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junho 14, 2017
Daniel Santiago no MAMAM, Recife
A partir do próximo dia 20 de junho, o artista Daniel Santiago vai ocupar o Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães (Mamam) com a exposição Daniel Santiago em dois tempos. A mostra, que conta com o apoio do Funcultura, é composta por cerca de 30 obras, muitas inéditas, selecionadas pela curadora Joana D´Arc Lima, que vê essa mostra como uma espécie de celebração e reconhecimento da trajetória do artista de 78 anos que começou sua carreira na década de 1960 e, hoje, 50 anos depois, segue atuando com uma enorme potência criativa.
O pavimento térreo do Museu será tomado por Um sonho de Ezra Pound, composta por 20 camas de solteiro prontas para receber os sonolentos que por lá passarem. O artista, cuja última individual na cidade aconteceu em 2011, conta que a ideia dessa obra nasceu quando ele ficou sabendo que o poeta Ezra Pound dizia que a realidade não é essa que vivemos, na verdade, a realidade é quando sonhamos. “Aqui, nós estamos lutando pela sobrevivência para poder sonhar. Nós estamos lutando para sobreviver e quando temos tempo vamos para a realidade que é exatamente o sonho. Queria levar as pessoas para essa realidade, e, para sonhar, é preciso dormir, por isso imaginei logo as camas”, conta.
Em diálogo com seu modo colaborativo de trabalhar, a produção da exposição decidiu fazer uma chamada pública via redes sociais para conseguir as 20 camas que compõem a obra, que, na verdade, mais que uma instalação ou performance, se apresenta como um happening. “Numa performance o artista domina, quando o público começa a interferir transforma-se num happening. Dormir, essa é a proposta”, pontua o artista que estará devidamente vestido com um pijama e que pretende passar a noite no museu. O ambiente terá uma iluminação e um clima propício, a partir do designer de montagem proposto pela também artista Beth da Mata.
Alguns colegas artistas receberam um convite especial para se engajar no happening e também passar a noite por lá. Mas, segundo ele, o convite a pernoitar no Mamam se estende a todo o público que também deve comparecer ao vernissage com o dress code proposto: pijama. Toda essa movimentação na inauguração será documentada em vídeo e passará a compor a mostra.
Para Joana D´Arc, esse formato e a escolha do happening tem total conexão com as questões que Daniel Santiago vem operando ao longo de sua trajetória, contando sempre com essa participação do outro. “Daniel é um artista incrível, que não para de criar. Em toda sua trajetória ele soube transitar por diversos suportes, desde os mais tradicionais como o desenho e a pintura, passando pela arte conceitual e as performances. Ele se adaptou muito bem aos novos meios e sabe explorá-los muito bem. Tem artistas que, ao longo do tempo, ficam presos no seu modo de criar ou ficam focados em atender a um certo mercado, mas Daniel está totalmente fora disso. Se há algo central na sua obra, é essa necessidade do outro, de ter essa interlocução”, pontua.
Dentro dessa proposta, foi preciso deixar as camas literalmente prontas para receber os convidados. A produção das fronhas e lençóis - feitos em tecido de algodão - ficou a cargo do também artista visual Carlito Person, que está compondo os 20 jogos de cama, utilizando técnica de estamparia artesanal com carimbos, cujas imagens remetem a personagens flutuantes que parecem caminhar para dentro de um sonho, naquele estado intermediário de vigília, que antecede a entrada no sono profundo. “Eu criei 11 figuras diferentes e fiz carimbos num tipo de borracha que dá ao trabalho um resultado próximo ao da xilogravura”, detalha Carlito. Também foi formatado um kit (numerado), composto pelo jogo de cama e um tapa olho, que pode ser adquirido pelo público.
Já no primeiro andar, será apresentada uma seleção de obras do artista desenvolvidas ao longo de sua carreira. Diante da diversidade de suportes, projetos, ideias e conceitos que perpassam o trabalho de Daniel, a produção optou por unificar o modo de apresentação dos mesmos. “Ao invés, de expor desenhos, pinturas, instalações, registros de performances, trazemos ao público essas 20 obras em lambe-lambe, no formato 90 x 120, além da exibição de seis vídeos”, explica a curadora, lembrando que também serão apresentadas algumas capas de livro feitas por Daniel Santiago quando ela atuava como designer da Prefeitura do Recife, entre 1984 e 2000.
Durante os últimos meses, ela iniciou uma vasta pesquisa no ateliê do artista e em seus arquivos para selecionar aquilo que iria compor a exposição. Nesse processo de seleção, não foram escolhidas apenas obras finalizadas, mas também projetos nunca realizados, rejeitados numa Bienal, por exemplo. “Pretendemos fazer certo deslocamento, trazer outros 'Danieis'. São ideias que muitas vezes não chegaram a ser materializadas, mas que tem força e fazem de seu arquivo algo pulsante”, diz Joana D´Arc. Para ela, entrar no universo de Daniel Santiago é perceber a sua sofisticação poética singular, que busca quase sempre referências na literatura, passando por Fernando Pessoa, Augustos dos Anjos, Becket, Hemingway, e o próprio Ezra Pound, fonte inicial para o desenvolvimento do happening dessa exposição. “O seu gesto poético é muito forte”, resume a curadora.