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janeiro 24, 2018
Flávio de Carvalho - Expedicionário na Caixa Cultural, São Paulo
Mostra “Flávio de Carvalho - Expedicionário” na Caixa Cultural São Paulo traz registros de expedições do artista modernista
Projetos experimentais, fotografias, documentos, cadernos de viagem, e filme mostram faceta pouco conhecida do inquieto criador brasileiro
A Caixa Cultural São Paulo recebe, de 9 de janeiro a 4 e março, a exposição Flávio de Carvalho - Expedicionário, que apresenta inúmeras experiências do artista que estabeleceu pontes para práticas libertárias da arte brasileira.
Organizada pelos curadores Amanda Bonan e Renato Rezende, a mostra reúne projetos experimentais, fotografias, filme, documentos, cadernos de viagem e reportagens de jornal, revelando uma faceta pouco conhecida de Flávio de Carvalho.
Para Oswald de Andrade, ele era “o antropófago ideal”. Engenheiro civil, arquiteto, cenógrafo, artista plástico, escritor, performer, estilista… É difícil encontrar uma área de criação pela qual Flávio de Carvalho não tenha se aventurado. Segundo ele mesmo afirmava, o artista é como um arqueólogo, e ele, de certa forma, dá continuidade à herança expedicionária fundadora do Brasil.
Em “Flávio de Carvalho - Expedicionário” foram reunidos resíduos e vestígios deixados por uma série de projetos de cunho experimental e expedicionário levados a cabo pelo artista modernista que se dedicou a quebrar regras, alargar horizontes e romper as formas academicistas de tratar a arte.
Flávio de Carvalho é, ainda hoje, é sinônimo de invenção e polêmica. Apontado como um titã da modernidade, o artista continua provocando o mundo com seu pensamento contestatório. A imagem do artista passeando pelas ruas de São Paulo com o “New Look”, traje que ele criou como sendo ideal para o homem dos trópicos – saia de pregas, blusa de mangas bufantes, meia arrastão e sandália de couro – ainda hoje é capaz de chocar os incautos.
“Flávio de Carvalho - Expedicionário” propõe um olhar original sobre o pensamento múltiplo e incontido do artista. O objetivo da exposição é lançar luzes sobre o aspecto expedicionário como abordagem estética intrínseca à obra de Flávio de Carvalho. O modernista costumava definir-se como “um arqueólogo malcomportado” (“com mais probabilidades de compreender o não-tempo”), que vasculhava as mais profundas camadas de sensibilidade, sem reverenciar o que ele chamava de “catecismo científico”.
A exposição é dividida por expedições, como a “Viagem à Europa” (1934-1935), que rendeu os relatos do livro “Os Ossos do Mundo”, um verdadeiro caleidoscópio de questões e especulações que o artista desenvolveu a partir de observações sobre cada país, “Rumo ao Paraguai” (1943-1944) e “Viagens aos Andes” (1947), contendo dados e documentos dessa incursão do artista à América Latina. São fotografias, recortes de jornais e reproduções de partes de originais escritos à máquina. Há também a expedição “Viagem à Amazônia” (1956), com projeção de uma edição do filme “A Deusa Branca”, que une pesquisa etnográfica e drama ficcional de tons surrealistas a partir da história de uma menina branca raptada por índios.
Flávio de Carvalho (1899-1973)
Inquieto, controverso, performático, anedótico, Flávio de Carvalho não respeitou regras ou convenções para manifestar seu espírito livre e suas ideias visionárias. Nascido em família aristocrática na cidade de Amparo de Barra Mansa, no Rio de Janeiro, em 1899, viveu de 1911 a 1922 na Inglaterra, onde ser formou em Engenharia Civil, ao mesmo tempo em que fazia um curso noturno de artes plásticas na King Edward VII School of Fine Arts. Foi nesta época que teve os primeiros contatos com os vanguardistas europeus.
De volta ao Brasil, não consegue de adaptar ao estilo formal do mercado de construção da época. Em 1926, emprega-se como ilustrador no Diário da Noite, onde conhece Di Cavalcanti, então atuando como caricaturista do jornal, que o apresenta ao grupo antropofágico de Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral. Um ano depois, participa do concurso para o Palácio do Governo de São Paulo, com um projeto bastante discutido, que se destaca pelo aspecto monumental do edifício, marcado pela decomposição dos volumes e pela intensidade dramática dos jogos de luzes dos holofotes. Flávio de Carvalho participaria ainda de vários concursos, sem nunca ser premiado – entretanto seus projetos são considerados pioneiros da arquitetura moderna do Brasil.
Pintor, desenhista, arquiteto, cenógrafo, decorador, escritor, teatrólogo, engenheiro e performer, Flávio de Carvalho tinha fascínio pelo nu feminino (que ele explorou em traços de grande erotismo) e pelo retrato. Apresentou seu trabalho pela primeira vez em 1931, durante o Salão Revolucionário da Escola de Belas Artes, ao lado de artistas como Portinari, Cícero dias, Lasar Segall. No mesmo ano, realiza o polêmico Experiência nº 2, em que caminha com boné na cabeça de forma desafiadora, em sentido contrário ao de uma procissão de Corpus Christi. Sua intenção era testar os limites de tolerância e a agressividade de uma multidão religiosa. Foi quase linchado.
Em 1932, luta a favor da Constituição na Revolução Paulista, abre um ateliê e funda o Clube dos Artistas Modernos – CAM, ao lado de Antonio Gomide, Di Cavalcanti e Carlos Prado. Em 1933, cria o Teatro da Experiência, com o qual encena o espetáculo de dança-teatro “Bailado do Deus Morto”. No ano seguinte, faz sua primeira individual, que é fechada pela polícia sob a acusação de “atentado ao pudor” e só é reaberta após ordem judicial.
Nova polêmica viria em 1947, quando realiza os desenhos da “Série Trágica”, na qual retrata a morte da própria mãe. A exposição lhe rendeu a alcunha de “pintor maldito”. Em 1950, representa o Brasil na Bienal de Veneza. Em 1953, desenha os figurinos e o cenário do bailado “A Cangaceira”, de Camargo Guarnieri. Nas décadas de 1950 e 1960, pinta nus femininos, dedicando-se ao desenho, à aquarela e à gravura.
Em 1956, para concluir uma série de artigos sobre moda na coluna “Casa, Homem, Paisagem”, para o Diário de São Paulo, lança o famoso New Look, traje que ele mesmo criou como sendo o ideal para o homem dos trópicos, desfilando pelas ruas de São Paulo, causando escândalo e chocando a multidão.
Flávio de Carvalho assina uma obra permeada pelas propostas surrealistas e expressionistas. Em seus últimos trabalhos, utiliza novos materiais, como tinta fosforescente para luz negra. É considerado um precursor do artista multimídia e da performance no Brasil.