|
abril 5, 2017
Nada levarei quando morrer, aqueles que me devem cobrarei no inferno no Galpão VB, São Paulo
A Associação Cultural Videobrasil e a SP-Arte apresentam Nada levarei quando morrer, aqueles que me devem cobrarei no inferno, exposição realizada em parceria entre as duas instituições. A abertura acontece no dia 6 de abril de 2017, quinta-feira, às 19h, no Galpão VB. A mostra apresenta trabalhos de Caetano Dias, Claudia Andujar, Miguel Rio Branco, Gisela Motta e Leandro Lima, Rodrigo Bueno, Rodrigo Braga, Runo Lagomarsino e Virginia de Medeiros, como parte da programação da SP-Arte, que acontece entre 6 e 9 de abril no Pavilhão da Bienal.
Para Solange Farkas, diretora do Videobrasil e curadora da exposição ao lado de Gabriel Bogossian, o projeto SP-Arte no Galpão VB consolida a parceria iniciada em 2015, responsável por apresentar no espaço da Associação o site-specific Agridoce, do artista sul-africano Haroon Gunn-Salie. “Agora, ampliamos nossa parceria. O projeto possibilita outros olhares sobre as obras desses artistas, ao mesmo tempo que contribui para a expansão do Festival, inserindo o Galpão VB no roteiro de suas exposições paralelas, com nomes consagrados no circuito das artes”.
Para Fernanda Feitosa, este é um encontro que reverbera os propósitos da SP-Arte em 2017. “Sedimentados como Festival, vamos ocupar ainda mais a cidade com arte nesta edição. Vigorosa parceira, a Associação Cultural Videobrasil – há mais de 30 anos na ativa – é a melhor tradução do que precisamos conhecer da produção contemporânea que dialoga com o vídeo, o que representa bem nosso encontro artístico.”
Nada levarei quando morrer, aqueles que me devem cobrarei no inferno fica em cartaz no Galpão VB até o dia 17 de junho de 2017, com entrada gratuita.
+ sobre a exposição
Refinado observador da cultura de seu tempo, o cineasta italiano Pier Paolo Pasolini buscou articular, em seus filmes e textos, uma crítica às transformações sociais então em curso na Itália e um registro de certas práticas culturais que, segundo ele, estariam desaparecendo. Em O Evangelho Segundo São Mateus (1964), por exemplo, Pasolini filma com não atores, vários deles camponeses do sul da Itália – região historicamente mais pobre do país –, realizando ao mesmo tempo uma espécie de homenagem ao catolicismo popular e um registro da máscara do rosto desse homem comum, marcada pelo trabalho no campo. “São imagens de corpos e práticas culturais dissidentes em relação às então novas formas hegemônicas que se impunham à heterogeneidade das culturas italianas”, explica o cocurador da exposição, Gabriel Bogossian.
A exposição Nada levarei quando morrer, aqueles que me devem cobrarei no inferno toma partido desse pensamento, transportando-o para o contexto brasileiro. Aqui, populações urbanas e povos indígenas seguem sob ameaça, seja de projetos de reforma urbanística que não levam em conta a necessidade de inclusão social, seja por empreendimentos de infraestrutura que inviabilizam modos de vida tradicionais. Nesse universo, obras de Caetano Dias, Miguel Rio Branco e Virgínia de Medeiros, por um lado; e de Claudia Andujar, Gisela Motta e Leandro Lima, Rodrigo Bueno, Rodrigo Braga e Runo Lagomarsino, por outro, aproximam-se na abordagem do transe – espiritual, emocional ou erótico –, do sexo e da morte, a partir de uma perspectiva crítica e heterodoxa. Para Bogossian, “o repertório simbólico, resultado do diálogo proposto por estes artistas e sua relação com práticas religiosas não ocidentais, acaba por configurar um lugar de resistência de modos e formas de vida que permanecem, insistindo em afirmar sua força e, sobretudo, sua diferença”.
Se o pensamento do cineasta italiano sobre um patrimônio cultural que desaparece é o ponto de partida da exposição, seu título – Nada levarei quando morrer, aqueles que me devem cobrarei no inferno, emprestado da obra de Miguel Rio Branco – reforça a ideia de morte, presente também em uma das obras de Claudia Andujar, Casulo humano (rito mortuário). “A morte representada na obra de Claudia está integrada aos ciclos naturais da vida, e não só da vida humana. Talvez seja isso que a gente queira criar no Galpão VB: um lugar multiespécie, onde convivem seres de vários mundos e universos, quase como uma espécie de morada dos espíritos”, finaliza.
+ sobre as obras e artistas
CAETANO DIAS | Feira de Santana, Brasil, 1959
As relações entre corpo e identidade, e memória e pertencimento são alguns dos principais eixos da pesquisa do artista, que trabalha com vídeo, videoinstalação, filme, fotografia, instalação e performance. Foi premiado no 16º Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil (2007) com residência no Le Fresnoy, em Tourcoing, França. Dentre as exposições coletivas, destacam-se Do Valongo à Favela, Museu de Arte do Rio de Janeiro (2014); III Bienal da Bahia (2014) e 29º Panorama da Arte Brasileira, Museu de Arte Moderna de São Paulo (2005). Vive e trabalha em Salvador.
Uma
vídeo, 2005
Obra que surge a partir de um evento fortuito, Uma é composta por um plano sem cortes que, como a subjetiva de um voyeur, mostra um homem e uma mulher abraçados dentro da água, em uma praia. A coreografia dos corpos sugere que, em plena luz do dia e à vista de todos, os dois fazem amor – a "uma" a que o título se refere. A câmera, voyeurística e irônica, acompanha os dois até que eles saiam do mar e a mulher, cansada, se sente na areia.
CLAUDIA ANDUJAR | Neuchâtel, Suíça, 1931
Desde o início de sua carreira, Andujar interessou-se por temas e grupos à margem da cultura dominante – dos internos de um hospital psiquiátrico a participantes de sessões espíritas –, registrando a potência vital dos personagens fotografados. Sua atividade como fotojornalista leva-a primeiramente à tribo dos Carajás e, em 1971, ao povo Yanomami, então recém contatado. Reconhecida internacionalmente, sua produção integra o acervo dos principais museus do mundo, como o MoMA, em Nova York; a Maison Européene de la Photographie, em Paris; e o Instituto Inhotim, em Brumadinho, Brasil. Publicou os volumes Marcados (2009), A vulnerabilidade do ser (2005), e Yanomami (1998), entre outros. Vive e trabalha em São Paulo.
Sem título
Slideshow com seleção do livro Amazônia, 1978
série Casa
fotografia, 1976
Publicadas pela primeira vez no livro Amazônia – realizado em parceria com George Love e atualmente esgotado –, este conjunto de imagens dá testemunho de um fragmento da floresta, tomada em sua complexidade humana, animal e vegetal. A sequência projetada em slideshow registra um momento lúdico de um grupo yanomami na mata. Ao contrário do que se vê em séries mais famosas da artista, aqui a presença dos corpos frente à câmera produz imagens delicadas, onde os yanomami brincam e conversam, como se partilhassem um espaço familiar. Casulo humano, por sua vez, mostra parte do rito fúnebre yanomami, no qual o cadáver é posto em uma espécie de casulo, por sua vez preso a uma estrutura de madeira na mata até que ele seque totalmente, para então ser cremado e ter suas cinzas misturadas ao mingau que seus parentes partilharão.
MIGUEL RIO BRANCO | Las Palmas de Gran Canária, Espanha, 1946
A obra de Miguel Rio Branco desdobra-se em pinturas, fotografias, filmes e instalações, frequentemente atuando no limiar entre essas linguagens. Seus trabalhos apresentam um mundo violento e fragmentado, conduzindo o público por zonas sombrias do tecido social e da subjetividade humana. Exibe internacionalmente desde a década de 1980, tendo obras em acervos de instituições como o Museu de Arte Moderna de São Paulo; o Instituto Inhotim, em Brumadinho; o Centre Georges Pompidou, Paris; e o Stedelijk Museum, em Amsterdã. Publicou os volumes Dulce Sudor Amargo (1985), Silent Book (1998), e Maldicidade (2014), entre outros. Vive e trabalha em Araras, Brasil.
Nada levarei qundo morrer, aqueles que mim deve cobrarei no inferno
vídeo, 1979-80
Nada levarei qundo morrer, aqueles que mim deve cobrarei no inferno reúne fotografias e trechos audiovisuais produzidos por Miguel Rio Branco no bairro do Maciel, na região do Pelourinho, em Salvador. As imagens registram o cotidiano dos bares e prostíbulos do local, seus moradores e frequentadores. É em meio a fragmentos desse cenário que a frase-título aparece, escrita de batom sobre um espelho, ao fim do filme.
GISELA MOTTA E LEANDRO LIMA | São Paulo, Brasil, 1976
Formados em Artes Plásticas pela FAAP em 1999, Motta e Lima trabalham desde então em dupla, desenvolvendo uma investigação na qual tecnologias distintas são exploradas em obras onde conceito e técnica se determinam conjuntamente e frequentemente põem a relação com o espectador em primeiro plano. Participaram de diversas mostras coletivas no Brasil e no exterior, como 1ª Bienal Fin del Mundo, Argentina (2007); a 10ª Bienal de Havana (2009); e A Arte e a Ciência: Nós entre os extremos, no Instituto Tomie Ohtake, São Paulo (2015). Entre as exposições individuais, destacam-se In.Situ.Ações, MAMAM no Pátio, Recife (2011); e Sopro, CCBB, Rio de Janeiro (2012). Vivem e trabalham em São Paulo.
Yano-a
videoinstalação, dimensões variáveis, 2005
Yano-a foi desenvolvida a partir da apropriação de uma fotografia em preto-e-branco de uma maloca Yanomami incendiada, realizada em 1976 por Claudia Andujar. Os artistas buscaram atualizar o instante em que essa imagem foi registrada, recriando de maneira analógica o movimento do fogo e as refrações do calor a partir da projeção dessa fotografia através de uma camada de água. Em outra composição, um projetor adiciona à imagem original o registro animado das chamas extraído dos fotogramas que documentaram o incêndio, nos recolocando exatamente diante do momento em que essa maloca se perpetua queimando.
RODRIGO BUENO | Campinas, 1967
Trabalhando em instalações e objetos a partir de materiais como ferro, madeira e outros elementos orgânicos, Bueno reflete sobre a memória urbana através dos resíduos da cidade. Sua prática inclui a realização de oficinas e atividades colaborativas, além da coordenação do Ateliê Mata Adentro. Realizou as exposições individuais A Ferro e Fogo, na Galeria Marília Razuk, em São Paulo (2016); e o solo project na ArtBo, em Bogotá (2016); também participou das coletivas Transparência e Reflexo, no Museu Brasileiro da Escultura, São Paulo (2016) e Cruzeiro do Sul, no Paço das Artes, São Paulo (2015), entre outras. Vive e trabalha em São Paulo.
Emboaçava (lugar de passagem)
site specific, dimensões variáveis
Única obra comissionada para a exposição, o site specific Emboaçava (lugar de passagem) traz um fragmento do ateliê Mata Adentro para o interior do Galpão VB. Utilizando diversos elementos de seu repertório artístico, como grades de ferro de casas demolidas e pedaços variados da flora de São Paulo, Bueno explora o passado da Vila Leopoldina, bairro onde se encontra o Galpão VB, e seu papel na proteção da então nascente cidade de São Paulo contra invasores. O título da obra faz referência a um ponto próximo à atual ponte dos Remédios, onde era possível cruzar o rio Tietê a pé.
RODRIGO BRAGA | Manaus, Brasil, 1976
Reinventando o gênero natureza-morta, Braga compõe imagens e situações mesclando materiais como folhas, pedras, ossos, carne e carcaças de animais que desafiam a percepção comum do natural e do cultural, do real e do construído. Dentre suas principais exposições estão a 30ª Bienal de São Paulo (2013); Extreme, na Maison Européene de La Photographie, em Paris (2010); e More force than necessary, individual realizada no Flanders Fields Museum, Ypres, na Bélgica (2010). Vive e trabalha no Rio de Janeiro.
De natureza passional
vídeo, 2014
Mentira repetida
vídeo, 2011
Sem título (pedra e tronco)
fotografia, 2012
Embora não tenham sido concebidas como um conjunto, as três obras reunidas nesta exposição constituem um recorte representativo de parte da produção de Rodrigo Braga que, de maneira coerente e sistemática, vem refletindo sobre as relações entre natureza e cultura em fotografias e performances em vídeo. De natureza passional e Mentira repetida, em que o artista performa em meio à mata, relacionam-se com a floresta como lugar possível de acolhimento e abrigo, enquanto Sem título (pedra e árvore) registra um instante do lento e silencioso embate entre uma pedra e um tronco que cresce sobre ela.
RUNO LAGOMARSINO | Lund, Suécia, 1977
Filho de argentinos exilados na Suécia, Lagomarsino explora perspectivas alternativas às relações de poder em sua dimensão histórica, partindo com frequência de uma reflexão sobre a permanência da herança colonial na América Latina contemporânea. Trabalhando com instalações, esculturas, fotografias e vídeos, realizou exposições individuais na Nils Stærk, Copenhague, Dinamarca (2011 e 2013); e na The Swedish Contemporary Art Foundation, Estocolmo, Suécia (2012), entre outras instituições, além de ter participado de mostras coletivas no Museu Reina Sofía, Madri (2014); no Museu Guggenheim, Nova York (2014); e na 52ª Bienal de Veneza, Itália, (2011). Vive entre São Paulo e Malmö, Suécia.
We all laughed at Christopher Columbus
projeção de slide sobre MDF, 2003
Untitled
fotografia, 2012
One side and the other
pôster, 2014
El Dorado (título provisório)
folhas de ouro, lâmpada e vela, dimensões variáveis
Parte de um amplo conjunto de obras onde o artista aborda criticamente o papel dos museus a partir de uma perspectiva pós-colonialista, os quatro trabalhos fazem referência à importância dessas instituições como detentoras dos espólios produzidos pelo colonialismo e, por consequência, na consolidação dos estados nacionais europeus. Nestas obras, os materiais e imagens utilizados pelo artista – principalmente ouro e um fragmento de The First New Chronicle and Good Government (1612–1616), texto chave para a reconstituição do que foi a cultura inca – evocam a simultaneidade perversa dos ciclos de espoliação econômica e cultural.
VIRGINIA DE MEDEIROS | Feira de Santana, 1973
Em sua prática artística, baseada principalmente no uso do vídeo e da instalação, Virginia de Medeiros apropria-se de estratégias do documentário para rever os modos de interpretar o outro, tomando emprestadas formas de investigação antropológica e etnográfica. Participou do 32º Panorama de Arte Brasileira, no MAM de São Paulo (2011); da 2ª Trienal de Luanda (2010), Angola; e da 27ª Bienal de São Paulo (2006). Em 2009, recebeu o prêmio Rede Nacional Funarte Artes Visuais (2009). Vive e trabalha em São Paulo.
Cais do corpo
vídeo, 2015
Realizado durante as derradeiras etapas da “revitalização” mais recente realizada na Praça Mauá, na zona portuária do Rio de Janeiro, Cais do corpo constitui-se como uma espécie de registro dos últimos dias do universo de prostituição que florescia na região desde a década de 1930. Abordando sob um olhar crítico os projetos urbanísticos que gentrificam zonas inteiras das cidades sem nenhum planejamento de inclusão social, a obra encara a performatividade do corpo das prostitutas como prática social e política na qual se combinam, às vezes de modo singelo, erotismo e resistência.