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março 22, 2017

Quando o Mar virou Rio no MHN, Rio de Janeiro

A praia não é um território tão livre quanto se diz. Se seu uso começa como um hábito de elite, ainda hoje é um espaço cheio de códigos e signos que servem para identificar 'quem é de cada praia'. Mas o carioca não respeitou as imposições da elite. A cultura de praia vai além da orla e invade as lajes. A marquinha de biquíni é valorizada tanto em Olaria quanto no Leblon. O corpo bronzeado desfila também no calçadão de Campo Grande e no Mercadão de Madureira. Tem dias que a farofa é 'cult' e o isoporzinho é moda. E se não tem onda, o surfe é no trem. Por toda a cidade, a praia é parte do imaginário. Está no jeito de ser, de vestir, falar... a praia, no Rio, não é simplesmente uma formação geológica às margens do mar. É cultural, projeta-se no centro da identidade do carioca e não se limita aos contornos das faixas de areia"
(Isabel Seixas, Diogo Rezende e Letícia Stallone)

Entre os dias 24 de março e 28 de maio, o Museu Histórico Nacional vai estender a canga e abrir o guarda sol para receber a exposição Quando o mar virou Rio. A mostra foi idealizada e produzida pelo estúdio M´Baraká e pela produtora Logorama, com patrocínio da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, da Secretaria Municipal de Cultura por meio da Lei Municipal de Incentivo a Cultura - Lei do ISS, e da Multi Terminais, copatrocínio da E.T.T. First RH e a Shift Gestão de Serviços e apoio do Control Lab e do Consulado Francês.

Ao todo, serão 130 obras, entre gravuras, fotografias, instalações e pinturas, de 25 artistas, organizadas em nove temas que resgatam a história da relação dos moradores do Rio de Janeiro com a praia - desde a origem, quando os médicos receitavam banhos de mar para curar doenças de pele ou respiratórias, até os dias atuais, incluindo a moda, os esportes e o ideal de carioquice que ganhou fama no mundo inteiro.

“O mar, em sua imensidão, sempre estimulou a imaginação humana e trouxe o medo do desconhecido, gerando uma infinidade de lendas que afastavam o homem do oceano. Foi apenas na Idade Moderna que o mar deixou de ser concebido como um caótico berço de mistérios incompreensíveis. A força de um mito está em seu potencial de parecer que sempre existiu. O banho de mar e a cultura de praia estão tão associados ao Rio de Janeiro que nem parecem ser hábitos recentes, com cerca de 100 anos", dispara Isabel Seixas. Ela, Diogo Rezende e Letícia Stallone são os curadores da mostra e formam o coletivo Curatorial do estúdio M´Baraká.

A partir do batismo da cidade, quando os portugueses, por engano ou peculiaridades linguísticas, entenderam a baía (de Guanabara) como um rio, desenrolou-se uma narrativa que comprova que, apesar de chamada Rio, a cidade é abraçada pelo mar. "Quando o mar virou Rio" conta muito bem essa história, com o auxílio de artistas de diferentes épocas e técnicas, associados a conteúdos multimídias, objetos e imagens de acervo que foram encontrados em pesquisas iconográfica e histórica, feitas nos últimos três anos.

Uma parte significativa dessa coleção veio de acervos: 11 artistas e 24 obras são do próprio Museu Histórico Nacional; 26 obras das coleções dos fotógrafos Augusto Malta (1864-1957) e Alair Gomes (1921-1992) pertencem à Biblioteca Nacional; e há mais 5 imagens do Augusto Malta que compõem o acervo do Museu da Imagem e do Som (MIS). Malta retratou a evolução urbana da cidade pelo prefeito Pereira Passos, nas primeiras décadas do século XX, e Alair foi o precursor da fotografia homoerótica, voyerística, a partir do final dos anos 60. Além disso, há outros 10 artistas contemporâneos com cerca de 70 trabalhos expostos.

“A curadoria gosta de pensar que a exposição é uma ode ao movimento da cidade, que começa com a vinda dos primeiros índios que buscavam a terra sem males, passa pelos navegantes portugueses e é porto de partida e chegada de produtos, pessoas e influências de além mar, até quando o Rio se volta literalmente para a praia, desaguando numa paixão do carioca por ocupar a orla de diferentes maneiras", aponta o curador Diogo Rezende.

Para Letícia Stallone, também curadora, a mostra "apresenta parte da história dessa cidade, conhecida no mundo inteiro como Rio, mas que tem uma trajetória tão entrelaçada ao mar que a sua própria identidade está vinculada à imensidão da água salgada, ao sol, à areia e tudo que pertence a esse ambiente. Tudo isso num mesmo gingado que a gente que se mete nessa geografia acaba adquirindo".

“Apoiar a cultura é servir ao próximo. Nós, da E.T.T. First RH e da Shift Gestão de Serviços, administramos os nossos negócios com muita seriedade e acreditamos que as pessoas que consomem cultura têm mais ferramentas para serem profissionais melhores. Somos cariocas de nascimento e a nossa história está mergulhada nas águas e baseada nas terras que a exposição ‘Quando o mar virou Rio’ revisita”, exulta o diretor Guilherme Paletta.

Fotos raras de Genevieve Naylor e outros achados
Um dos pontos altos da mostra são as duas fotografias raras da americana Genevieve Naylor (1915-1989), que foi contratada pelo governo de Franklin Roosevelt nos anos 40 para criar uma imagem de Brasil bem aceita nos Estados Unidos. Ela se encantou pela cultura brasileira e voltou para casa com mais de 1300 fotos incríveis, retratando o cotidiano da Praia de Copacabana, por exemplo, que vivia o seu auge. As imagens foram cedidas pelo seu filho e são praticamente desconhecidas aos olhos do público.

Há obras importantes de artistas atuantes. Rogério Reis foi convidado a participar com os ensaios Surfista de Trem e Ninguém é de Ninguém. O primeiro, de 1989, mostra o esporte radical praticado por jovens nos trens do subúrbio do Rio. O segundo, realizado entre 2010 e 2014, faz as vezes de um manual de como fotografar na praia, trazendo à tona as questões que cercam os direitos de imagem. Bruno Veiga terá um painel inédito com os seus recortes aéreos das Pedras Portuguesas dos calçadões. E quatro fotos dos ensaios que Júlio Bittencourt fez do Piscinão de Ramos nos verões de 2008 a 2010 também estarão na parede do Museu Histórico Nacional.

Já os artistas Gisela Motta e Leandro Lima deram vida à fotografia em preto e branco de uma maloca Yanomâmi incendiada na Amazônia, feita por Claudia Andujar em 1976, na vídeo instalação Yano-a, de 2005, que traz uma memoria relativa ao extermínio do povo indígena na lendária batalha de Estácio de Sá, à beira da baía, quando centenas de aldeias foram incendiadas. O coletivo OPAVIVARÁ! apresentará a obra EU ♥ CAMELÔ, que exalta este devir camelô que se esgueira nas areias escaldantes, fugindo e apanhando da lei enquanto refresca a sede do PM, do gringo e do playboy.

Um outro grande destaque da mostra é a obra Paisagem Impressa, do brasileiro radicado na Suécia Laércio Redondo, com gravuras do francês Jean Baptiste Debret (1768-1848) sobre o Rio de Janeiro do seu tempo. Em cada um dos 77 bancos há livros e textos que representam, na visão dos convidados do artista, uma paisagem contemporânea dessa cidade maravilhosa, que relaxa nos finais de semana nas areias, ao sabor das ondas tropicais.

Posted by Patricia Canetti at 2:27 PM