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outubro 30, 2017

Tempo presente no Porto Seguro, São Paulo

Tomie Ohtake, Nazareno e Laura Belém são alguns dos autores das instalações da nova mostra que convida o público a interagir

Os arcos de Tomie Ohtake, inertes, parecem pedir por alguma ação. Em contato com um público disposto a experimentar e participar, a criação da consagrada artista transforma obra e espectadores em um único corpo, num único tempo. Os arcos assumem o movimento que já se pressentia em suas formas e realizam sua condição intrínseca e paradoxal de esculturas em constante transformação.

Esse convite à interatividade é justamente um dos objetivos de Amanda Dafoe e Rodrigo Villela, curadores de Tempo presente, mostra em cartaz no Espaço Cultural Porto Seguro de 1º de novembro a 17 de dezembro de 2017. Entrada gratuita.

“As obras escolhidas têm em comum a capacidade de convidar o público para uma posição ativa, tanto física, quanto no plano reflexivo, quebrando assim a usual posição de uma contemplação passiva. Queremos estreitar a relação com o nosso visitante, compartilhar com ele esse momento, o nosso momento, ao qual todos de alguma forma pertencemos, transformando-o como parte desta atmosfera vibrante”, afirma Amanda.

O nome da mostra foi inspirado no poema “Mãos dadas”, de Carlos Drummond de Andrade. “Queríamos uma exposição contemporânea, que trouxesse um dos fatores cruciais a toda experiência poética: os sentidos. Fundamentais em nossa relação com o mundo, eles também são a base do fenômeno estético e vêm carregados de subjetividade em todas as formas de expressão. Ao mesmo tempo, queríamos que esse tipo de experiência mostrasse que todo ser humano é dotado de uma poética e que é na relação com seu entorno, tempo e espaço que isso acontece. É assim também que podemos refletir com mais profundidade sobre as questões de cada época. Drummond, especialmente em dois trechos desse belíssimo poema, parece se voltar para os temas do convívio e participação como fatores essenciais a qualquer proposição, seja estética ou o que for: ´O presente é tão grande, não nos afastemos / Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas’, e ´O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes / A vida presente´, afirma Rodrigo.

Para a empreitada, sete artistas nacionais foram selecionados a expor suas instalações em diferentes ambientes. Os arcos de Tomie Ohtake, mencionados acima, dividem espaço com Espera, de Leandro Lima e Gisela Motta, no piso térreo. Ali, a videoinstalação usa dois bancos para projetar as sombras de um casal que nunca estará junto, mas que vive a expectativa do encontro. O rito se repete: ora é a sombra dele que vem, senta-se, espera, levanta e vai embora; ora é a dela que repete o mesmo percurso físico-afetivo. Evocativas, as sombras são verdadeiras presenças de uma ausência. Entre as inúmeras referências e camadas interpretativas, fazem lembrar um dos mitos ocidentais da origem do desenho, em que uma jovem apaixonada risca na parede o contorno da sombra projetada do amado que se preparava para ir à guerra. Os mesmos bancos também convidam o público a se sentar e contemplar a obra “de dentro”.

Na rampa de acesso ao mezanino, cuja parede de vidro se abre para a rua, na Alameda Nothmann, a artista Laura Vinci provoca: sua cortina de neblina No ar é um obstáculo? A nebulosidade da fumaça de glicerina em suspensão, imbuída de poética, também chama atenção para o entorno. E vice-versa: a neblina, que ritmicamente preenche a rampa, pode ser igualmente vista do lado de fora, pelos que passam na rua, e simula a vivacidade de um Espaço Cultural que respira no coração de São Paulo. A fumaça estabelece também um ambiente com ausência de contraste, elemento crucial para a visão das formas e representação nas artes – a própria linha, algo a que estamos tão acostumados, é em si uma abstração humana do contraste que nos permite identificar o mundo ao redor. Ao mesmo tempo aponta para outro fator fundamental: a representação da luz e da atmosfera nela implicada, fazendo referência às camadas de subjetividade e afeto que atribuímos ao mundo e às obras de arte.

No andar de cima, a Rede Social, do Coletivo Opavivará estimula momentos de aproximação real entre os visitantes. Uma convidativa rede gigantesca, coletiva, espera que o espectador interaja com os demais, partilhando um espaço em que a luz natural reforça a sensação de conforto de varanda. Beirando a ironia, uma rede física, de pano, chama e interliga factualmente pessoas atualmente cada vez mais conectadas apenas pelas redes virtuais.

Da luminosidade das varandas para o subsolo, a série Sobre tesouros e outros domínios traz três obras de Nazareno, criadas sobre superfícies de cobre polidas ao ponto de se tornarem espelhos, instigando no interlocutor a reflexão, literalmente, sobre a ação do tempo. Evocando os antigos espelhos de cobre e bronze, as atuais selfies e o mito de Narciso, as obras instantaneamente fazem do espectador um participante, ao se ver refletido na obra. Os trabalhos, de caráter introspectivo, contam ainda com frases sobre passado e futuro, e precedem a instalação da paulistana Raquel Kogan.

A enorme caixa preenchida com pó de mármore lembra um tanque de areia de playground. Ao lado, pares de sapato estão disponíveis para o visitante deixar seu rastro na superfície de Volver. Nas solas, palavras imprimem textos no chão a cada passo, formando infinitas e espontâneas citações sobrepostas. Efêmeras, estampadas na areia e também coletivas, fazem referência à própria condição da linguagem e da comunicação, fatores tão humanos, que só existem a partir e por causa da convivência.

Na sequência, o Jardim Secreto, de Laura Belém, é uma experiência sensorial completa e levanta questões sobre deslocamento, tempo, cultura e memória. Os pés caminham sobre uma superfície de cascalho; as mãos tateiam e abrem caminho pelas fitas que descem do teto enquanto, ao fundo, vozes recitam trechos comentados de Tristes Trópicos, relato de viagem do antropólogo Claude Lévi-Strauss quando esteve no Brasil.

A exposição contará ainda com uma programação pública, com debates, oficinas e cursos ministrados pelos artistas, com a participação de críticos. Mais uma vez, o objetivo é possibilitar que o público interessado possa explorar transversalmente os temas relativos à exposição.

Parceria com o MuBE

A exposição Tempo presente ganha também extensão para além dos limites do Espaço Cultural Porto Seguro. Dois dos arcos de Tomie Ohtake estarão expostos nos jardins do Museu Brasileiro de Escultura e Ecologia (MuBE). A parceria integra o Portas Abertas, programa do museu que nasce com o intuito de estreitar a relação da instituição com a paisagem do seu entorno e com os demais espaços culturais da cidade, promovendo o intercâmbio de experiências artísticas e a formação de redes colaborativas. Além do ECPS, a vizinha Fundação Ema Klabin também participa da iniciativa.

Posted by Patricia Canetti at 9:20 AM