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maio 29, 2017
Ricardo Basbaum na Jaqueline Martins, São Paulo
A partir do dia 3 de junho, uma seleção em grande parte inédita, feita pela curadora Marta Mestre, de desenhos, pinturas, fotografias, peças gráficas, vídeos e objetos produzidos entre 1981 e 1996, propõe conexões com o presente através da revisitação das décadas
Pensada a partir de um percurso não-cronológico sobre uma produção extensa e pouco vista de Ricardo Basbaum em torno de alguns dos núcleos mais consolidados de seu trabalho dos anos 80 e início dos anos 90, tais como, uma série de Pinturas e experiências em espaço público (1985-87), a série Cabelo (1985-86), o projeto Olho (1984-1990) e o projeto NBP - Novas Bases para a Personalidade (iniciado em1989/90), a exposição Ricardo Basbaum: corte-contaminação-contato abre dia 3 de junho, na Galeria Jaqueline Martins, em São Paulo, com a curadoria de Marta Mestre.
“A exposição coloca em evidência a necessidade de revisão dos relatos estabelecidos sobre a arte dos anos 1980 e 1990, a partir de um corpus de trabalho aberto a uma constelação de referências cruzadas, e que amplia as relações do universo de arte brasileiro com contexto internacional: da atuação no espaço público de Antoni Muntadas às estéticas do it yourself (DIY), do Poema-processo de Wlademir Dias Pino ao uso de novos suportes e mídias por Julio Plaza, dos slogans de Barbara Kruger à ideia de participação de Hélio Oiticica e Lygia Clark, etc”, afirma Marta.
Ocupando os dois pisos da galeria, a mostra percorre tanto os impasses e as oscilações criativas quanto os projetos mais consolidados, dando especial ênfase à ideia de “série”, procedimento utilizado pelo artista como forma de criar sequências que são ao mesmo tempo visuais e discursivas, muitas vezes propensas à “contaminação” ou mesmo à “viralização” – conceito forjado na cultura mediática daqueles anos, imediatamente anterior à revolução digital que viria a seguir.
No primeiro piso, apresenta-se aquilo que se pode considerar como um “reader” ou guia de leitura do léxico do artista. Através de desenhos, croquis, livros, anotações, documentação, textos, filipetas, etc, organizados sobre mesas de trabalho, acompanha-se o processo criativo e reflexivo de Ricardo Basbaum.
Reunem-se aqui alguns de seus “primeiros escritos”, assim como os marcos conceituais da sua “invenção como artista”, simultaneamente e discursiva, sendo possível entender as linhas de atuação ali adotadas, que se distanciam criticamente do regresso à pintura típico dos anos 1980, e propõem novos sentidos para a arte enquanto experiência afetiva e sensorial da sociabilidade e da linguagem – percurso de trabalho que o artista irá aprofundar no desdobramento de sua obra até a atualidade.
No segundo piso da galeria, três núcleos que correspondem às três etapas enunciadas no título da exposição: “corte”, “contaminação” e “contato”. Um primeiro conjunto de pinturas de 1985 e uma “pintura/instalação” (série Raio-X) de 1987, dominadas de signos Pop em cores primárias sobre fundos preto ou cinza, evidenciam um “impulso gráfico” feito de linhas diagramáticas e imaginário mediático, que em meados da década seguinte viria a dar corpo ao projeto de longa-duração da série Diagramas.
Recentemente os Diagramas foram objeto de uma exposição antológica no Centro Galego de Arte Contemporánea (2013, Santiago de Compostela, Espanha) e publicados em forma de livro pela editora Errant Bodie Press (2016, Berlim, Alemanha): Ricardo Basbaum: Diagrams, 1994 – ongoing.
Um segundo núcleo comporta um conjunto de fotografias – série Corte de Cabelo, 1985/86 – que coloca em evidência o corpo do artista. Etapas de um corte de cabelo e uma situação em que Ricardo Basbaum aparece travestido, misto de personagem oriental e de figura do universo dos quadrinhos, apontam para caminhos de “desconstrução” de identidades e referentes culturais. A série Corte de Cabelo, 1985/86, marca a passagem das experiências com pintura e das intervenções em meios de comunicação de massa (da Dupla Especializada) para o projeto “Olho” – este, funcionando como logomarca “viral” que o artista cria em 1984, um elemento omnipresente e contaminador, em postais, stickers, vídeos, calendários, filipetas, etc.
Um novo diagrama feito especialmente para esta exposição é apresentado neste núcleo, mediando imagens e palavras a partir de uma ferramenta de conectividade, que costura a produção do artista, desde os anos 80 até hoje. "Este novo diagrama aponta algumas inter-relações de diversas etapas de meu trabalho, atualizando-as a partir do que constitui minha prática hoje, em suas principais linhas de força. Procuro mostrar uma prática de artista que se organiza a partir de núcleos geradores de interesse, ao mesmo tempo visuais e discursivos, que adquirem maior densidade e espessura à medida que se distribuem em contato com sua recepção, explorando regiões de repetição e oralidade", conta Basbaum.
É também apresentada a primeira cápsula NBP, de 1993, um objeto escultórico construído em escala corporal, visando a utilização participativa, que vem a abrir caminho para os projetos arquitetônico-escultóricos que seriam retomados a partir dos anos 2000, da mesma série que foi adquirida pela Tate Collection e apresentada em instalação na inauguração da Nova Tate Modern, Londres, 2016.
Ricardo Basbaum (1961) integra desde 2016 o time de artistas da galeria Jaqueline Martins junto com Stuart Brisley, Hudinilson Jr e o coletivo 3nós3, entre outros.
Mais informações sobre as obras
- um conjunto de obras realizadas pela Dupla Especializada (formada por Alexandre Dacosta e Ricardo Basbaum), compreendendo 5 cartazes (1981 e 1984), uma filipeta (1984) e o vídeo Egoclip (1985);
- um conjunto de cinco filipetas (uma delas em parceria com Márcia Ramos) que acompanharam diversos projetos do artista entre 1986 e 1991, funcionando como processo de elaboração teórico-crítica e propondo um léxico de contato com o público, sendo distribuídas na ocasião aos visitantes das exposições;
- desenhos em sua maioria inéditos, provenientes de cadernos do artista (de 1985 a 1993), onde aparecem os projetos “Olho” e “NBP - Novas Bases para a Personalidade” e onde se cultiva o impulso gráfico do desenho, da escrita e da impressão;
- certidão de cartório de registro da marca “Olho” (1985), logomarca criada com o objetivo de ativar e mobilizar a percepção do espetador por via dos meios de comunicação;
- Memory Exercices, uma série de 25 desenhos a nanquim, inéditos, realizados em 1994 em Londres, em que o artista explora processos de memorização, incorporação e contágio;
- um conjunto de múltiplos da série NBP - Novas Bases para a Personalidade (crachá), de 1990, construídos como objetos de uso que conduzem o espectador pelos protocolos de relacionamento com a obra de arte;
- textos como o manifesto “O que é NBP?” (1990) e publicações como "Pintura dos anos 80: algumas observações críticas", publicado em 1988, na importante revista Gávea (Rio de Janeiro), ou Manual do artista-etc, publicado em 2013 (Rio de Janeiro, Azougue).
- obra de parede “4 Manifestos”, em sua versão original em inglês, acompanhada de folhetos para distribuição: I am against [Sou contra]; I re.fuse [Eu des.faço]; an ART OBJECTOR is an art object which objects [um OBJETANTE DE ARTE é um objeto de arte que objeta]; HYBRIDIZATION = INCORPORATION + INTERACTION [HIBRIDIZAÇÃO = INCORPORAÇÃO + INTERAÇÃO]. A partir de frases curtas e compactas e aproximando-se de uma ideia circular, de uma tautologia ou de rima, “4 Manifestos” elabora uma reflexão acerca das relações entre artista e sociedade a partir do local histórico do manifesto, indicando a necessidade de acessar outros modos de construção de fala, incorporando a dimensão sensível sem abrir mão da construção discursiva.
- Vídeos espalhados pela galeria testemunham as ações coletivas e individuais destes anos:
Egoclip 14’49” (1985)
Entre 1981 e 1990 os artistas Alexandre Dacosta e Ricardo Basbaum formaram a “Dupla Especializada”, realizando no Rio de Janeiro uma série de ações, performances e intervenções, dentro do projeto de “intervir em meios de comunicação de massa”. Vídeo realizado por Sandra Kogut e Andrea Falcão.
É a questão? 10’48” (1987-1991)
Uma logomarca simples, na forma de um Olho, é disseminada pelo campus da Universidade, através da utilização de suportes como cartazes e filipetas. O vídeo registra o trabalho desenvolvido por Ricardo Basbaum em sua temporada como artista-residente na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), de abril a novembro de 1987.
O que é NBP? Fragoso Baixada 4'52" (1990) / NBP: CEP 20000 Arpoador 8'27" (1993)
Estes dois vídeos registram leituras públicas de textos em torno do projeto NBP, realizadas em espaços de manisfestações coletivas de artistas. No primeiro vídeo, o texto O que é NBP? é lido em três linguas simultâneas (português, inglês e francês) por Ricardo Basbaum, Alex Hamburger e Márcia X em evento na Baixada Fluminense. No segundo, a leitura do texto "NBP para o povo, para a massa, para o mundo" ocorre no evento CEP 20000 Arpoador, com a participação de Ricardo Basbaum, Alex Hamburger, Márcia X e Ana Margarida Cartaxo. Vídeos realizados por Aimberê Cesar.
Ricardo Basbaum (São Paulo, 1961) vive e trabalha no Rio de Janeiro. Artista e escritor, participa regularmente de exposições e projetos desde 1981. Exposições individuais recentes incluem the production of the artist as collective conversation (Audain Gallery, Vancouver, 2014), nbp-etc: escolher linhas de repetição (Galeria Laura Alvim, Rio de Janeiro 2014), Diagramas (Centro Galego de Arte Contemporánea, Santiago de Compostela, 2013) e re-projecting (london) (The Showroom, Londres, 2013). Participou da documenta 12 (2007), da 20ª Bienal de Sydney (2016), da 30ª e 25ª Bienal de São Paulo (2012, 2002) e de The School of Kiev (2015), entre outros eventos. Em 2015 desenvolveu projeto para It Might be Possible that the World Itself is Without Meaning* - Performances, actions, and interventions in urban space (Stadtkuratorin, Hamburgo). Curador de Mistura + Confronto (Central Electrica do Freixo, Porto, 2001) e co-curador do Panorama da Arte Brasileira (MAM-SP, 2001), On Difference #2 (Kunstverein Stuttgart, 2006) e pogovarjanja/conversations/conversas (Skuc Gallery, Ljubljana, 2006). Co-editor da revista item (1995-2003) e co-diretor da agência Agora (1999-2003, Rio de Janeiro). Sua produção de diagramas está reunida no livro Diagrams, 1994 – ongoing (Errant Bodies Press, 2016). Autor de Manual do artista-etc (Azougue, 2013), Ouvido de corpo, ouvido de grupo (Universidade Nacional de Córdoba, 2010) e Além da pureza visual (Zouk, 2007). Trabalhou como Professor do Instituto de Artes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro de 1998 a 2016. Professor Visitante da Universidade de Chicago entre outubro e dezembro de 2013. Artista Residente da Audain Gallery (Vancouver) em outubro de 2014. Atualmente é Professor do Departamento de Artes da Universidade Federal Fluminense.
Marta Mestre (Beja, 1980), portuguesa, atualmente vive e trabalha no Brasil, Marta Mestre é curadora, crítica de arte e docente. Graduada em História da Arte, com mestrado em Cultura e Comunicação/ Museologia, fez a sua formação académica na Universidade Nova de Lisboa e na Université d’Avignon et des Pays de Vaucluse. Foi curadora do Instituto Inhotim, Brumadinho, Minas Gerais (2016-2017), curadora-assistente do MAM - Rio de Janeiro (2010-2015), e coordenadora de programação do Centro de Artes de Sines, Portugal (2005-2008). Foi curadora convidada da Escola de Artes Visuais Parque Lage, Rio de Janeiro, 2016. Atua desde 2005 como curadora, maioritariamente em museus e instituições culturais públicas e privadas, tendo desenvolvido vários projetos de curadoria individual ou coletivamente. Faz acompanhamento de projetos artísticos, pesquisa em arquivos de artista e institucionais, e consultoria de políticas públicas para a cultura.