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junho 6, 2018
Daniel Santiago, Gil Vicente e Marcelo Silveira no Museu do Trem, Recife
A partir do próximo dia 9 de junho, o Museu do Trem, no centro do Recife, vai receber a exposição Caleidoscópio que reúne três artistas de diferentes gerações numa mostra conjunta. Daniel Santiago, representante da geração 1960, Gil Vicente, dos anos 1970, e Marcelo Silveira, da década de 1980. Apesar de terem despontado na cena artística em momentos distintos e trabalharem com uma poética também diferente, pode-se buscar pontos de convergência e diálogo entre eles. A mostra, que tem curadoria de Joana D´Arc Lima, e é patrocinada pelo Funcultura, fica em temporada até 29 de julho. A exposição já passou por Petrolina e Garanhuns e encerra sua circulação agora no Recife.
Os três artistas guardam entre eles uma conversa, uma proximidade e uma cumplicidade notadamente revelada nessa exposição pelo ato de produzir imagens com base no gesto de criação lúdico e experimental. Em suas trajetórias e experiências de formação, as biografias desses criadores se entrelaçam na dinâmica do campo artístico em Pernambuco, convivem juntos, estabelecem proximidades e distancias, similitudes e diferenças, se tocam em muitos fazeres das artes visuais contemporânea e da história da arte brasileira.
Frequentaram os mesmos espaços de formação da cidade do Recife em épocas diferenciadas, expuseram juntos, ocuparam os espaços de exibição, enfim, habitam o mesmo território. Todos os três, à sua maneira, produziram em alguns dos seus trabalhos invenções lúdicas e maneiras de brincar com os materiais, com formas, espaços e com os participantes, o que a curadora chamou de poética lúdica.
Nessa esteira interpretativa consideramos que o brincar tem uma analogia direta com as imagens produzidas pelo caleidoscópio. "As múltiplas visões, possibilitadas pela transformação contínua de combinações e encontros de formas, cores e composições, numa rede de relações harmônicas, se assemelham à forma de encarar a vida sob a perspectiva das possibilidades, da sensibilidade, da criação, da invenção e reinvenção do mundo. A ideia de caleidoscópio, como brinquedo de adulto e criança ao mesmo tempo, com suas infinitas combinações, cai bem com a ideia de conhecimento, como algo plural (que também contêm o singular) dos diversos pontos de vista de uma mesma realidade. Brincar – por que não dizer? – é uma forma mais bela de se ver o mundo!”, explica Joana D´Arc.
O mote para a exposição foi a potencialidade do caleidoscópio, que forma imagens virtuais à medida que o objeto é manipulado manualmente. Trata-se de um instrumento óptico que serve para criar efeitos visuais simétricos com o auxílio de um conjunto de espelhos e vidros coloridos. “Imagens fragmentadas, fraturadas, irreais, obtidas por meio da manipulação do outro e ou do gesto dos artistas interessam estar presentes nessa exposição. Juntar, justapor, manipular, inventar, enganar o olhar, construir um fractal – estrutura geométrica complexa cujas propriedades, em geral, repetem-se em qualquer escala – são gestos que resultam em trabalhos que estarão presentes na exposição”, detalha a curadora.
O artista Daniel Santiago criou o seu próprio caleidoscópio (uma escultura de madeira com espelhos, 120 x 50 cm). A obra é um objeto interativo que o público poderá manusear produzindo uma sorte de imagens. Um vídeo apresenta ao público um experimento de Daniel, que colocou uma câmara fotográfica dentro do caleidoscópio e transformou-a no seu personagem central, na sua Câmera Atriz, como foi batizada a obra. Gil Vicente vai expor a série de desenhos recentes Espelho Meu, a série Cartemas (que se inspira em Aloísio Magalhães e traz a ideia do duplo) e uma coleção de pequenos objetos escultóricos. Marcelo Silveira acompanha os colegas e também propõe um trabalho que aposta na variação das imagens, algo que está no cerne do conceito de Caleidoscópio, porém perturbando o espaço físico da mostra. Ele apresenta uma obra inédita composta de 18 portas que se entrelaçam e formam um grande círculo, formando um espaço que só pode ser alcançado pelo olhar que sorrateiramente espreita por meio de brechas. Novamente aqui a força do olhar e do movimento do corpo são colocados em movimento na busca de ver o que não se pode alcançar com os pés.
Também Marcelo Silveira construirá uma" espécie de caleidoscópio" dentro do espaço expositivo. Uma grande parede espelhada será composta por ele, numa tentativa de transformar o espaço físico que abrigará a mostra num grande caleido que captura os movimentos dos visitantes e os demais trabalhos dos artistas presentes. Uma pequena instalação com placas de acrílico (quase um penetrável) será instalada no espaço, provocando sempre o olhar e o movimento do corpo. O formato final dessa montagem é sempre uma surpresa, pois a exposição Caleidoscópio tira partido do espaço físico. Certamente o resultado será diferente das montagens feitas em Petrolina e em Garanhuns.
“As múltiplas visões, possibilitadas pela transformação contínua de combinações e encontros de formas, cores e composições, numa rede de relações harmônicas, se assemelham à forma de encarar a vida sob a perspectiva das possibilidades, da sensibilidade, da criação, da invenção e reinvenção do mundo”, pondera Joana D´Arc. Etimologicamente, a palavra caleidoscópio se originou a partir da junção dos termos gregos kallós (“belo”, “bonito”); eidos (“imagem”); e skopeo (“olhar para”, “observar”). Assim, o significado original da palavra grega seria “ver belas imagens”.
A partir dessas referências, a proposta da mostra é reunir processos criativos e poéticas de três artistas para sobrepô-las em suas identidades comuns e nas suas diferenças. Segundo a curadora, as ideias de sobreposições de poéticas, o fazer junto, a cooperação, o fundir-se, o associar-se e o separar-se serão operados enquanto movimentos de criações coletivas. “Todas essas dimensões que permitem as invenções coletivas e as visibilidades individuais serão ampliadas para o público visitante, que será entendido como participador das obras construídas ampliando, por meio de seu toque e gesto, sentidos de cada um dos trabalhos expostos. Um jogo entre artista, participador, funcionários. Achamos que a arte, em seu horizonte maior, serve para aproximar, juntar, sobrepor, separar e abrir conversas. Por isso Caleidoscópio nos parece importante no contexto atual da contemporaneidade”, detalha Joana D' Arc.
DANIEL SANTIAGO
Nasceu em Garanhuns - PE em 1939. Aprendeu a desenhar com um tio, Saul Santiago, pintor de propaganda da cachaça Chica Boa, nas paredes da cidade de Catende, Pernambuco. De 1962 a 1966 Daniel Santiago viveu na Bahia onde aprendeu a fazer xilogravura, influenciado por Hansen Bahia e Emanoel Araújo, trabalhou na Mesbla – Salvador - BA, desenhando anúncios para jornais e televisão. Em 1967 lecionou desenho na Escola Nacional de Desenho em Curitiba - PR. É professor de artes plásticas formado pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Pernambuco em 1977. Jornalista formado pela Universidade Católica de Pernambuco em 1980. Fez Curso de Especialização de Desenho (1970), Curso de Pintura (1971 e 1972), Curso de Escultura (1973) e Curso de Teatro (1974) no Festival de Inverno da Universidade Federal de Minas Gerais, na cidade de Ouro Preto. Foi professor de Desenho na Escola de Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco e no SENAC- Recife. É professor de Pintura Publicitária. Foi professo de Planejamento Gráfico nos Cursos de Jornalismo e no Curso de Relações Públicas da Universidade Católica de Pernambuco. Foi professor de Desenho e de Educação Artística em colégios públicos e particulares. Foi professor da Equipe de Treinamento de Professores da Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco. Foi professor de Desenho Artístico no Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães. Foi professor do Curso de Pintura para professores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte em Natal. Participou de várias comissões julgadoras em salões de arte. É artista plástico com catálogos de participação em mais de cem exposições no Brasil e no exterior. Biografia artística no Diário de Pernambuco on-line, de 07 de março de 2005. O percurso de Daniel Santiago (1939) altera o sentido de uma noção estabelecida de herança artística calcada em uma linhagem reta e vertical, que implica a existência de pais fundadores e filhos seguidores. Passa-se, em Santiago, a uma horizontalidade que se efetiva em uma ação multidirecional, não hierárquica e anárquica das relações de influência. Sua obra demonstra a potência da vida coletiva, a multiplicação de um capital cultural, social e afetivo por meio de parcerias por afinidade com outros artistas e obras.
GIL VICENTE
Gil Vicente nasceu em 1958, no Recife, onde mora e trabalha. Entre 1972 e 1981 estudou na Escolinha de Arte do Recife e nos cursos livres da UFPE e da Escola de Belas-Artes de Paris. Em 1975 recebeu o 1º Prêmio do Salão dos Novos, no Museu de Arte Contemporânea de Pernambuco, e em 1981 o Prêmio MEC/FUNARTE do Salão de Artes Plásticas de Pernambuco, no Museu do Estado. Realizou mostras individuais no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, no MAM da Bahia, no MAC de Porto Alegre e no Mamam do Recife (1998-2000). Participou da Bienal do Mercosul em 2001, da Bienal de São Paulo em 2002 e 2010, e do Panorama da Arte Brasileira, no MAM-SP e em Madrid, em 2007. Integrou também as mostras Blue Connection e Fragile Helden, em Frankfurt. Em 2014 participou da exposição Cães sem plumas, no MAMAM, e também da mostra Iberê Camargo Século XXI, na Fundação Iberê Camargo, Porto Alegre. E suas mostras individuais mais recentes foram Estudos e Rabiscos, no Museu Murillo La Greca, em 2012, Segunda Parábola, na Quadrum Galeria, Belo Horizonte, em 2013. Em 2014, recebeu da Funarte o Prêmio de Artes Plásticas Marcantônio Vilaça - 7ª Edição, através do qual doou a série Inimigos ao Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães
MARCELO SILVEIRA
Marcelo Silveira produz trabalhos com repercussões tanto no campo da escultura quanto dos objetos apropriados. Com sua hibridez local, o trabalho do artista ocupa um espaço entre: metade dentro e metade fora do museu. A acumulação é uma das suas estratégias favoritas: objetos reminiscentes de aparelhos domésticos descaradamente esvaziados de qualquer uso funcional, mas que parecem carregar significados; esferas feitas de vários materiais e tamanhos diversos, imóveis, como se esperassem algum evento anunciado; centenas de objetos de vidro (copos, garrafas ou meros cacos)... Esses objetos convergem nas grandes coleções e livros de artista de Marcelo Silveira. De fato, a idiossincrática organização do artista é fundamental para sua produção, permitindo, por meio de uma certa ordem, que o outro entre no seu trabalho.Armazém república (2004) é uma instalação composta de, no mínimo, dois segmentos distintos, que compartilham, com exceção do nome, a mesma estratégia de construção. Em um desses segmentos, uma centena de peças esculpidas em madeira são prendidas ao teto com faixas de couro, esperando por algum uso improvável. Em outro segmento, uma centena de objetos (copos, potes, espelhos, garrafas, vasos, lâmpadas e cacos quebrados) são organizados em prateleiras, formando um painel vertical e frágil contraposto pela horizontalidade opaca e robusta dos objetos de madeira pendurados acima. Marcelo Silveira nasceu em 1962, em Gravatá, Pernambuco. Vive e trabalha em Recife. Participou da 1ª Bienal Internacional de Artes Plásticas de Buenos Aires, Argentina (2000); da 5ª Bienal do Mercosul, em Porto Alegre, Brasil (2005); da 4ª Bienal de Valência, Espanha (2007); da 29ª Bienal de São Paulo (2010); além das mostras coletivas O Guardião das coisas inúteis (MAMAM, Recife, Brasil, 2014); Além da biblioteca (Frankfurter Buchmesse, Frankfurt, Alemanha, 2013); Coleção Itaú de fotografia brasileira (Instituto Tomie Ohtake, São Paulo, Brasil, 2013; Palácio das Artes, Belo Horizonte, Brasil, 2013); MAC 50: doações recentes 1 (Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil, 2013); Travessias 2 (Galpão Bela Maré, Rio de Janeiro, Brasil, 2013); Nova arte nova (Centro Cultural Banco do Brasil, Rio de Janeiro, Brasil, 2009; Centro Cultural Banco do Brasil, São Paulo, Brasil, 2009); Panorama da arte brasileira — contraditório (Alcalá 31, Madri, Espanha, 2008); Geração da virada: 10 + 1 (Instituto Tomie Ohtake, São Paulo, Brasil, 2006). Entre suas exposições individuais recentes estão: Chronos (Galeria Nara Roesler, São Paulo, Brasil, 2012); Arquitetura de interiores (Galeria Nara Roesler, São Paulo, Brasil, 2008); e Marcelo Silveira (Centro Universitário Maria Antônia, São Paulo, Brasil, 2005).