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agosto 31, 2017
Adriana Varejão e Paula Rego na Carpintaria, Rio de Janeiro
Exposição na Carpintaria promove diálogo entre as obras de Adriana Varejão e da maior pintora portuguesa em atividade, Paula Rego
Encontro inédito revela as afinidades entre a produção das duas artistas
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Começa no dia 2 de setembro um diálogo instigante entre duas gigantes da pintura. A portuguesa Paula Rego e brasileira Adriana Varejão exibem lado a lado uma seleção de trabalhos na Carpintaria, espaço da Fortes D'Aloia & Gabriel no Rio de Janeiro cuja vocação é promover exercícios amplos de pensamento, estimulando o diálogo entre diferentes autores, formas de expressão ou linguagem. Trata-se de um encontro singular que, como num dueto, permitirá ao público identificar sintonias e singularidades, iluminando ainda mais suas poéticas, seja pelo reconhecimento de afinidades seja pela revelação de contrastes.
Mesmo pertencendo a gerações e continentes distintos, em muitos momentos as duas parecem habitar o mesmo terreno. Visitam com frequência temas da História ou do universo ficcional que revolvem as camadas mais aparentes e desenterram aquilo que há de perverso ou oculto nos mitos e narrativas que usam como ponto de partida. No caso de Paula Rego essa relação com o campo da ficção é ainda mais evidente. Consagrada como a mais importante pintora portuguesa da atualidade e também como um dos grandes nomes da arte inglesa (onde atua desde que se mudou para Londres no início dos anos 1950), ela trabalha sempre em séries, construídas a partir de narrativas de outros autores. Narrativas que ela reconta à sua maneira, recria na forma de uma grande cena teatral, recaindo sempre no lado perverso da história. No caso desta exposição – sua primeira mostra no Rio de Janeiro –, os trabalhos selecionados (quatro telas e um grande móbile) se debruçam sobre dois textos: Primo Basílio, de Eça de Queiroz, e Bastardia, de Hélia Correia.
A relação de Adriana Varejão com o texto é mais sutil, metafórica. Muitas vezes seu interesse é documental, mais próximo da antropologia e da literatura histórica do que da ficção, alimentando-se mais de imagens – as quais recontextualiza criticamente – do que de literatura. Para esta exposição Adriana traz um conjunto de seis obras, pertencentes a duas séries, uma em que dialoga com o trabalho do ceramista português Bordalo Pinheiro e a outra, mais recente, em formato de folhas secas, que só foi mostrada anteriormente, e de forma parcial, em Hong Kong, e que se debruçam sobre temas ousados como o sexo e a amamentação. Essas pinturas retomam uma tradição chinesa de pintura sobre folhas naturais e mesclam diferentes elementos recorrentes na obra de Adriana como o recurso à cerâmica e seu craquelamento, bem como a utilização de um leque amplo de referências, visuais, históricas e simbólicas, recontextualizadas criticamente em ricas paródias.
São raras no Brasil as exposições que colocam frente a frente apenas dois artistas. E com histórias de vida tão distintas. Neste caso, tudo teve início com a grande retrospectiva da obra de Paula Rego que aconteceu na Pinacoteca, em 2011. Desde então a galerista Marcia Fortes idealizava juntar as duas artistas. O encontro foi concretizado em outubro do ano passado, em Londres. E dali brotou naturalmente a ideia da mostra. A seleção de trabalhos foi quase natural, enfatizando a produção mais recente da artista luso-inglesa.
Dentre as obras selecionadas destaca-se um grande móbile, no qual sereias assustadoras parecem fazer uma dança macabra em torno do visitante, e que deve abrir a exposição, juntamente com uma pintura de Adriana de cunho bastante escultórico, na qual se vê uma eclosão de elementos marítimos, com caranguejos e lagostas como que a pular no espaço. "É um diálogo corporificado, explosivo", define Marcia Fortes. “Em vários momentos as duas parecem duelar com o mundo”, acrescenta.
"Eu me coloco totalmente como aprendiz. Acho a Paula uma mestra”, afirma Adriana. E acrescenta: "É muito difícil responder à obra de uma pessoa que você admira tanto”. Esta é uma das razões para a escolha de trabalhos já existentes, em busca dos pontos de contatos entre os trabalhos, como a curiosidade, o fascínio por vezes perverso sobre o papel da mulher no jogo íntimo ou social, ou a forte característica ornamental e a exploração de contrastes típicas da tradição barroca, tão cara às duas artistas. Caberá, no entanto, ao visitante buscar por si mesmo os pontos de aproximação e distanciamento. "É um estudo em aberto e é bacana que o público possa complementar essa leitura”, afirma a galerista.
The Portuguese artist Paula Rego and the Brazilian artist Adriana Varejão show a selection of works side-by-side at Carpintaria, the experimental space of Fortes D’Aloia & Gabriel in Rio de Janeiro, whose aim is to promote wide ranging experiments in thinking, by stimulating the dialogue between authors, forms of expression or languages. This exhibition is a singular meeting, which, like a duet, will allow the public to identify similarities and singularities, further illuminating the artists’ poetics, be it by recognizing their affinities or by revealing their contrasts.
Despite being of different generations and continents, at several moments both artists seem to inhabit the same terrain. They often visit themes from history or from the fictional universe that overturn the most apparent layers and unearth what is perverse or hidden in the myths and narratives they use as a starting point. In Paula Rego’s case this relation to the field of fiction is even more evident. Consecrated as the most important Portuguese painter today and also as one of the great names of English art (where she has been working since she moved to London in the early 1950s), Rego always works in series, built on the narratives of other authors, which she retells in her own way, recreated in the form of a great theatrical scene, always leaning on the perverse side of the story. For this exhibition – her first show in Rio de Janeiro –, the selected works (four canvases and a big mobile) focus on two texts: Primo Basílio, by Eça de Queiroz, and Bastardia, by Hélia Correia.
Adriana Varejão’s relationship with text is more subtle and metaphorical. Her interest is often documentary, closer to anthropology and historical literature than to fiction, and nourished more often by images – which she critically recontextualizes – than by literature. For this exhibition Varejão shows a set of six works, belonging to two series, one which dialogues with the work of the Portuguese ceramist Bordalo Pinheiro and the other, more recent, in the form of dried leaves, which was previously shown only in a partial form in Hong Kong, and that focuses on bold subjects such as sex and breastfeeding. These paintings rework the Chinese tradition of painting on natural leaves and mix different recurring elements in Varejão’s work, such as the reference to ceramics and its surface cracking, as well as the use of a wide range of visual, historical, and symbolic references, critically recontextualized in rich parodies.
Exhibitions that show two artists side-by-side, and with such distinct life stories, are rare in Brazil. In this case, everything began with the great retrospective of Paula Rego’s work that took place at Pinacoteca (São Paulo, 2011). Since then gallerist Márcia Fortes planned to bring the two artists together. The meeting became a reality in October 2016, in London. And from there came the idea of the show. The selection of works was almost natural, emphasizing the most recent production of the Portuguese-English artist.
Among the selected works is a large mobile, in which frightening mermaids seem to make a macabre dance around the visitor, and which will open the exhibition, along with a painting by Varejão that has a very sculptural character, in which there is an eruption of marine elements, with crabs and lobsters as if jumping into space. “It’s an embodied, explosive dialogue,” says Márcia Fortes. “Both seem to duel with the world at different moments,” she adds.
“I see myself totally as an apprentice, I think Paula is a master,” says Adriana, adding: “It is very difficult to respond to the work of a person whom you admire so much.” This is one of the reasons for choosing already existing works; to search for the points of contact between the works, such as curiosity, the sometimes perverse fascination about the role of women in the intimate or social game, or the strong ornamental character and the exploration of contrasts typical of the baroque tradition, so dear to both artists. It will, however, be up to the visitor to seek the points of confluence and of distance. “It’s an open study and it’s nice that the audience can complement this reading,” says the gallerist.