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fevereiro 5, 2017
Lugares do Delírio no MAR, Rio de Janeiro
O Museu de Arte do Rio – MAR, sob a gestão do Instituto Odeon, inaugura em 7 de fevereiro a exposição Lugares do delírio. Idealizada por Paulo Herkenhoff e com curadoria de Tania Rivera, a mostra apresenta cerca de 150 trabalhos – entre instalações, mapas, performances, pinturas e objetos – de diversos artistas, como Cildo Meireles, Laura Lima, Anna Maria Maiolino, Arthur Bispo do Rosário, Fernand Deligny, Lygia Clark, Raphael Domingues, Gustavo Speridião, Fernando Diniz, Cláudio Paiva, Geraldo Lúcio Aragão e outros. Trata-se de uma reflexão política e ética sobre loucura e arte. “A intenção é colocar em suspenso a delimitação entre o normal e o dito “louco”. A arte e a loucura têm em comum a força de transformação da realidade e isso está representado na exposição”, explica a curadora Tania Rivera, que é psicanalista e professora da Universidade Federal Fluminense (UFF).
A palavra delírio significa algo que desvia dos padrões e cria novas configurações de realidade. E é por isso que ela é usada no título de uma mostra que traz trabalhos de artistas diagnosticados com algum transtorno psíquico, mas também de nomes conhecidos na arte, que produzem obras que recusam as vias tradicionais de representação ou que questionam de certa forma o que é chamado de loucura. Além disso, também apresenta o resultado do trabalho de artistas visuais em parceria com pacientes de instituições psiquiátricas. As obras estarão dispostas de maneira que se entrecruzem e comuniquem espacialmente. Há uma horizontalidade em todas as ações da exposição. “Queremos mostrar um aspecto lúdico e inusitado de transformação da realidade e organizar as obras para uma proposital contaminação visual”, conta Tania.
O que há de delirante na arte e o que há de reflexão sobre a loucura na arte são questionamentos que orientaram a pesquisa da curadoria, que organizou a exposição com uma grande diversidade de gêneros e linguagens. “Estamos trazendo artistas emblemáticos como Arthur Bispo do Rosário, que viveu mais de 50 anos internado em clínica psiquiátrica, mas também outros não tão conhecidos do público, como Luis Guides, de Porto Alegre, Maurício Flandeiro, do Ceará e Fernando Lima, de Belém, em um diálogo com importantes artistas contemporâneos como Cildo Meireles, Laura Lima e Anna Maria Maiolino, por exemplo”.
Após muitos anos sem expor na cidade, Anna Maria Maiolino fará, na abertura da exposição, uma performance com a participação de Sandra Lessa. Em “In Atto”, a artista acompanha, com sua presença delicada porém extremamente forte, o processo de liberação de uma mulher que se desvencilha de amarras. Laura Lima – que conta ter sido decisivo para sua decisão de se tornar artista acompanhar um surto de seu irmão – leva para a mostra a obra interativa “Novos costumes”, que são vestes em vinil que o público poderá experimentar. Em “Ascenseur”, uma mão por trás da parede aparecerá de forma inusitada, em busca de um molho de chaves. Ana Linnemann também vai tirar os visitantes do eixo com a instalação que vai mexer, literalmente, com uma das pilastras dos pilotis do museu.
A psiquiatra Nise da Silveira, que considerava a esquizofrenia um dos “estados inumeráveis do ser”, citando o artista e ator francês Antonin Artaud, é lembrada na mostra com trabalhos que fazem parte do acervo do Museu de Imagens do Inconsciente, criado por ela em 1952 no então denominado Centro Psiquiátrico Nacional, no Engenho de Dentro. Obras de Fernando Diniz e Raphael Domingues estarão na exposição, que também apresentará fotografias e desenhos de Geraldo Lúcio Aragão, que frequentou os ateliês de arte de Nise em fins dos anos 1950, mas apenas recentemente foi destacado do acervo da instituição.
A obra “Razão/Loucura” (1976), de Cildo Meireles, representa uma espécie de definição poética da exposição, trazendo uma reflexão sobre a sutil diferença entre razão e loucura. De Cildo, serão também exibidas 42 imagens da série de fotografias “Cottolengo”, feitas no hospital Vila de São José Bento Cottolengo em 1976. Uma delas foi utilizada na obra “Zero Cruzeiro”, da qual será apresentada a nova versão “Zero Real” (2013). Outra obra do artista presente na mostra é “Liverbeatlespool”, criada em 2004 para a Bienal de Liverpool, que consiste em uma bicicleta que vai circular pelo entorno do museu com alto-falantes que tocam ininterruptamente músicas dos Beatles sobrepostas e invertidas.
Pela primeira vez na cidade, Lugares do delírio traz ainda o trabalho do educador francês Fernand Deligny, morto em 1996, que influenciou autores como Gilles Deleuze e Félix Guattari. Na fronteira entre tratamento e arte, seus colaboradores traçaram mapas com gestos e deslocamentos de crianças e adolescentes autistas em áreas de convivência mantidas pelo educador a partir de fins dos anos 1960. De Deligny, a exposição apresenta ainda revistas com reproduções de desenhos e trechos de textos.
Lygia Clark também está na mostra, com a emblemática porém pouco conhecida “Camisa de Força”, de 1969. “A exposição afirma que os lugares do delírio são muitos e variados, e tenta assim explorar e questionar as fronteiras entre normal e patológico, entre arte e vida, entre o museu e o mundo”, convida Tania Rivera para a curadoria que dá continuidade ao projeto Arte e Sociedade no Brasil – dos quais fizeram parte as mostras O abrigo e o terreno (2013) e Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas (2014).