica de arte e curadora independente. Organizou diversos livros e co-organizou as coletâneas Clement Greenberg e o debate crítico, 1997e Escritos de artistas 1960/1970, 2006, ambos pela Jorge Zahar Editor; e Mário Pedrosa. Primary Documents, MoMA, 2015. Publicou Entrefalas, Zouk, 2011 e Glória Ferreira Fotografias de uma amadora, Nau Editora, 2016.