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fevereiro 23, 2018
A noite não adormecerá na Amparo 60 Califórnia, Recife
A noite não adormecerá, primeira exposição do ano da galeria, reúne 11 artistas mulheres sob curadoria de Julya Vasconcelos
A Galeria Amparo 60 recebe, a partir do próximo dia 1 de março, a mostra coletiva A noite não adormecerá, que reúne 15 trabalhos de 11 artistas mulheres. A curadoria de Julya Vasconcelos propõe jogar luz sobre trabalhos produzidos por mulheres dentro de uma perspectiva que não privilegia uma visão limitada de uma suposta expressividade feminina. As obras que compõem a mostra transitam pela violência, pela anarquia, pela crítica política, pelos mergulhos subjetivos, etc Para tecer essa ideia de tratar a produção das artistas mulheres dentro de um espectro profundo, político e também existencial, a curadora reuniu artistas – com poéticas e trajetórias bastante distintas – do casting da galeria (Juliana Lapa, Amanda Melo da Mota, Alice Vinagre) e outras convidadas (Gio Simões, Clara Moreira, Regina Parra, Virgínia de Medeiros, Marie Carangi, Regina Galindo, Juliana Notari e de Maré de Matos). Os suportes que darão corpo às obras das artistas vão do grafite e do desenho à instalação e a vídeo performance. A artista Marie Carangi fará uma performance na abertura da mostra, que acontece a partir das 19h.
Foi a própria galerista Lúcia Costa Santos que teve o primeiro insight para a concepção de uma exposição que reunisse apenas artistas mulheres. Tradicionalmente, nos vernissages em sua galeria, ela costuma reunir os artistas presentes para registrar em uma foto e a presença feminina era sempre pequena. “Então, me perguntei, onde estão as nossas artistas mulheres?”, lembra. Com essa proposta na cabeça, Lúcia convidou Julya Vasconcelos para desenvolver o processo curatorial de A noite não adormecerá, estreia da jornalista pernambucana (que tem mestrado em História das Artes Visuais) no campo da curadoria.
Segundo ela, a ideia é explorar uma sensibilidade que não se predispõe a pactuar com o clichês, uma sensibilidade-combate, com todas as complexidades de um corpo/universo/território muitas vezes posto em segundo plano dentro da sociedade patriarcal. “É o que a Judith Butler chama de corpos que não importam. O corpo da mulher não importa, o corpo da mulher artista e seus temas não importam, ou são lidos de maneira rasa, isso quando não menosprezados em sua profundidade e elasticidade. Estas livres expressões que estão nessa coletiva são absolutamente urgentes. É urgente falar, ouvir e jogar luz. Então quando chamamos esta coletiva de A noite não adormecerá é em alusão à necessidade de adentrar nestas geografias desconfortáveis, indigestas e urgentes. A exposição fala mesmo de uma espécie de insônia e sobre o que estes olhos sempre abertos estão vendo e tramando”, detalha a curadora.
Em meio ao processo colaborativo de curadoria, Julya e as artistas chegaram ao poema A noite não adormece nos olhos das mulheres, de Conceição Evaristo, e dele retiraram o nome para batizar a mostra, reforçando a ideia de emergência de se falar dessa produção. Segundo a curadora não se trata de uma exposição que tem o feminismo como tema, mas é uma reunião de artistas mulheres que prezam pelo tensionamento do “feminino”, extrapolando seus limites e tratando de questões urgentes de maneira complexa. “Temos um grupo heterogêneo de artistas mulheres, contemporâneas, mergulhadas numa crise de ordem política, econômica e moral, que é o que a gente tem vivido nesse país, num processo de cinismo crescente. Como estas mulheres se expressam? Como adentrar e mostrar estes territórios por meio da pintura, da fotografia, da performance, do desenho, do soco no estômago? Acho que esse grupo parte de uma potência discursiva e estética desconcertante e afiada. Não são trabalhos delicados: são ásperos, e essa é definitivamente uma qualidade deles”, esmiúça a curadora.
A pernambucana Juliana Lapa, que acaba de entrar para o casting da galeria, vai apresentar trabalhos de grandes dimensões e bastante impactantes da série Breu, que falam sobre olhar o desconhecido, olhar o breu. Ela e boa parte das artistas são do Recife ou residem na cidade, como é o caso de Maré de Matos, que é de Minas mas tem sua vida e produção radicadas em Pernambuco.“Foi uma tentativa de dar visibilidade a uma geração de artistas pernambucanas muito especial, muito afiada e que tem uma produção de um valor político/estético realmente incrível. Queríamos mostrar isso, queríamos dar a ver essa produção. E era importante colocar estes trabalhos em diálogo com produções de artistas que partem de outras geografias”, afirma Julya Vasconcelos.
Nesse sentido foram convidadas Regina Parra (SP), Virgínia de Medeiros (BA) e Regina Galindo (da Guatemala). Regina Parra participa com a obra Manter-se aterrorizada, tornar-se terrível, uma torção de uma frase do ensaísta martinicano Frantz Franon, trazida para o feminino, em um letreiro de neon. “Como portar-se diante das violências e abusos sofridos, especialmente pelas mulheres? Tornar-se terrível, combater, revidar ou manter-se no estado do medo? É um trabalho que fala sobre como ser transformado pela violência, e sobre a possibilidade do revide”, detalha a curadora.
A baiana Virgínia de Medeiros apresentará algumas peças que compõem a sua exposição processual O Jardim das Torturas, que faz um recorte do universo sadomasoquista a partir do convívio da artista com o Dominador Dom Jaime – filósofo sadomasoquista – e com suas duas Escravas. Vão estar na Amparo 60 as entrevistas em áudio com as escravas, o espartilho e os diários em cobre.
Regina Galindo, por sua vez, tem um trabalho combativo, político, comprometido com a história da Guatemala e com as questões ligadas ao corpo (principalmente o corpo da mulher e o corpo torturado pela ditadura que esteve em vigor por 36 anos no país, e durou até a década de 90). Na Amparo 60 será mostrado seu vídeo Tierra, de 2013, que trata do genocídio indígena cometido pelo governo de José Efraín Ríos Mont.