|
maio 22, 2018
Guilherme Peters + Marcelo Moscheta na Vermelho, São Paulo
A Vermelho apresenta A História Natural e Outras Ruínas, a segunda exposição individual de Marcelo Moscheta na galeria. O artista apresenta desenhos, esculturas, colagens e vídeos que investigam as relações entre natureza e construção humana.
Na Sala Antonio de projeção, a Vermelho apresenta o Tentativa de aspirar ao grande labirinto, animação de Guilherme Peters.
Em A História Natural e Outras Ruínas, Marcelo Moscheta observa as transformações na paisagem natural, sejam feitas pelo homem, por ele mesmo enquanto agente, ou por processos naturais de erosão e sedimentação. O artista apresenta obras realizadas em diferentes técnicas que dão à essas metamorfoses caráter monumental ou iconográfico. Ao justapor de maneira proporcional o homem e a natureza como motivadores dessas transformações, Moscheta humaniza a natureza, aproximando-a de um espírito personalizado.
Na sala principal da galeria, dois processos se opõem: no chão, a obra Melancholia, 2018, se organiza como uma série de meteoritos fundidos em bronze que tomam o espaço, como se houvesse havido ali uma tormenta aonde detritos tivessem se partido na entrada da atmosfera, se espalhando e tomando conta do espaço. Na parede, A Grande Árvore, 2014/ 2018, é um desenho de grandes proporções que representa um tronco de um Cedro Vermelho em escala real. O desenho foi fracionado em partes emolduradas em madeira e teve partes de sua estrutura substituídas por chapas dessa mesma madeira processada. Vemos aí, diferentes momentos do processo de industrialização da natureza representados: a árvore, sua compartimentação e seu processamento para uso pela indústria, pela construção civil e pela arte. O trabalho em si repete esse movimento de processamentos. O desenho original foi feito para a Bienal de Vancouver, no Canadá, em 2014. Moscheta submete sua própria obra, ou criação, ao desígnio do progresso.
Essa fricção entre o impulso criador da natureza e os processos de arranjo do homem ficam evidentes em obras como O Tempo, 2018, e Ainda, 2018. Em ambas, páginas de enciclopédias tiveram trechos de seus textos apagados, dando sempre ao texto remanescentes um caráter diferente do tom cientifico original. São páginas que trazem imagens de uma natureza brutal, como erupções vulcânicas ou resíduos de materiais rochosos pós estrondos. De suas molduras, surgem acoplados a elas, plataformas que sustentam elementos processados a partir da natureza, como rochas basílicas ou corpos de prova (concreto). O texto de uma das imagens, justamente aquela aonde vemos a erupção vulcânica, permite ler apenas “E compreenderam também que nada - nem montanhas, rios, continentes ou mares - é eterno na Terra”. Outra passagem diz: “...alterou profundamente o conceito que o homem fazia de si mesmo, e a ideia que tinha de seu lugar no mundo.” A nova possibilidade poética dos escritos permite entendimentos diversos no lugar do tom analítico/ científico original.
A série que dá título à exposição, A História Natural e Outras Ruínas, 2018, é composta por fragmentos de uma enciclopédia dos anos 1970 que narra a formação da terra e o desenvolvimento da vida no planeta. Nomeados como capítulos (capítulo 1, capitulo 3, etc) os trabalhos se organizam em composições de partes da enciclopédia com fotografias em fotolitos de uma indústria mineradora e chapas de aço oxidado, cuja textura lembra aquela das paisagens de montanhas de brita da mineradora. Os títulos dos capítulos da enciclopédia, que aparecem de maneira bastante evidente nas composições, são sugestivos: “Evolução das espécies”, “A natureza domesticada”, “Um laboratório da evolução”.
A mesma mineradora aparece na primeira experiência de Moscheta com uma vídeo instalação, O engenho do mundo, 2018. Em uma sala negra, dois monitores exibem imagens dessa fricção entre os processos humanos e naturais. Em um deles, a mineradora e todos os seus processos de extração e produção de brita. No outro, um gêiser no deserto do Atacama mostra a produção de gases sendo expelida da terra. Os dois monitores são arranjados de tal maneira que os dois processos parecem sem completar, se opor e convergir um no outro.
Tentativa de Aspirar ao Grande Labirinto
A Vermelho e a Sala Antonio apresentam Tentativa de aspirar ao grande labirinto, vídeo de Guilherme Peters de 2013.
O uso da nomenclatura “tentativa” na obra de Guilherme Peters parte sempre de uma previsão de fracasso, seja histórico, estético ou político. Sem ressalvas, o artista usa nessas experiências o corpo como ferramenta para experimentar doutrinas, ideias e conceitos, incluindo o ser humano dentro de determinada perspectiva. Essa estratégia foi iniciada por Peters em performances e fotografias antes de ser aplicada ao vídeo.
Tentativas se relacionam com a ideia de tentação, ou de desejo veemente, de impulso. Partem de vontades de possuir ou alcançar determinada situação ou objeto. Para Peters, esses impulsos estão ligados a concepções superlativas de ideais
Em Tentativa de aspirar ao grande labirinto, Guilherme Peters escrutina um dos Metaesquemas de Helio Oiticica por meio de uma animação criada com ferramentas de desenvolvimento de desenho técnico para projetos de arquitetura em 3D. Na obra, Peters se apropria ainda do texto Brasil Diarréia, escrito por Oiticica em 1970, e incluso no seu livro Aspiro ao grande labirinto (1986). O texto aponta para a diluição dos elementos construtivos brasileiros em prol de uma “deglutição” de tudo aquilo que seria interno ou externo a cultura nacional.
No trabalho de Peters, uma reprodução de um Metaesquema é aos poucos transmutada em espaço, fazendo suas formas erguerem-se como construções e fazendo seus espaços brancos tornarem-se vias de circulação. A “câmera” trafega por essas vias, como em um passeio virtual por uma cidade geométrica. Para Oiticica, essas pinturas geométricas apresentavam o conflito entre o espaço pictórico e o espaço extra-pictórico, preparando a superação do quadro que viria a seguir em sua obra. O Texto de Hélio Oiticica critica um processo de diluição do "caráter" brasileiro e clama por uma posição crítica.
No audio, Peters tenta ler o texto de Oiticica, mas sua dislexia impede o andamento fluido e compreensivo da obra. Sua blesidade nos atrai e repele conforme acompanhamos o texto, em um misto de torcida para que o narrador chegue na próxima parte do texto ou para que pare, cessando a irritante repetição de erros.