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maio 10, 2017
Topografias Intermitentes na Casa Nova Arte, São Paulo
Artistas brasileiros e argentinos dialogam sobre os efeitos da ação humana sobre a paisagem em mostra
Resultado de uma residência artística que a curadora Thais Gouveia fez em Buenos Aires em 2016, como parte do Prêmio C.Lab Mercosul, a Casa Nova Arte e Cultura Contemporânea recebe a exposição Topografias Intermitentes que reúne em torno de 15 obras de nove artistas brasileiros e argentinos que têm em comum a discussão sobre os efeitos das ações humanas sobre a paisagem circundante. Sempre com um pensamento ecológico, social e político.
Em pinturas, instalações, esculturas e fotografias, os artistas refletem sobre o gênero da paisagem dentro do cenário atual - marcado por numerosos desastres ambientais, extinções em massa, crises econômicas, guerras, migrações e fechamento de fronteiras. “Quando os meios de comunicação e ciberespaço se tornam os principais instrumentos de relacionamento humano com o mundo, o que se instala é uma ausência ilusória de limites e uma grande distância entre a realidade material finita, gerando desorientação e negação da própria vida e seus estágios naturais de início, meio e fim”, afirmou a curadora, que se baseou em livros de filosofia para elaborar a exposição como A cultura-mundo: resposta a uma sociedade desorientada, de Gilles Lipovetsky e Jean Serroy.
Os brasileiros Beto Shwafaty e Renata Padovan e o argentino Samuel Lasso tratam aspectos políticos e governamentais. Renata apresenta a instalação de acrílico Escape Routes, cujas linhas remetem à fronteiras geopolíticas - incluindo Sudão, Síria e Coréia do Norte - atravessadas por refugiados e emigrantes em suas rota de fuga de regimes totalitários ou em profunda crise -, e Shwafaty em Projeções (Planos em Progresso) X, onde a figura geométrica, herança do Concretismo, é apresentada aqui como referência racional humana tanto para demarcar territórios quanto para projeções desenvolvimentistas. As cores do trabalho remetem ao petróleo e ao logotipo da Petrobrás.
Em Timelapse, uma pequena caixa com terra, areia e pedras recolhidas no deserto do Atacama ao lado de uma placa que indica o tempo que estiveram os primeiros habitantes da região, Moscheta faz o gesto de guardar a memória deste território como uma espécie de arquivo. Enquanto, Carolina Zancolli investiga a memória de sua infância nas paisagens de Córdoba em obras em vidro, cimento e impressão fotográfica que traduzem a construção de um relato próprio a partir da história que a paisagem conta.
Os impactos ambientais são tocados fortemente no trabalho de Santiago Porter e Renata de Bonis. Porter apresenta parte da série Brumas, resultado de uma grande viagem que começou em 2007, na Argentina e segue até hoje, para fotografar locais onde a aparência da paisagem foi modificada, tanto por decisões políticas como pelo peso da própria história. Já De Bonis transforma o espaço da exposição em uma paisagem permeável e frágil, convidando o espectador a examinar as conchas preenchidas com cimento no chão. Ao preencher os espaços vazios das conchas, a artista bloqueia aos ouvidos humanos o ruído da quebra das ondas na costa criando um silêncio melancólico.
Uma dimensão mais abstrata e subjetiva permeia as obras de Mariana Sissia e Sol Pochat. Misturando elementos orgânicos, grafite, papel e a técnica da frottage, as duas artistas revelam o intento artístico de entender a universo ao reduzí-lo a um nível inteligível. "De acordo com Rancière, seria próprio da arte inscrever em nossa compreensão o rastro do impensável, essas camadas de mundo que ainda não podemos conceber, 'fazendo-nos ver' cartografias até então invisíveis. O gesto dos nove artistas de apropriar-se da paisagem - através de desenhos, pinturas, medições cronológicas e geometrias - instala no espaço expositivo novas formações topográficas", completa a curadora.
Agradecimentos: Galeria Luisa Strina, Galeria Hilo, Galeria Rolf Art, Galeria Vermelho, Galeria BFA Boatos, Gachi Prieto, Proyecto PAC e Blau Projects.