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dezembro 6, 2017
Yutaka Toyota no MAM, Rio de Janeiro
Mostra inédita reúne obras e instalações do artista japonês radicado no Brasil
A abertura para o público será no dia 9 de dezembro e a exposição poderá ser visitada até 18 de fevereiro de 2018
Nascido no Japão em 1931, Toyota chegou ao Brasil no fim da década de 1950 e naturalizou-se brasileiro em 1971. Ao sair da tela para a tridimensão, após uma temporada na Itália, o artista instaurou o espectador como cocriador - caminho que mantém até hoje. Com curadoria de Denise Mattar, a exposição Toyota – O Ritmo do espaço resgata essa faceta do artista e estabelece seu percurso criativo destacando a coerência do seu trabalho.
“Durante todos esses anos criei milhares de obras entre desenhos, gravuras, pinturas de diferentes técnicas, instalações, painéis escultóricos e esculturas de todos os tamanhos de pequenos múltiplos a imensos monumentos. Apesar de trabalhar com tantas técnicas sempre fui fiel as mesmas indagações que me fizeram mergulhar neste universo das artes, quando jovem pintava sob influencia dos mestres impressionistas, na universidade através da arte tradicional japonesa o urushi (laca chinesa) e sob a orientação do professor Yasui Sōtarō (1888-1955), que criou uma pintura japonesa com influencia impressionista e depois trabalhando com cenografia no Teatro Kabuki e nas pesquisas do Instituto de Shizuoka sempre mantive no meu interior o que o famoso historiador e critico japonês Atsuo Imaizumi havia dito aos 15 anos quando recebi o primeiro prêmio de pintura no Salão de jovens artistas ainda em Yamagata; ‘mantenha sempre as mesmas ideias e perguntas interiores assim encontrará sua verdadeira arte e produzirá obras verdadeiramente suas, obras originais’. Busquei na cultura ocidental através da física quântica o significado de Espaço, e através da minha origem oriental o significado íntimo de algo espiritualmente superior. Talvez seja essa a conexão entre o Homem e o Universo”, explica Yutaka Toyota.
Ocupando uma área de aproximadamente 1000 m², Toyota – O Ritmo do espaço leva para o MAM Rio - Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro a recriação das instalações apresentadas na X Bienal e outras propostas imersivas do artista. Reúne ainda cerca de oitenta obras pertencentes a instituições como Museu de Arte Brasileira da FAAP, Museu de Arte Moderna de Niterói, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Palácio Itamaraty, entre outras, além de importantes coleções particulares.
A curadora Denise Mattar destaca o equilíbrio dinâmico das criações de Toyota: “Sua obra convoca dualidades: positivo e negativo, visível e invisível, sólido e evanescente, volume e leveza, ascendente e descendente, além de polaridades metafísicas: unidade/pluralidade, Yin/Yang (In/Yo em japonês). Os reflexos de seus metais polidos fisgam o espectador instigando novas realidades. Alguns de seus trabalhos impregnam-se inesperadamente de cor, que não é vista diretamente, mas está lá, camuflada, com presença sutil e vibrátil”.
No auge dos seus 86 anos o artista continua em pleno vigor criativo, ao passo que seu pioneirismo começa a ser reconhecido pela crítica. “Apesar de muito admirado por suas esculturas, Yutaka Toyota ainda não tem o devido reconhecimento por seu pioneirismo na arte brasileira e internacional. Um dos objetivos da exposição é mostrar a verdadeira importância e vanguarda do trabalho de Toyota”, conta Denise.
Após a exibição no Rio de Janeiro, a mostra será apresentada no primeiro semestre de 2018 no Museu de Arte Brasileira da FAAP.
TRAJETÓRIA
Como definiu o crítico Olívio Tavares de Araújo, Yutaka Toyota faz confluir, como poucos, em sua obra, as linguagens do Ocidente e do Oriente. Começou sua carreira como pintor, mas posteriormente as esculturas foram dominando suas criações. Sobretudo após uma viagem à Itália nos anos 1960, onde teve contato com a vanguarda europeia, Lucio Fontana, Bruno Munari entre outros. A partir daí seu trabalho adquiriu características cinéticas, ópticas, inclusivas e imersivas.
Em 1969 Yutaka Toyota participou na X Bienal de São Paulo ocupando três salas. Utilizando acrílico e luz negra com uma tinta especialmente desenvolvida a seu pedido pela Indústria de tintas Acrilex, o artista criou uma cabine pintada de preto, que chamou de Quarto Escuro. Quando o espectador entrava nesse ambiente mergulhava em uma experiência ótico cinética, com duas formas em acrílico, uma esfera e um cubo em movimento através dos efeitos de luz da luz negra. Segundo Toyota, em reportagem da época: “o espaço situa[va] o visitante no limite entre o positivo negativo, entre o real irreal, no momento aqui-e-agora”. No outro ambiente, Espelho, utilizou duas grandes madeiras côncavas, uma verde e outra vermelha e um espelho esfumaçado. Ao entrar o visitante via apenas um espelho e sua imagem refletida nele e acabava fazendo caras, bocas, caretas, etc. Entretanto, ao passar por trás, percebia que agora podia ver as pessoas que estavam à frente do espelho - o que indicava que também tinha sido visto. No espaço seguinte havia uma esfera listrada, branca e preta, Positiva e Negativa, girando sobre uma superfície de aço inoxidável polido, criando formas que remetiam a um infinito movimento.
O artista já fazia, portanto, o que hoje chamamos de instalações. Sua comunicação com o público era intensa, surpreendente, e o reconhecimento da crítica se fez através de duas premiações “Prêmio Itamaraty” e “Banco de Boston”.
Assim seu trabalho desenvolveu-se naturalmente da escultura para o espaço público, criando obras monumentais, tornando-se um dos raros artistas brasileiros a dominar as relações de escala, pensando num trabalho conceitualmente ambiental. Não por acaso semeou mais de cem obras públicas no Brasil e no Japão, entre elas os trabalhos monumentais que permeiam o campus da Fundação Armando Alvares Penteado.
Ao longo de sua vida o artista recebeu alguns dos mais importantes prêmios de arte, em salões e bienais, além de condecorações no Brasil e no Japão pelo seu intenso comprometimento com o intercambio cultural entre as nações.
TOYOTA – BIOGRAFIA E PROCESSO CRIATIVO
Yutaka Toyoda (com “d”) nasceu no dia 14 de maio de 1931, na cidade de Tendo, ao norte do Japão. O sobrenome, herdado do pai, desde o início de sua carreira no Brasil foi trocado pela imprensa por Toyota (com “t”), e posteriormente adotado.
Quando pequeno desenhava e fazia aquarelas das paisagens nas diversas estações do ano. Na infância também conviveu com a marcenaria do pai, tendo contato com a fabricação artesanal de móveis. O irmão de sua mãe era pintor, Jin Ichi Oe, e Toyota gostava de observá-lo. Ganhava as telas inutilizadas do tio, cobria com tinta branca e as reaproveitava. O seu primeiro prêmio de pintura veio em 1946, aos quinze anos, com o quadro 'Outono', que reutilizava uma das telas do tio.
Em 1950 foi para Tóquio, ingressou na mais importante Universidade de Artes do Japão “Geidai”, no curso de arte e artesanato. Fez curso extraclasse e cenografia tornando-se assistente do mestre Kenkichi Yoshida, o que contribuiu para sua melhor compreensão do espaço. Tornou-se instrutor técnico do Instituto de Pesquisas Industriais, uma instituição governamental da cidade de Shizuoka.
O Instituto de Pesquisas de Shizuoka convidou Toyota a coordenar a implantação de uma fábrica e veio ao Brasil junto com uma equipe de técnicos. A fábrica nunca veio a funcionar e foi obrigado a retornar, mas o tempo que Toyota ficou por aqui foi suficiente para deixar o Japão e imigrar ao Brasil.
De volta a São Paulo, dedicou-se com maior entusiasmo à arte, sua pintura adquiriu formas abstratas geométricas, em busca de uma expressão interior. Neste período, da década de 60, ele ficou conhecido por uma obsessão do Círculo – Símbolo da Harmonia Cósmica. Essa persistência sob o signo do “Círculo”, Toyota acredita que fosse uma manifestação da atitude zen-budista, princípios que acompanharam a sua criação, como a busca pela paz interior e pela compreensão simples e profunda das coisas.
Em meados da década de 60 suas pinturas fizeram grande sucesso no Brasil, com obras aceitas para a VIII Bienal Internacional de São Paulo e a premiação do Primeiro Salão Esso no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro proporcionou ao artista a explorar a tradição e cultura europeia, mudando-se para Itália. Na Europa encontrou-se com seu amigo, o diretor do Museu de Arte de São Paulo, Pietro Maria Bardi, que proporcionou sua estadia em Florença e serviu como grande estímulo intelectual à Toyota. Neste período começou a fazer novas experiências com diferentes materiais nas telas, como terra, areia e linho misturados à tinta.
Após o contato com a arte antiga de Florença, Toyota resolveu conhecer os movimentos atuais mudando-se para Milão, onde havia uma arte de vanguarda. Durante este tempo em Milão (1966 a 1968) os movimentos de op-art e arte cinética se afirmavam na Europa. Neste período Toyota teve contato com diversos artistas fortemente influenciados por Lucio Fontana, argentino radicado em Milão e mentor do Concetto Spaziale (Conceito Espacial).
Com a vida mais dinâmica, as ideias de rápido, contínuo e mutável foram introduzidas na arte, fazendo com que se falasse de quarta dimensão. Nesta fase, o trabalho de Toyota estava mais limpo e ótica. As figuras geométricas eram elemento principal – quadrados, losangos e até o círculo, que se aproximava de elipses, sofrendo deformações – em faixas paralelas de linhas finas, em tons luminosos, geralmente em um fundo claro. As formas eram concêntricas, repetidas a partir de um possível centro, lembrando a propagação da água em lago ao cair uma pedra – com a ilusão de ótica as figuras iam se tornando sólidas e acrescentou às suas pinturas outros elementos e novos materiais.
Deixando a tinta a óleo de lado, e preocupado com as questões do espaço, procurou materiais contemporâneo e tecnológicos da época como o alumínio e o poliéster. A madeira continuou apenas como suporte. O artista se preocupava em mostrar uma dimensão que se relacionasse com a simplicidade do pensamento zen e da física de Einstein – que sempre o acompanhou – transmitindo sua concepção de um mundo cósmico. Gravava desenhos em placas de alumínio, geralmente os círculos agora como se estivessem exprimidos querendo saltar da tela.
Os primeiros objetos que Toyota criou, fixou-os nas paredes – relevos côncavos, convexos, com suporte de madeira forrado de alumínio na parte frontal. Não usava muito o poliéster devido ao alto custo, e pelo mesmo motivo ainda não usava o aço inoxidável. O alumínio foi o mais usado, pelo preço acessível e o utilizava polido como espelhos para obter os reflexos. Sobre as superfícies colocou esferas pintadas de branco, que se deformavam (mais que em seus quadros) no reflexo.
Toyota pretendia comunicar um significado mental e espiritual do espaço. Essa fase de preocupação com a questão espacial foi chamada de In-Yo – símbolo de elementos opostos. O reflexo do alumínio espelhava a obra e o ambiente onde estivesse deformando e criando um novo espaço. A opção por não usar espelhos se deu por eles reproduzirem o ambiente sem deformá-los o que não era seu intuito.
Toyota volta ao Brasil com exposições e prêmios, que ajudaram na propagação das suas propostas ótica. Após sua naturalização em 1971 foi convidado a participar na XI Bienal na Bélgica, representando o Brasil junto com outros artistas. Desta vez o elemento cubo toma o lugar da esfera. Na simbologia oriental, o círculo é o céu e o quadrado a terra, encontrando o homem entre ambos. Para o artista, o cubo sugere a vida nas cidades grandes, o isolamento das pessoas em apartamentos, com os ângulos retos e forma fechada.
Toyota até hoje trabalha com os três elementos básicos do universo, o círculo, o triângulo e o quadrado, transferindo para a tri dimensão a esfera, a pirâmide e o cubo.
Em 1974 viajou ao Japão, devido a uma exposição, e percebeu que ao viver no ocidente, onde a cultura é voltada para a lógica, conseguiu melhor compreender sua ascendência e desenvolvera o lado espiritual do oriente na sua arte.
Nos anos 70 ao criar volumes monumentais buscou formas que se relacionassem com o espaço urbano. Toyota era cada vez mais reconhecido como escultor, participando de inúmeras exposições. No entanto jamais deixou de fazer gravuras, pinturas e desenhos.
Em 1991 o artista recebeu da APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte) o prêmio de Melhor Escultor de 1990.
Em 2003 Toyota recebe uma condecoração do imperador do Japão pelos trabalhos e intercâmbio cultural que realizou entre as duas nações.
Com uma extensa carreira realizou sua primeira retrospectiva em 2009, com curadoria de Jacob Klintowitz, no MuBE (Museu Brasileiro de Escultura), sob o título de “A Leveza da Flor” e em 2010 a convite do Museu da Cidade de Tendo apresentou também uma Retrospectiva com obras, instalação e referências monumentais de seus trabalhos.
O processo criativo de Toyota é bastante metódico, envolve uma rotina fixa. A concepção de seu trabalho se mantém o mesmo, com inovações em formas e, muitas vezes, através da tecnologia e novos materiais, o que contribui para sua identidade e para o amadurecimento de suas ideias.
“Gostaria que minhas obras (onde o invisível se mostra visível nas cores ocultas e formas anônimas) nos levassem a uma viagem sideral, multidimensional em que o positivo e o negativo e todos os opostos, o masculino e o feminino, o In e o Yo e tudo mais convivam em plena harmonia”, explica Toyota.
AS OBRAS DE TOYOTA NA REDE D’OR
Obras de Yutaka também podem ser vistas nos hospitais da Rede D’Or São Luiz. O acervo composto de mais de 200 peças está distribuído entre hospitais – com destaque para o CopaStar, no Rio de Janeiro, e o recém-inaugurado São Luiz – São Caetano, na Grande São Paulo.
Como agente coadjuvante no dia a dia de uma instituição de saúde, a arte atua como um escape, uma forma de esquecer os problemas e viajar para um universo paralelo, algo subjetivo e que impacta o espectador. No CopaStar, esse ambiente artístico, que mistura galeria de arte com assistência à saúde, está presente logo no hall de entrada, com a obra “Espaço Eternidade 2016”, um painel de 25 metros criado pelo artista Yutaka Toyota.
“Qualquer questão relacionada à saúde fragiliza as pessoas. O papel da Rede D’Or São Luiz é oferecer, não apenas o tratamento da doença, mas também conforto e bem-estar. Arte é uma das formas de fazer isso”, afirma Jorge Moll Filho, fundador e presidente do conselho da organização, que possui mais de 35 hospitais pelo Brasil.
Para Toyota, produzir uma obra de arte para um hospital é sempre marcante. “Principalmente quando ela provoca uma sensação de bem-estar para o espectador. Fico feliz quando uma pessoa observa meu trabalho no hospital. Significa que esse espectador, em algum momento, esqueceu da dificuldade que está sofrendo e parou para apreciar a obra de arte. Consigo proporcionar alguns minutos de tranquilidade para essas pessoas”.