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junho 22, 2018
Tiago Sant'ana no Paço Imperial, Rio de Janeiro
Açúcar e colonização inspiram exposição no Paço Imperial
Tiago Sant’Ana explora as ruínas da escravidão no Recôncavo da Bahia para criar performances que serão exibidas em mostra individual. O artista é um dos indicados ao Prêmio PIPA 2018, uma das principais premiações das artes visuais brasileiras.
No próximo dia 28 de junho, às 18h30, o Paço Imperial abrirá a exposição Casa de purgar do artista visual Tiago Sant’Ana. A mostra reúne trabalhos em performance, fotografia e vídeo - tendo os antigos engenhos de açúcar do Recôncavo baiano como principal lugar de investigação. Para o artista, o açúcar ainda carrega consigo uma metáfora para discutir as estratificações sociais e raciais do Brasil: “O açúcar moveu durante séculos a máquina colonial, sobretudo na Bahia, que se apoiava não somente na ideia do lucro e da propriedade, mas também da subjugação e escravização de povos negros”, contextualiza.
A mostra ressalta a necessidade de olhar os fluxos contemporâneos tomando a memória e o patrimônio como universos produtivos. Assim, as estruturas dos antigos engenhos coloniais servem como espaço de imersão para o artista realizar uma série de performances que chamam atenção para o trabalho negro e o espaço que ele ocupa tanto no passado colonial quanto na contemporaneidade. “Em um dos trabalhos, eu realizo a ação de passar roupas continuamente nas construções de um antigo engenho. O ferro elétrico, os instrumento que utilizo, são atuais. Mas, a ação de estar naquele lugar desempenhando aquela atividade remete a um passado de escravismo colonial pautado no racismo e na exploração que permanecem ainda hoje”.
A exposição é uma composição poética de crítica decolonial num momento em que a história e a arte tentam revisitar as narrativas do passado brasileiro a partir de um outro viés que se afasta de um olhar eurocêntrico. A ideia de colonialidade é central para a composição dos trabalhos reunidos na exposição. Colonialidade pode ser entendida a permanência de uma chaga colonial, mesmo depois do desembarque da máquina portuguesa no Brasil. Ou seja, a sociedade contemporânea permanece vivendo sob uma égide colonial mediante as desigualdades raciais e sociais ainda presentes.
A exposição “Casa de purgar” tem início a partir de um achado do Inventário de Acervo Cultural da Bahia feito pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural do Estado da Bahia (IPAC) publicado em 1975. A partir dessa publicação, o artista selecionou alguns engenhos e instalações coloniais, realizando uma espécie de rota do açúcar - ao cartografar antigos engenhos e seus arredores na região do Recôncavo, local onde o artista nasceu.
Em muitos desses lugares inventariados pelo IPAC o que há, na maioria das vezes, são ruínas ou a própria inexistência de vestígios que evidenciem a presença de uma máquina colonial e suas complexas relações de exploração.
A trajetória artística de Tiago Sant’Ana está intimamente atravessada pela questão das representações e narrativas da negritude. Desse modo, o artista traça em “Casa de purgar” uma conexão entre a pesquisa cartográfica desses lugares históricos coloniais com a sua poética recorrente - cruzando e pondo em tangência como esses antigos engenhos carregam memórias que explicitam a condição da negritude na contemporaneidade.
“A casa de purgar era o lugar onde o açúcar passava pelo processo de refino e branqueamento. É onde se separa um açúcar puro de outros julgados como de menos qualidade. Então, essa imagem da casa de purgar serve como um dado para a exposição já que envolve relação de trabalho, separação e estratificação”, ressalta o curador da exposição Ayrson Heráclito, também artista visual e professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. “Além disso, purgar, enquanto verbo e ação, significa purificar, limpar. Para a exposição, há um exercício de tornar límpidas essas memórias coloniais, agora sob uma perspectiva negra, identificando o quanto havia um processo perverso nas dinâmicas dos engenhos e ressaltar a continuidade disso”.
A exposição tenta materializar por meio das performances ações recorrentes nesses espaços no passado, mas que voltam numa condição de fantasmas e aparições efêmeras a partir de um desejo de revisitação da história.
“Casa de purgar” já foi realizada neste ano no Museu de Arte da Bahia e é a primeira exposição individual do artista que neste ano foi indicado ao Prêmio PIPA, uma das principais premiações de artes visuais do Brasil. Tiago Sant’Ana é o único artista que vive e trabalha na Bahia indicado ao PIPA.
A exposição de Tiago Sant’Ana fica aberta ao público no Paço Imperial até o dia 5 de agosto. A entrada é gratuita e a classificação indicativa é livre. O museu funciona de terça a domingo das 12 às 19 horas.
Tiago Sant’Ana é artista da performance, doutorando em Cultura e Sociedade pela Universidade Federal da Bahia. Desenvolve pesquisas em performance e seus possíveis desdobramentos desde 2009. Seus trabalhos como artista imergem nas tensões e representações das identidades afro-brasileiras – tendo influência das perspectivas decoloniais. Realizou recentemente a exposição solo “Casa de purgar” (2018), no Museu de Arte da Bahia. Participou de festivais e exposições nacionais e internacionais como “Axé Bahia: The power of art in an afro-brazilian metropolis” (2017-2018), no Fowler Museum at UCLA, "Negros Indícios" (2017), na Caixa Cultural São Paulo, “Reply All” (2016), na Grosvenor Gallery, e “Orixás” (2016), na Casa França-Brasil.