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abril 8, 2018
Lugares do Delírio no Sesc Pompeia, São Paulo
Reunindo mais de 40 artistas, a mostra coloca obras de Cildo Meireles, Dias & Riedweg, Laura Lima e Maria Leontina lado a lado a de artistas diagnosticados com transtornos psiquiátricos, como Arthur Bispo do Rosário e nomes pouco conhecidos do público, entre eles, Aurora dos Santos e Ioitiro Akaba, da Escola de Artes do Juquery, e Geraldo Lúcio Aragão, que frequentou os ateliês de Nise da Silveira
A noite de abertura terá duas performances: In ATTO, de Anna Maria Maiolino, e Tresformance, de Arlindo Oliveira (Atelier Gaia – Museu Bispo do Rosário)
O Sesc Pompeia abre no dia 10 de abril, terça-feira, às 20h, a exposição Lugares do Delírio. Com curadoria da psicanalista e professora Tania Rivera, a mostra propõe uma reflexão política e ética sobre a arte e a loucura e coloca lado a lado obras de artistas consagrados e de artistas diagnosticados com transtornos psiquiátricos, conhecidos ou não do grande público. Com entrada gratuita, a mostra fica em cartaz até 01 de julho de 2018 na Área de Convivência da unidade.
A exposição visa afirmar que os lugares do delírio são muitos e variados, e tenta assim explorar e questionar as fronteiras entre normal e patológico, entre arte e vida, entre o museu e o mundo. Suas obras vêm de locais diversos — do circuito artístico tradicional ou de instituições psiquiátricas, do campo de interseção entre terapia e arte ou de propostas diversas de interação e construção poética entre sujeitos “fora dos trilhos”, afirma Tania Rivera, curadora da mostra.
Exibida no Museu de Arte do Rio (MAR) no início de 2017, a partir de proposta de Paulo Herkenhoff, a exposição chega à cidade de São Paulo modificada e ampliada. São cerca de 170 obras de mais de 40 artistas, formando um conjunto de grande diversidade de gêneros e linguagens. Instalações, pinturas, objetos, fotografias, mapas e performances serão expostos de maneira que se entrecruzem e dialoguem no espaço, criando um ambiente onírico no qual se observa a diversidade de pontos de vista sobre o mundo.
Abrindo a mostra, Razão/Loucura (1976/2017), obra de Cildo Meireles, põe-se em questão a distinção entre os termos, construindo dois objetos com varas de bambu curvadas quase ao ponto de se quebrarem e assim mantidas por correntes de metal que unem suas extremidades. Cada um deles traz uma pequena placa de metal onde estão gravadas as palavras do título. Ao lado do trabalho de Cildo, está posicionada a obra Arco e Flecha (s/d), produzida com madeira envergada por barbante e fios por Arthur Bispo do Rosário, artista que viveu por mais de 50 anos na Colônia Juliano Moreira, instituição psiquiátrica em Jacarepaguá (RJ).
Minha intenção ao aproximar essas duas obras era criar uma espécie de definição poética de “Lugares do Delírio” e salientar a dimensão conceitual do trabalho de Bispo do Rosário, tentando distanciá-lo do universo da arte popular, naïf ou categorias como a de “arte bruta”, explica Rivera.
Ainda do artista – que integrou a Marinha do Brasil antes de ser diagnosticado como “esquizofrênico-paranoico” –, uma coleção com diferentes peças em forma de barcos. Bastante recorrente na mostra, o barco é tema da obra de Maurício Flandeiro, Bernardo Damasceno e Luiz Carlos Marques, relembrando sua ligação com a história da loucura, desde a Idade Média, quando os considerados “insanos” eram abandonados à deriva no mar, nas chamadas “naus dos loucos”.
Além do único ensaio fotográfico da carreira de Cildo Meirelles – uma série de 42 imagens do hospital Vila de São Cottolengo (1974), que atende pessoas com deficiências físicas e mentais em Goiás –, os visitantes poderão conhecer o trabalho de Geraldo Lúcio Aragão, único fotógrafo no acervo do Museu de Imagens do Inconsciente, fundado por Nise da Silveira nos anos 1950, no Rio de Janeiro. Feitas nos ateliês de arte da psiquiatra, seus retratos de composições geométricas e natureza morta, só foram recentemente redescobertos pela instituição, que também cede à exposição desenhos e pinturas de Fernando Diniz e Raphael Domingues.
A Camisa de Força (1969/2017) é uma obra emblemática, porém pouco divulgada, de Lygia Clark, que convida à percepção de nosso frágil equilíbrio e delicada autocontenção. Laura Lima, que relata que sua decisão de tornar-se artista foi marcada pelo surto psicótico vivenciado por seu irmão, mostra obras que revelam uma experiência de angústia e transformação. Novos costumes (2006/2016) propõe uma revisão dos hábitos por meio de peças de roupa e adereços a serem vestidos e usados conforme a invenção e o desejo de cada um. Já a performance Ascenseur (2013) eleva uma parede para fazer surgir dela uma mão que parece buscar um molho de chaves.
A dupla brasileiro-suíça Dias & Riedweg expõe dois trabalhos oriundos de projetos participativos com frequentadores do IPUB – Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o vídeo Corpo Santo (2012) e a instalação sonora Nada absolutamente nada (2015). Do educador francês Fernand Deligny, a mostra conta com um vasto conjunto de mapas originais traçados por seus colaboradores na tentativa de entender os deslocamentos e gestos das crianças e adultos, em muitos casos, em áreas de convivência, para a reflexão sobre o tratamento em saúde mental.
MONTAGEM AMPLIADA EM SÃO PAULO
“Lugares do Delírio” traz ainda ao público obras de diversos outros artistas, incluindo nomes que não participaram da montagem no Rio de Janeiro, como Flavio de Carvalho, Lasar Segall, Tarsila do Amaral, Maria Leontina e Osvaldo Vicente Francisco, que está vinculado a um Centro de Assistência Psicossocial (CAPS) no município de Santo André e foi premiado na categoria esculturas e instalações, da 7° edição do Prêmio Bispo do Rosário (2014).
Presentes exclusivamente na seleção do Sesc Pompeia, estão trabalhos de Aurora Cursino dos Santos e Ioitiro Akaba, que frequentaram a Escola Livre de Artes Plásticas do Hospital do Juquery, criada nos anos 1950 pelo psiquiatra Osório Cesar, dando origem ao acervo do museu que leva o seu nome em Franco da Rocha (SP). Também fazem parte dessa coleção, uma obra inédita de Alcina, que foi aluna da artista Maria Leontina na instituição do Juquery entre 1949 e 1951.
PERFORMANCES NA NOITE DE ABERTURA
No dia 10 de abril, duas performances serão apresentadas no espaço expositivo de “Lugares do Delírio”, a partir das 20h.
In ATTO, de Anna Maria Maiolino e com participação de Sandra Lassa se desenvolve a partir da relação entre duas personagens: uma jovem e outra anciã. Através de aspectos rituais, do contato com o público e improvisações, a obra tenciona questões sobre a vida e a morte, a velhice e a juventude e os processos e implicações de se desfazer de amarras.
Arlindo Oliveira é integrante do Atelier Gaia, espaço de arte e criação administrado pelo Museu Bispo do Rosário que reúne artistas que usam ou já passaram pelo serviço do Instituto Municipal de Assistência à Saúde Colônia Juliano Moreira. Ele performa Tresformance, em que evoca a história de sofrimento e resistência pela arte de Arthur Bispo do Rosário, atualizando-a de modo singular através de suas próprias vivências manicomiais.
SOBRE A CURADORA
Tania Rivera é psicanalista, curadora e professora da Universidade Federal Fluminense (UFF). Autora, entre outros, de Arte e Psicanálise (2002), Hélio Oiticica e a Arquitetura do Sujeito (2012) e O Avesso do Imaginário - Arte Contemporânea e Psicanálise (2013), vencedor do Prêmio Jabuti de Psicologia/Psicanálise em 2014.