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março 14, 2018
Helena Trindade no Paço Imperial, Rio de Janeiro
No dia 21 de março, quarta-feira, às 18h30, a artista Helena Trindade vai abrir a exposição A letra é a traça da letra, no Paço Imperial. Com curadoria de Glória Ferreira, a mostra apresenta cerca de 45 obras, entre objetos, instalações, fotos, esculturas, vídeos e performance (no dia da abertura) que ocupam as quatro salas do segundo pavimento da instituição. Os trabalhos, a maior parte em grandes dimensões, são inéditos e muitos deste ano.
As obras dialogam com a forte tradição brasileira em Poesia Visual, campo no qual a artista trabalha desde a década de 90. Na produção de Helena, signos visuais e linguísticos se concentram na materialidade da letra, na tensão entre o enunciável e o visível.
“A letra é a traça da letra”, a exposição, também dá nome a uma das instalações, composta pelo trabalho Alfabeto traça – invenção de um alfabeto autorreferente (não corresponde a nenhum outro conhecido) com teclas apagadas de máquinas de escrever –, e por um dicionário etimológico perfurado pela artista, ao modo das traças, com pequenos tipos de máquinas de escrever. “Existe no movimento que gera a linguagem um trabalho perpétuo de rearticulação que problematiza a questão da origem, uma vez que nesse processo nada se produz que não seja pela transformação”, esclarece Helena.
São muitas as letras e os abecedários presentes nas diversas instalações da exposição “Alfabetos latinos sem serem segmentais, mas em processo de constante construção, destruição e reconstrução. Os trabalhos remetem-se uns aos outros e estabelecem um amplo campo de Poesia Visual”, explica Glória Ferreira.
Nas paredes o Alfabeto traça é disposto como em um caderno de caligrafia. “Sem código, dialoga com a destruição do muro da linguagem pelo Vírus na primeira instalação e com a apresentação das coisas do amor e do desejo nas outras salas. Arremata o encadeamento dinâmico de todos os trabalhos, ainda que de forma provisória, posto que o processo da artista avança, retroage e se transforma, com a invenção de um novo alfabeto”, resume a curadora.
Quatro grandes instalações, concebidas como poesias visuais, abordam diferentes aspectos do funcionamento da linguagem, por meio de imagens, letras e sons. Cada uma delas possui elementos que remetem às instalações seguintes. E o público interage com algumas das obras. A instalação (a)MURO – onde está um grande muro construído com estênceis de letras –, por exemplo, trata de engajar sensorialmente o corpo das pessoas na Floresta de casulos, que deve ser atravessada para se ter acesso à sala seguinte. Nesta instalação, as pessoas se encostam nos elementos de papel e linha de encadernação, de formas orgânicas, movimentando-os e, ocasionalmente, alterando essas formas.
A questão do tempo e do corpo também está presente no vídeo D’Écrit x Des Cris (Escritos & gritos), parceria com Ana Kfouri, onde o corpo aparece sempre aos pedaços ou por meio de sombras e de gritos. E também o corpo da artista se presentifica na ação ‘Nada terá tido lugar senão o lugar’, no dia da abertura.
“A instalação (a)MURO se dá como num campo de forças em ‘inter-ação’. Um polo impuro do tempo: o vídeo D’écrits & Des cris (Escritos & gritos), a ação Nada terá tido lugar senão o lugar e a instalação Floresta de casulos; e um outro polo impuro, do espaço: o (a)MURO, as fotografias Alfabeto traço e os Vírus. Entre os dois polos estaria o Tempo para compreender, objeto que consiste em dois relógios com mostradores de letras, sendo que um deles funciona no sentido anti-horário”, pontua a artista.
Na instalação seguinte, (A)MOR, há um vídeo-díptico, que consiste em dois vídeos projetados no chão da sala, que colocam em questão momentos diversos do afeto amoroso. Um vídeo é dinâmico e vertiginoso, com música eletrônica. O outro é plácido e suave, com música da Grécia Antiga. Espera-se que as pessoas atravessem o espaço desses vídeos, projetando suas sombras e deixando-se “banhar” pelas imagens.
A instalação Medida de todas as coisas é composta por 20 objetos que remetem também ao corpo e à letra, na forma de utensílios, livros, brinquedos e outras coisas que se transmutam em obras de arte a depender da visada e o desejo do espectador; trabalhos intensos e instigantes que se relacionam entre si pela letra, pela presença e pelo lugar de onde falam ao outro...
Muitos autores têm se referido à letra: para Lacan, “o exemplo mais puro do significante é a letra, uma letra tipográfica”; para Barthes, “Toda a poesia, todo o inconsciente são uma volta à letra”; já para o poeta dadaísta Kurt Schwitters, “A base material da poesia não é a palavra e sim a letra”. “A letra não permite diretamente a leitura, mas problematiza o sentido e a visualidade”, diz Tania Rivera em seu livro O avesso do imaginário.
Para Helena Trindade, “a letra é um ‘pré-texto’ para um jogo poético”.
“A poeticidade da letra acontece num intervalo de indeterminação, na lacuna mesmo, entre o dizível e o visível. É o trabalho da plasticidade da letra com a imagem que abre um texto para legibilidades ilimitadas. Na unidade formal mínima da letra, as palavras são flagradas antes de significarem”, finaliza Helena.
Mais sobre a artista
Vive e trabalha no Rio de Janeiro. Sua produção compreende instalações, objetos, vídeo, poesia visual, fotografia e projetos site-specific. Desde 1994, Helena tem sido convidada a desenvolver projetos para algumas das mais prestigiosas instituições, sendo que entre as nacionais figuram: FUNARTE, Paço Imperial, Oi Futuro Centro de Arte e Tecnologia, Casa de Cultura Laura Alvim, SESC, Museu da República, Centro de Arte Helio Oiticica, Centro Cultural São Paulo e Espaço Cultural Sérgio Porto. Entre as instituições internacionais onde Helena atuou estão: City University of New York, École d’Art d’Avignon durante o Ano do Brasil na França, Universidade de Coimbra, University of Hawaii, Metrospace da Prefeitura de East Leasing-Michigan, Fundação Portuguesa das Comunicações de Lisboa e Art Radio da Universidade de Maryland.
A artista conta, ainda, com participações na Agency of Unrealized Projects de Julieta Aranda e Hans Ulrich Obrist, na Plataforma digital da XII Documenta de Kassell e na Mostra Paralela Oficial da XXVI Bienal de São Paulo.
Em 2009, Helena Trindade publicou pela editora Contra Capa LIVROs, um livro sobre sua obra. LIVROs contém documentação fotográfica de suas exposições; ensaios desenvolvidos por Marisa Flórido, Tania Rivera, Alberto Saraiva e Cyriaco Lopes sobre seus trabalhos; uma entrevista à crítica e curadora independente Glória Ferreira e um ensaio fotográfico colaborativo com o diretor Neville D’Almeida que também idealizou, filmou e dirigiu o curta LIVROs que tem seu trabalho como tema. Participa também do livro Poesia visual da coleção Oi Futuro Arte e Tecnologia organizado por Alberto Saraiva, e Entrefalas, entrevistas por Glória Ferreira da Coleção Arte: ensaios e documentos; além de diversas matérias em revistas como Santa Art Magazine e Select.
Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela UFRJ, iniciou livre formação artística na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, onde participou dos núcleos de Escultura, Desenho, Gravura, Teórico e de Aprofundamento em Pintura.
Em Nova York, cursou Gravura na Art Students League, Teorias da Arte Contemporânea na School of Visual Arts e na New York University.
Em 2003, concluiu Mestrado em Linguagens Visuais na Escola de Belas Artes da UFRJ, sob a orientação de Gloria Ferreira, com destaque para a qualidade do trabalho plástico apresentado na dissertação “Campo minado”.
Em 2006, concluiu, com nota máxima, o curso de pós-graduação em Arte e Filosofia da PUC-Rio com a monografia “Sob(re) o olhar”.
Participou ainda de seminários sobre Arte e Psicanálise na UFRJ e na escola lacaniana de psicanálise Letra Freudiana.