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abril 23, 2018
Almofadinhas e Arthur Bispo do Rosário no mBrac, Rio de Janeiro
Grupo "Almofadinhas", formado por três artistas homens que bordam, participa de residência artística e exposição no Museu Bispo do Rosário
O grupo, formado por Fábio Carvalho (RJ), Rick Rodrigues (ES) e Rodrigo Mogiz (BH), três artistas que tem o bordado como ponto em comum de suas produções, participa neste mês de abril da Residência Artística CASA B, seguida de exposição no Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea. A exposição contará com trabalhos dos três “Almofadinhas”, tanto obras já existentes quando as que serão criadas durante a residência artística, junto a trabalhos de Arthur Bispo do Rosário, criando-se um diálogo simbólico entre a produção do grupo com a de Bispo do Rosário.
O Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea (mBrac) integra o Instituto Municipal de Assistência à Saúde Juliano Moreira, outrora uma instituição manicomial conhecida como Colônia Juliano Moreira, localizada na Zona Oeste do Rio de Janeiro. O Museu é responsável pela preservação, conservação e difusão da obra de Arthur Bispo do Rosário – um dos expoentes da arte contemporânea, de reconhecimento nacional e internacional e que viveu internado na Colônia por 49 anos. Além de realizar exposições do acervo de Bispo do Rosário e artistas contemporâneos, a instituição toma para si o desafio de integrar arte e saúde, criando novas perspectivas sobre arte, educação e cuidado e expandindo suas ações através da Escola Livre de Artes.
O grupo "Almofadinhas" surgiu em meados de 2015, quando os três artistas começaram a realizar conversas à distância, por meio das redes sociais, sobre as afinidades conceituais e imagéticas de suas obras.
O convite para participar do programa partiu do curador do mBrac, Ricardo Resende, que também foi o curador da primeira exposição do grupo, realizada em 2017, em Belo Horizonte. Nesta nova edição a curadoria contará com Diana Kolker, gerente de educação do mBrac e coordenadora do programa de residências CASA B junto à Ricardo Resende.
A Casa B – Residência Artística é o programa de residência da Escola Livre de Artes (ELA) do Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea (mBrac), dedicado a artistas, curadora(e)s e educadora(e)s para o desenvolvimento de pesquisas e poéticas através do diálogo com a comunidade, o território e com outros programas desenvolvidos pelo museu. A criação do programa foi motivada pelo potencial artístico-cultural da Colônia, que registrou na sua história a passagem de importantes nomes na arte brasileira como Arthur Bispo do Rosário, Ernesto Nazareth, Stela do Patrocínio e, atualmente, os artistas que compõem o Atelier Gaia.
Pensando em estimular essa potência artística e estabelecer uma via de diálogo entre o trabalho artístico produzido pelos participantes dos programas da Escola Livre de Artes e artistas contemporâneos, a Casa B – Residência Artística atua como uma plataforma de trocas, encontros, discussões e debates, principalmente relacionados ao contexto histórico e as noções de gestão de um espaço de arte dentro de uma instituição de saúde mental.
Os trabalhos de Arthur Bispo do Rosário compreendem coleções de objetos e bordados. Nos bordados Bispo usava os tecidos disponíveis, como lençóis ou roupas, e para obter linha para bordar desfiava o uniforme azul de interno. Bispo começou a produzir suas peças para atender a um "chamado" místico, e preparar um inventário do mundo para o dia do Juízo Final, quando ele se apresentaria a Deus, com o manto especial no qual ele trabalhou por todos os anos em que se dedicou ao inventário. Bispo fez também estandartes, fardões, barcos, mobiliário, faixas de miss, fichários, objetos do cotidiano, entre outros, num total de mais de 800 peças, nas quais bordou desenhos, nomes de pessoas e lugares, memórias dos tempos de marujo, frases com respeito a notícias de jornal ou episódios bíblicos.
Ricardo Resende, no texto para a exposição dos Almofadinhas em 2017, ao comentar o uso do bordado pelos artistas do grupo, afirma:
Têm essa linguagem como suporte do devaneio estético que dá um novo sentido ao gesto de bordar e, consequentemente, ao bordado. Enfeitar, adornar é um desvio da vida prática de resultados que pauta a tal sociedade do desempenho. Para Fábio Carvalho, Rick Rodrigues e Rodrigo Mogiz, o bordado permite uma experiência interior estética. Cada um à sua maneira, todos imprimem com o bordado a sua mensagem poética.
Os três artistas têm necessidade dessa técnica ancestral de “enfeitar” tecidos. Usam a técnica para expressar visões do mundo e desde que se encontraram influenciam e interferem um no trabalho do outro. O resultado do que fazem com a técnica, como não poderia deixar de ser, é bonito, tocante e sedutor. Causam impacto pelas cores, pela delicadeza e, claro, quando mais se aproxima e com atenção redobrada para os trabalhos, descobre-se que não é só de estética que tratam. Surpreendem. Na verdade, causam estranhamento.
Mimetizam a beleza vista nos objetos de pano pois, de fato, leva-se um ‘susto’ quando se descobre o real motivo dos bordados, pois estamos acostumados com o bordado de enfeite. São questões ainda tabu para a humanidade o que abordam com seus trabalhos. Gênero, sexualidade, memória, família, guerras, violência e os costumes, a ambiguidade de ser sensível na sociedade contemporânea, subvertendo o universo cultural da feminilidade em suas poéticas. Os artistas aqui não são seres disciplinados, tão pouco conformados e, muito menos, ‘bonzinhos’. Não. Eles subvertem os modos, subvertem a própria arte ao fazerem da frugalidade dessa atividade, arte.
Essa nova experiência que se desenvolve através da proposta de residência artística na Casa B possibilita que a interface entre arte e sociedade, não se reduza ao momento expositivo, mas que seja parte de um processo experimental que se desenvolve na intercessão entre arte e cuidado, criando convergências entre as práticas artísticas, curatoriais e educacionais.