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maio 9, 2018
João Loureiro na Jaqueline Martins, São Paulo
A Galeria Jaqueline Martins apresenta a primeira edição do projeto 1:1, com um trabalho inédito de João Loureiro e curadoria de Bruno de Almeida.
O artista correlaciona o espaço de exposição da galeria com um açougue da região, bairro da Vila Buarque, centro de São Paulo. Mas mais do que ocupar ambos os espaço com um conjunto de obras, João Loureiro concebe uma série de ações encadeadas que são ciclicamente repetidas ao longo do período da exposição, fazendo com que o trabalho se constitua cumulativamente dia-após-dia.
Entre as carnes da vitrine refrigerada do mercado Futurama, o artista posiciona uma escultura de carne moída, reprodução em escala reduzida da obra “Figura Reclinada em Duas Peças: Pontos” (1969-1970) do artista inglês Henry Moore (1898-1986). A escultura é consecutivamente substituída por outra semelhante quando as suas carnes atingem a sua data de validade. Uma vez por semana, o artista se desloca até ao açougue e recolhe as moscas mortas da armadilha luminosa para insetos instalada acima da vitrine. As carcaças das moscas são levadas para o espaço de exposição na galeria e ali são espetadas, com alfinetes entomológicos, numa escultura de isopor, reprodução à escala real da obra “Formas Únicas de Continuidade no Espaço” (1913) do artistaitaliano Umberto Boccioni (1882-1916). Ao longo da exposição os mesmos processos são repetidos e a escultura de isopor vai acumulando cada vez mais moscas mortas.
“Formas Únicas de Continuidade no Espaço” não é apenas o ponto alto da trajetória artística de Boccioni mas também um dos principais símbolos do Futurismo, movimento proto-fascista originado na Itália no início do século XX, e dotado de uma ideologia estética e política que vangloriava o progresso moderno, rompendo ferozmente com qualquer tipo de “passadismo”. Ao almejar uma renovação total da vida humana o Futurismo alargou a sua esfera de atuação para vários campos tais como a culinária. As esculturas de carne são um dos pratos defendidos pelo Manifesto de Cozinha Futurista. Ao transcender a função dietética da comida o movimento não só pretendia explorá-la como um meio artístico, mas também como instrumento de difusão de ideais nacionalistas e fascistas, que almejavam uma transformação simultânea do corpo e da mente da população.
O Homem em marcha representado na obra “Formas Únicas de Continuidade no Espaço” sintetiza esse corpo em mutação, que é o paradigma do Futurismo. O gesso da matriz original da escultura encontra-se no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC USP), e a partir dele foram realizadas as conhecidas versões em bronze; a quarta e última, feita para a TATE Gallery e trocada com o MAC USP pela escultura “Figura Reclinada em Duas Peças: Pontos” de Henry Moore. Ambas as peças sintetizam as trajetórias artística de seus autores, e as suas imagens ficaram imortalizadas num inconsciente coletivo que transcende a História da Arte. As moscas, que no trabalho de João Loureiro são os agentes conectores dos dois espaços, não têm aparências individuais distinguíveis, uma representa todas e todas possuem uma insignificância que lhes garante, por séculos, o mesmo desdém em qualquer lugar.
Sobre o artista
João Loureiro, (Brasil, 1972), é Mestre em Poéticas Visuais (ECA-USP, 2007) e licenciado em Artes Plásticas (FAAP, 1995). Fez individuais como “Gelo para festas”, SESC Sorocaba (Sorocaba, 2017), “Pedra que Repete”, Casa da Imagem (São Paulo, 2013), “Fim da Primeira Parte”, Galeria Vermelho (São Paulo, 2011), “Blue Jeans”, Projeto Octógono, Pinacoteca do Estado (São Paulo, 2009), “Reaparição”, Paço Imperial (Rio de Janeiro, 2008), entre outras. Participou das exposições “Modos de ver o Brasil”, Oca (São Paulo, 2017), “Ao Amor do Público”, Museu de Arte do Rio (Rio de Janeiro, 2016), “Imagine Brazil – Artists Books”, DHC/ART Foundation for Contemporary Art (Montreal, 2015), “Vancouver Biennale” (Vancouver, 2014), “Panoramas do Sul - 18º Festival SESC/Videobrasil”, SESC Pompéia (São Paulo, 2013), “In Situ – Arte en el Espacio Publico (Argentina, 2012), “MAM na OCA”, OCA (São Paulo, 2006), “Panorama da Arte Brasileira”, Museu de Arte Moderna (São Paulo, 2005), entre outras. Recebeu, a Bolsa Vitae de Artes Visuais (2004) e foi premiado no Edital Arte e Patrimônio - IPHAN/MINC/Petrobras (2007).
Sobre o curador
Bruno de Almeida,1987, Brasil/ Portugal. Arquiteto e curador. Desenvolveu projetos com instituições tais como: Harvard University, Graduate School of Design, Cambridge, EUA; Storefront for Art and Architecture, Nova Iorque, EUA; Pivô Arte e Pesquisa, São Paulo, Brasil; Galeria Leme, São Paulo, Brasil, entre outras. Participou de residências de instituições tais como: Ideas City, New Museum, Nova Iorque, EUA, em colaboração com LUMA Foundation, Arles, França; Curatorial Intensive, Independent Curators International, Nova Iorque, EUA; IMPACT17, PACT Zollverein, Essen, Alemanha, entre outras. Próxima residência: TATE Intensive, TATE Modern, Londres, Inglaterra.
Sobre o projeto 1:1 (um para um)
Com três datas já definidas para maio, julho e outubro, 1:1 (um para um) será apresentado pela galeria Jaqueline Martins em parceria com o curador Bruno de Almeida. O primeiro local escolhido será um açougue, na Vila Buarque, nas imediações da galeria
1:1 explora a relação entre a galeria e o seu contexto urbano através da conexão entre o espaço expositivo e outros locais existentes nas suas imediações. Em cada uma das edições do projeto, um artista é convidado a conceber um trabalho bipartido, que ocupe uma sala de exposição na galeria e, simultaneamente, um segundo espaço localizado no bairro. Este outro local, com seus próprios usos e funções, é escolhido pelo artista e situado a uma distância caminhável da galeria. Deste modo, para a compreensão da totalidade da obra é necessário o deslocamento do visitante da sala expositiva até um determinado local no bairro ou vice-versa.
Estes trajetos acontecem na Vila Buarque e redondezas, centro de São Paulo, área com uma grande variedade de estabelecimentos comerciais, serviços, instituições e outros,[1] associados a uma forte diversidade de classes e dinâmicas sociais. Tal pluralidade origina um vasto repertório de formas de apropriação e vivência do espaço que vão desde a coexistência à fricção entre os seus diversos agentes, sejam eles a iniciativa civil, a política pública, a especulação privada, ou outros. Se tais redes de relações conferem um caráter singular ao bairro, elas também são sintomáticas de processos sociais, econômicos e políticos mais abrangentes e que estruturam a cidade na macro-escala.
Ao criar uma correspondência entre a galeria de arte e uma série de locais no seu entorno, o projeto não só pretende potencializar o encontro entre os trabalhos dos artistas e as dinâmicas sócio-espaciais do bairro, mas também refletir sobre as implicações e significados dessa correlação. Se propor uma série de trabalhos para fora do espaço expositivo poderia possibilitar uma atuação mais efetiva para além das estruturas codificadas do sistema da arte, por outro lado, estar fora do “cubo branco” nunca esteve tão dentro do sistema artístico. Se a arte cada vez mais se dissolve na práxis social, por outro lado, atinge graus sem precedentes de institucionalização e comercialização. Deste modo, a reciprocidade entre a galeria e um outro espaço do “real” servirá tanto como pré-condição para a atuação dos artistas, quanto como base para uma reflexão crítica sobre as especificidades, potencialidades e paradoxos de um estado da arte que, no discurso e/ou atuação, está a 1:1 com a “realidade”.