|
março 9, 2017
Rubem Valentim na Caixa Cultural, Brasília
Caixa Cultural Brasília apresenta a obra do pintor e escultor Rubem Valentim
A mostra traça um panorama da produção de um dos maiores expoentes da cultura afro-brasileira e do construtivismo no Brasil
A partir do dia 15 de março, Brasília recebe a exposição Rubem Valentim – Construção e Fé. Com curadoria de Marcus de Lontra Costa, a mostra revela ao público um rico panorama do trabalho do pintor e escultor baiano e sua inserção na arte nacional e internacional, privilegiando a produção pictórica e escultórica do artista com obras disponibilizadas de coleções públicas, particulares e dos herdeiros do artista.
Suas obras sintetizam em formas geométricas as simbologias místicas de matriz africana e se destacam na arte moderna construtivista e concretista brasileira. Um artista vanguardista que, ao residir em Brasília no fim da década de 1960, incorpora de forma única a tridimensionalidade à sua obra. Serão apresentados cerca de 60 trabalhos, entre pinturas, relevos e esculturas, que mapeiam sua trajetória artística com ênfase na produção realizada em Brasília. Um recorte inédito que resgata a negritude de sua arte e destaca a maturidade estética alcançada no período em que viveu na capital.
Considerado um dos mestres do construtivismo brasileiro, suas primeiras experiências foram abstratas, contudo, em meados da década de 1950, movido por questões ideológicas, buscou sua ancestralidade africana e encontrou na cultura popular afro-brasileira as características que nortearam seu trabalho até o final da vida, em suas pinturas, esculturas e objetos, em uma trajetória artística avessa às modas. No entanto, para Marcus Lontra, a negritude na obra de Rubem Valentim sempre foi colocada em segundo plano, valorizando-se apenas o caráter construtivista de sua obra. “Mais além do construtivismo, e do seu trabalho de vanguarda, o fato é que ele se apropriou da simbologia do candomblé. Ao reduzir o símbolo à sua essencialidade primária, submetia-o à lei da pintura: proporção, simetria, cor.”, destaca Marcus Lontra. Assim, suas obras podem ser lidas por quem possui as referências da religiosidade afro-brasileira, mas seu trabalho não se resume à essa origem, ou ao que ela pode representar. “O trabalho de Valentim tem a autonomia de sua fantasia e assim será lido em tempos futuros. Sua pintura ultrapassa essa objetividade mais visível. Ele desenvolveu sua arte a partir de signos da cultura afro ao som de atabaques que reclamavam uma erudição.” assinala o curador.
A exposição é, portanto, um momento de consagração e valorização da questão negra na obra do artista, em uma luta de resistência contra os padrões estéticos vindos de fora. Reelaborando o pensamento construtivista, Valentim passou a empregar signos inspirando-se nas ferramentas e nos instrumentos simbólicos do candomblé, sintetizando-os nas formas geométricas. Para o crítico italiano Giulio Carlo Argan, a arte do brasileiro correspondia a uma "recordação inconsciente de uma grande e luminosa civilização negra anterior às conquistas ocidentais".
Outra vertente da exposição são as obras produzidas no período em que o artista viveu em Brasília. “É onde Rubem Valentim adquire mais maturidade, influenciado pela monumentalidade da cidade, o cerrado, e a obra de Oscar Niemeyer”, afirma Marcus Lontra. Impactado pela espacialidade característica da cidade, para onde se mudou na década de 1960, Valentim sentiu a necessidade de recortar, do suporte bidimensional da pintura, seus símbolos e signos, concedendo-lhes a vida autônoma de objetos tridimensionais. Assim sua pintura transformou-se em esculturas e objetos: totens, altares e estandartes marcados por uma grave e mística religiosidade de matriz africana.
É dessa época o mural de mármore feito para o edifício-sede da Novacap, considerado sua primeira obra pública. Em São Paulo, realizou a escultura de concreto instalada na Praça da Sé, um marco histórico na cidade. Reproduções dessas obras públicas tridimensionais fazem parte também da exposição.
Há 20 anos sem uma mostra dedicada exclusivamente a sua obra, a exposição resgata para o público a produção de um artista que contribuiu de forma decisiva para a história da arte brasileira e agregou valores internacionais e da cultura afro-brasileira na construção das questões vanguardistas presentes no século XX.
Nascido em Salvador, Valentim (1922-1991) formou-se em odontologia antes de se dedicar definitivamente às artes plásticas, por volta de 1948. Cursou jornalismo ao mesmo tempo em que se envolvia com a pintura, e em 1954 realizou sua primeira individual. Em 1957, mudou-se para o Rio de Janeiro e passou a participar intensamente da vida artística da cidade carioca e de São Paulo. Expõe em mostras importantes, inclusive em diversas Bienais, nacionais e internacionais. Em 1963, mudou-se para Roma, onde residiu por três anos. Em sua volta para o Brasil, morou em Brasília, onde dirigiu o Ateliê Livre do Instituto Central de Artes da UnB.
Para Valentim, “a arte é um produto poético, cuja existência desafia o tempo e por isto liberta o homem. Isto me afeta porque sou o indivíduo tremendamente inquieto e substancialmente emotivo”. Por trás das figuras emblemáticas da pintura e escultura deste “monge do candomblé”, há um mundo de inquietações, revoltas e angústias. O público é convidado portanto a participar de um ritual, olhar estes símbolos de contornos rigorosos, e mergulhar no universo pictórico e emotivo do artista com profundidade, distância e tranquilidade.
RUBEM VALENTIM 1922-1991
Nascido em Salvador no ano de 1922, formou-se em odontologia antes de se dedicar definitivamente à pintura, por volta de 1948. Cursou jornalismo ao mesmo tempo em que se envolvia com a pintura, e em 1954 realiza sua primeira individual. Envolve-se com o movimento de renovação artística da Bahia, expondo em 1955 na mostra Novos Artistas Baianos com Mário Cravo Jr., Jenner Augusto e Lygia Sampaio. Neste mesmo ano participa da III Bienal de São Paulo, onde começa a ser reconhecido nacionalmente. Em 1957 transfere-se para o Rio de Janeiro onde participa de diversas exposições até que, em 1962, recebe o Prêmio de Viagem ao Estrangeiro no XI Salão Nacional de Arte Moderna. Viaja por vários países até fixarse em Roma, onde permanece por mais de três anos. Participa de diversas exposições coletivas, realiza uma individual na Casa do Brasil e, antes de voltar ao país, em 1966, participa do I Festival Mundial de Arte Negra, em Dacar, Senegal. Convidado a lecionar no Instituto Central de Artes da Universidade de Brasília, transfere-se para a cidade, onde constrói sua casa com o intuito de transformá-la em um Centro Cultural, o que, por falta de apoio, nunca acontece. Ao mesmo tempo, expõe em várias capitais brasileiras, é convidado para a I Bienal Internacional de Arte Construtiva em Nuremberg (1969), recebe, em 1967 e 1973, os prêmios de aquisição nas IX e XII Bienais de São Paulo, entre outros prêmios, e em 1976 divulga o Manifesto ainda que tardio, onde enumera os objetivos de sua arte. Suas primeiras experiências foram abstratas, e longo em seguida aparece a simbologia mística que irá marcar a sua obra: em um primeiro momento os signos litúrgicos afro-brasileiros aparecem agrupados sobre a tela, com uma organização quase acidental, mas aos poucos vai acontecendo uma espécie de "limpeza" e eles se organizam simetricamente sobre o quadro. As cores sofrem uma grande mudança, já que os tons dão lugar às cores puras em grandes chapadas sobre a tela. Como se pode notar, a arte de Rubem Valentim sofre rapidamente umadefinição temática, que irá se prolongar e se renovar coerentemente por toda a suacarreira. Por volta do fim da década de 1960, quando transfere-se para Brasília, ele passa da bidimensionalidade para a experiência com o tridimensional, que é um processo claro em sua obra, já que suas pinturas têm uma forte distinção entre figura e fundo, aquela quase que "pulando" do quadro. Estes objetos irão constituir os "altares", como o Templo de Oxalá, obra apresentada na XIV Bienal de São Paulo (1977), que apresentava um painel de 14 metros de largura por 4 de altura com seus símbolos afro-brasileiros em branco sobre um fundo azul, e vinte esculturas emblemáticas, também em branco, de diversas alturas, sobre um tapete verde, organizando um ambiente mítico ou um altar. Rubem Valentim foi um artista intuitivo que, logo cedo, teve a sorte de descobrir Cézanne, aprendeu noções de espaço na pintura e percebeu ainda que pintar era um trabalho minucioso e rigoroso. Aliás, “o verdadeiro destino de um grande artista é um destino de trabalho” (Bachelard). E foi justamente esta dedicação a uma vida de trabalho que fez de Rubem Valentim um mestre virtuoso; talvez o primeiro pintor baiano a enfrentar de frente a modernidade. A cultura popular, as imagens afro-brasileiras eram materiais de pesquisa plástica, matéria-prima para sua arte, submetida a uma disciplina eorganização rigorosa, constituíam-se em imagens pictóricas no espaço da tela aspirando uma universalidade. Sua arte acabou se aproximando da tendência construtiva emergente na arte brasileira na época. Não era, com certeza, um artista concreto, mas chegou a representar o Brasil, na I Bienal de Arte Construtiva, em Nuremberg, juntamente com o ortodoxo concretista paulista Waldemar Cordeiro.
A PRODUÇÃO
A exposição conta com patrocínio integral da Caixa Econômica Federal / Governo Federal. A produção da mostra está a cargo de Anderson Eleotério e Izabel Ferreira – ADUPLA Produção Cultural, que vem realizando importantes exposições itinerantes pelo Brasil, como: Farnese de Andrade, Athos Bulcão, Milton Dacosta, Raymundo Colares, Bandeira de Mello, Carlos Scliar, Debret, Aluísio Carvão, Mário Gruber, Antonio Bandeira, Cícero Dias, Henri Matisse, etc. A concepção do projeto é de Anderson Eleotério, também design de montagem da mostra, que utiliza recursos de cor, som e iluminação para acentuar as características dos trabalhos a fim de proporcionar ao público um clima lúdico e intenso.