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junho 1, 2017
Flávio de Carvalho - Expedicionário na Caixa Cultural, Brasília
Exposição apresenta as expedições de Flávio de Carvalho como obras de cunho experimental: Fotografias, documentos, cadernos de viagem, matérias de jornal, e a projeção de uma edição do filme ‘A Deusa Branca’
Para Oswald de Andrade, ele era “o antropófago ideal”. Engenheiro civil, arquiteto, cenógrafo, artista plástico, escritor, performer, estilista... é difícil encontrar uma área de criação em que Flávio de Carvalho não tenha se aventurado. Segundo ele mesmo afirmava, o artista é como um arqueólogo, e ele, de certa forma, dá continuidade à herança expedicionária fundadora do Brasil. Esta faceta exploratória do homem que encarnou a vanguarda estará em foco na exposição Flávio de Carvalho - Expedicionário, que a Caixa Cultural Brasília apresenta de 7 de junho a 20 de agosto, na Galeria Vitrine.
Sob a curadoria de Amanda Bonan e Renato Rezende, foram reunidos resíduos e vestígios deixados por uma série de projetos de cunho experimental e expedicionário levados a cabo pelo artista modernista que se dedicou a quebrar regras, alargar os horizontes, romper as formas academicistas de tratar a arte. Flávio de Carvalho é sinônimo de invenção e polêmica.
A exposição será acompanhada de uma mesa-redonda a ser realizada no dia 10 de junho, contando com a mediação de Renato Rezende e a participação dos pesquisadores Ana Maria Maia, Veronica Stigger e Luiz Camillo Osório.
A EXPOSIÇÃO
Nos últimos dez anos, uma série de exposições e publicações tem revisitado a obra visionária de Flávio de Carvalho e sua relevância para o contemporâneo. Apontado como um titã da modernidade, um fenômeno da genialidade, Flávio de Carvalho continua provocando o mundo com seu pensamento contestatório. A imagem do artista passeando pelas ruas de São Paulo com o New Look, traje que ele criou como sendo ideal para o homem dos trópicos – saia de pregas, blusa de mangas bufantes, meia arrastão e sandália de couro – ainda hoje é capaz de chocar os incautos. Flávio de Carvalho é diverso e impossível de catalogar.
Flávio de Carvalho - Expedicionário propõe um olhar original sobre o pensamento múltiplo e incontido do artista. O objetivo da exposição é jogar luz sobre o aspecto expedicionário como abordagem estética intrínseca à obra de Flávio de Carvalho. O artista costumava se definir como “um arqueólogo malcomportado” (“com mais probabilidades de compreender o não-tempo”), que vasculhava as mais profundas camadas de sensibilidade, sem reverenciar o que ele chamava de “catecismo científico”. Na mostra está o pensamento deste que estabeleceu pontes para as práticas libertárias da arte brasileira.
A exposição é dividida em expedições, como a Viagem à Europa, 1934-1935, que rendeu os relatos do livro Os Ossos do Mundo (um verdadeiro caleidoscópio de questões e especulações que o artista desenvolveu a partir de observações sobre cada país), ou Rumo ao Paraguai (1943-1944) e Viagens aos Andes (1947), contendo dados e documentos dessa incursão do artista à América Latina. São fotografias, recortes de jornais e reproduções de partes de originais escritos à máquina. Há também a Viagem à Amazônia (1956), com projeção de uma edição do filme A Deusa Branca -- Flávio de Carvalho se integrou a uma expedição à região amazônica, para realizar um filme que uniria pesquisa etnográfica e drama ficcional de tons surrealistas, sobre uma menina branca raptada por índios.
O ARTISTA
Inquieto, controverso, performático, anedótico, Flávio de Carvalho não respeitou regras ou convenções para manifestar seu espírito livre e suas ideias visionárias. Nascido em família aristocrática na cidade de Amparo de Barra Mansa, no Rio de Janeiro, em 1899, viveu de 1911 a 1922 na Inglaterra, onde ser formou em Engenharia Civil, ao mesmo tempo em que fazia um curso noturno de artes plásticas na King Edward Seventh School of Fine Arts. Foi nesta época que teve os primeiros contatos com os vanguardistas europeus.
De volta ao Brasil, não consegue de adaptar ao estilo formal do mercado de construção da época. Em 1926, emprega-se como ilustrador no Diário da Noite, onde conhece Di Cavalcanti, então atuando como caricaturista do jornal, que o apresenta ao grupo antropofágico de Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral. Um ano depois, participa do concurso para o Palácio do Governo de São Paulo, com um projeto bastante discutido, que se destaca pelo aspecto monumental do edifício, marcado pela decomposição dos volumes e pela intensidade dramática dos jogos de luzes dos holofotes. Flávio de Carvalho participaria ainda de vários concursos, sem nunca ser premiado – entretanto seus projetos são considerados pioneiros da arquitetura moderna do Brasil.
Pintor, desenhista, arquiteto, cenógrafo, decorador, escritor, teatrólogo, engenheiro e performer, Flávio de Carvalho tinha fascínio pelo nu feminino (que ele explorou em traços de grande erotismo) e pelo retrato. Apresentou seu trabalho pela primeira vez em 1931, durante o Salão Revolucionário da Escola de Belas Artes, ao lado de artistas como Portinari, Cícero dias, Lasar Segall. No mesmo ano, realiza o polêmico Experiência nº 2, em que caminha com boné na cabeça de forma desafiadora, em sentido contrário ao de uma procissão de Corpus Christi. Sua intenção era testar os limites de tolerância e a agressividade de uma multidão religiosa. Foi quase linchado.
Em 1932, luta a favor da Constituição na Revolução Paulista, abre um ateliê e funda o Clube dos Artistas Modernos – CAM, ao lado de Antonio Gomide, Di Cavalcanti e Carlos Prado. Em 1933, cria o Teatro da Experiência, com o qual encena o espetáculo de dança-teatro Bailado do Deus Morto. No ano seguinte, faz sua primeira individual, que é fechada pela polícia sob a acusação de “atentado ao pudor” e só é reaberta após ordem judicial.
Nova polêmica viria em 1947, quando realiza os desenhos da Série Trágica, na qual retrata a morte da própria mãe. A exposição lhe rendeu a alcunha de “pintor maldito”. Em 1950, representa o Brasil na Bienal de Veneza. Em 1953, desenha os figurinos e o cenário do bailado A Cangaceira, de Camargo Guarnieri. Nas décadas de 1950 e 1960, pinta nus femininos, dedica-se ao desenho, à aquarela e à gravura.
Em 1956, para concluir uma série de artigos sobre moda na coluna ‘Casa, Homem, Paisagem’, para o Diário de São Paulo, lança o famoso New Look, o traje que ele mesmo criou como sendo o ideal para o homem dos trópicos, desfilando pelas ruas de São Paulo, causando escândalo e chocando a multidão.
Irreverente, provocador, sua pintura, desenho e escultura estão permeadas pelas propostas surrealistas e expressionistas. Falecido em 1973, em seus últimos trabalhos, utiliza novos materiais, como tinta fosforescente para luz negra. É considerado um precursor do artista multimídia e da performance no Brasil.
CURADORIA
AMANDA BONAN
Mestre em História da Arte pela UERJ, é produtora cultural, curadora e pesquisadora em artes visuais, cinema e novas midias. Dentre as principais curadorias estão O Gráfico Amador, exposição na Caixa Cultural São Paulo, em 2017; as mostras de cinema Cinecittà: a fábrica de sonhos, em 2016, e O Cinema verdade de Pennebaker e Chris Hegedus, em 2015, na Caixa Cultural Rio de Janeiro; entre outros projetos pelo Brasil. Trabalhou também na equipe de curadoria no projeto Europalia Brasil, na Bélgica e foi consultora da UNESCO no setor cultural.
RENATO REZENDE
Escritor, curador e artista visual, é autor de vários livros, entre eles: No contemporâneo: arte e escritura expandidas (com Roberto Corrêa dos Santos), Experiência e arte contemporânea (com Ana Kiffer), Conversas com curadores e críticos de arte (com Guilherme Bueno), Poesia e vídeoarte (com Katia Maciel), Poesia brasileira contemporânea – crítica e política e Flávio de Carvalho (com Ana Maria Maia), entre outros.