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março 29, 2018
Beto Shwafaty e Pedro Vaz na Luisa Strina, São Paulo
A Galeria Luisa Strina, São Paulo, e a Kubikgallery, Porto, convidam para a abertura da exposição depois do choque, os trópicos, parceria transatlântica para fomentar diálogos entre artistas brasileiros e portugueses. A iniciativa conjunta apresenta, de 7 de abril a 12 de maio, obras recentes de Beto Shwafaty (São Paulo, 1977; vive e trabalha em São Paulo), artista representado pela Luisa Strina, e de Pedro Vaz (Maputo, Moçambique, 1977; vive e trabalha em Lisboa), representado pela Kubikgallery.
Operando de um ponto de vista pós-colonial, o diálogo enfatiza as visões eurocêntrica e imperialista, de um lado, e cordial e colonizada, de outro, que historicamente permearam as relações entre Europa e Brasil, ainda que de forma velada. Os dois artistas partem de lugares de fala assumidamente híbridos: Vaz, português nascido em uma ex-colônia, e neoperegrino da Mata Atlântica do Brasil; Shwafaty, brasileiro que investigou processos coloniais durante um período de estadia na Inglaterra. A seleção de obras para a exposição é um reflexo desses paradoxos: está focada em trabalhos de cunho crítico e inflexível em relação os despojos contemporâneos dos conflitos que perduram há mais 500 anos.
Na série Açúcar nas Veias [Sugar Blues] (2017), inédita no Brasil, Shwafaty utiliza-se de desenhos produzidos com açúcar, chá e café sobre papel translúcido, posteriormente aquecidos em um forno. Cada desenho apresenta uma palavra ou frase que, ao serem justapostas, constituem cartografias evocativas, indicando possíveis constelações de conceitos, personagens e datas ligados a lugares, episódios e informações a respeito de aspectos das histórias de guerra, conquista, comércio, revolta e escravidão que informaram as expansões do colonialismo global. Assim, as relações entre elementos específicos, lugares, nomes e processos realizados pelos impérios europeus com suas antigas colônias são os pontos focais dessas explorações em desenho. De forma metafórica, esta série emprega a contração de informação para dar espaço a uma expansão de perguntas e leituras.
Já o conjunto de pinturas das séries Atlântica (2015) e Caminho do Ouro (2016-17), de Pedro Vaz, deriva de uma vasta pesquisa que culminou em uma expedição pedestre empreendida pelo artista pelo trajeto histórico entre Paraty e Ouro Preto, conhecido como “caminho do ouro”, com o objetivo de revisitar elementos das primeiras imagens do Brasil que circularam na Europa, e cuja difusão foi feita em suporte de panorâmico. Rugendas e Debret foram alguns dos seus executantes. Uma das mais divulgadas foi Vistas do Brasil, de Julien Deltil. A tentativa de transmissão da paisagem como vivência inscreve-se nas suas soluções técnicas: Vistas do Brasil executava um loop de 360º com a dimensão de 3 x 15 m. O envolvimento que estes trabalhos proporcionavam criava uma imersão simulada na paisagem à qual se referem, na impossibilidade da sua experiência real. Com isso, os seus autores tinham a pretensão de reativar a presença espaço-temporal, num esforço de substituir a mera representação pictórica por paisagem vivida. A experiência do lugar em vez da imagem do lugar. Refazendo a lógica da expedição por uma paisagem “natural” desconhecida, Pedro Vaz opta por forjar “registros” completamente subjetivos, que não repõem a imagem de um lugar, mas, antes, oferecem um conjunto de sensações abstratas e íntimas acerca da experiência deste.
Açúcar das Veias (2017) surgiu em uma residência que Beto Shwafaty realizou na Gasworks (Londres), na qual iniciou novas pesquisas sobre as relações entre Brasil, Portugal e Inglaterra que remontam aos tempos coloniais e ainda imprimem seus ecos hoje em dia; é também uma continuação do interesse do artista pelas implicações entre colonialismo e modernismo, manifestadas em projetos anteriores, como Remediações (2010-2014) e Matriz Fantasma [Velhas Estruturas, Novas Glórias] (2016). No período passado em Londres, o artista iniciou uma investigação acerca de como certas commodities – e os processos que elas promovem – geraram relações e narrativas globais que tiveram impacto nos vastos tecidos culturais e econômicos de antigos impérios europeus e de suas colônias.
Além de formarem uma cartografia evocativa de relações, como uma coleção de memórias, fatos, rumores, lugares e acontecimentos, os grupos de desenhos de Shwafaty funcionam como uma manifestação visual de relações díspares (sempre esquecidas) que geraram dramas, tragédias e experiências envolvidas na exploração de mercadorias e das riquezas que geraram. Tal legado de histórias imperiais – legado esse difícil, controverso e doloroso em ser reconhecido, pois ainda deixa rastros, afetando todos nós – imprimiu por toda parte marcas que sugerem que as ramificações dessas relações imperiais ainda estão longe de terminar.