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junho 28, 2017
Tracey Moffatt no MASP, São Paulo
A exposição apresenta três vídeos da série Montages da australiana Tracey Moffatt, que atualmente ocupa o Pavilhão da Austrália na 57a Bienal de Veneza.
Feitos com cenas de filmes comerciais e hollywoodianos, os vídeos tratam de questões de raça, gênero e alteridade, em consonância com a temática da sexualidade a qual o MASP se dedica neste ano.
Concomitante à exposição Miguel Rio Branco: nada levarei qundo morrer, o MASP inaugura outras duas mostras dedicadas à temática da sexualidade: Toulouse-Lautrec em vermelho, que apresenta 75 obras do francês Henri de Toulouse-Lautrec (1864-1901), cujas composições retratam cabarés, maisons closes e personagens da vida noturna parisiense do século 19; e Tracey Moffatt: Montagens, que ocupa a sala de vídeo do 2º subsolo do Museu com três vídeos da série Montages [Montagens] (1999-2015), LIP [Atrevimento] (1999), LOVE [Amor] (2003) e OTHER [Outro] (2009).
A australiana Tracey Moffatt (Brisbane, 1960) realizou a série Montages ao longo de uma década, de 1999 a 2015, com a colaboração do editor Gary Hillberg. A série compreende um total de oito vídeos, que criam novas narrativas a partir de cenas de filmes comerciais, muitos hollywoodianos, mas também clássicos do cinema mundial. Nos três vídeos exibidos no MASP, Moffatt lida com estereótipos e personagens arquetípicos do inconsciente coletivo ocidental, tratando de questões de raça, gênero e alteridade.
LIP apresenta trechos de filmes em que atrizes negras, aborígenes e latinas interpretam papéis de empregadas domésticas, serventes e babás, realizam seus afazeres e interagem com suas “patroas”, geralmente representadas por atrizes caucasianas. Ao som de Chain of Fools e Think, de Aretha Franklin, as trabalhadoras desafiam suas chefes por meio de falas sem restrições, que revelam verdades, sem “papas na língua”. Desses atos, que podem ser interpretados como “atrevimento” pelas empregadoras, deriva o título do vídeo, LIP. A palavra é uma redução da expressão inglesa giving lip, que se refere a atos de insubordinação, nos quais uma pessoa em situação subordinada dirige comentários jocosos e “atrevidos” a um superior. A obra questiona os papéis, frequentemente relegados às mulheres negras, mas também latinas e indígenas, pelo cinema e propõe uma desconstrução de um pensamento colonial, de que este grupo possa, de alguma forma, ser tratado como subserviente.
LOVE é uma compilação de trechos em que um homem e uma mulher interagem entre si, geralmente, em situações de envolvimento afetivo ou sexual. Ao som de (Where Do I Begin?) Love Story, interpretada por Shirley Bassey, o amor romântico é representado por cenas de beijos, carinhos e trocas de olhares apaixonados. A música é então interrompida e as mulheres passam a ser retratadas como desequilibradas e são tratadas como sujeito das causas do fim do amor e do relacionamento. Dá-se uma sequência de cenas em que mulheres são acusadas de traições, de não serem capazes de preencherem papéis de esposas, mães, amantes e donas de casa, e por isso sofrem inúmeras agressões, sendo agarradas pelo braço, empurradas, rejeitadas, humilhadas e abandonas. A partir da metade do vídeo, as personagens reagem e assumem posições ativas: verbalizam suas insatisfações, revidam, lutam, batem, ameaçam, apontam armas de fogo em direção aos homens e, finalmente, atiram. Moffatt apoia-se na ideia do amor como um campo de batalha, atravessado por relações de poder baseadas em gênero e classe social.
Em OTHER, há uma aproximação de questões que tratam de colonialismo, alteridade e sexualidade. O filme é uma compilação de cenas em que há encontros com o outro, sejam esses pautados pela diferença étnica, social, racial ou sexual. A montagem inicia-se com momentos de reconhecimento visual do outro, identificado a partir de signos do vestuário, das marcas e traços corporais, da cor da pele, dos adereços e arranjos de cabelo. Há trocas de olhares e um fascínio estabelece-se entre as duas partes. Seguem-se, então, cenas de reconhecimento físico, em que ambos se tocam sutilmente até o contato transformar-se em abraço, beijos e no ato sexual em si. Moffatt finaliza a edição com imagens de explosões, que servem de metáfora para o clímax sexual e para desconstrução das diferenças que separavam as personagens.
Nos três vídeos exibidos, a sexualidade – eixo central da programação do MASP em 2017 – ganha novas camadas, mostrando que estas histórias também são atravessadas por narrativas coloniais, feministas e de gênero. Por sua vez, as outras duas mostras, Toulouse-Lautrec em vermelho e Miguel Rio Branco: nada levarei qundo morrer, estão em diálogo com as outras monográficas, de Teresinha Soares (Araxá, MG, 1927), Wanda Pimentel (Rio de Janeiro, RJ, 1943), Guerrilla Girls, Pedro Correia de Araújo (1874-1955) e Tunga (1952-2016), que compõem a programação do MASP em 2017. Todas essas exposições voltam-se para a mostra coletiva Histórias da sexualidade, ela também reunindo obras de diferentes períodos, territórios, meios, que discutem questões relacionadas à prostituição, ao nu, ao homoerotismo, aos jogos sexuais, ao ativismo feminista e queer, entre outros.
Tracey Moffatt: Montagens tem curadoria de Adriano Pedrosa, diretor artístico, e Isabella Rjeille, assistente curatorial do MASP.