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janeiro 30, 2017
Abraham Palatnik no CCBB, Rio de Janeiro
Pioneiro da pintura e da escultura em movimento, o artista, nascido em Natal, celebra 70 anos de Rio de Janeiro
A história artística de Abraham Palatnik, nascido em Natal em 1928 de pais russos, criado em Tel Aviv, então Palestina, e residente no Rio de Janeiro desde em 1947, é contada nesse panorama retrospectivo, A Reinvenção da Pintura, sob curadoria de Pieter Tjabbes e Felipe Scovino.
A partir de 1 de fevereiro, e até 24 de abril de 2017, todo o segundo andar do Centro Cultural Banco do Brasil Rio de Janeiro estará ocupado com 85 trabalhos da década de 1940 a 2016 – pinturas, aparelhos cinecromáticos, objetos cinéticos, objetos lúdicos, mobiliário e desenhos de projetos –, de acervos particulares e institucionais do país, sendo a maioria da coleção do artista, aqueles exemplares eleitos para ficarem no ateliê como referência histórica.
Haverá ainda seis pinturas dos pacientes psiquiátricos do hospital do Engenho de Dentro, RJ, Emydgio de Barros [1895-1986] e Raphael Domingues [1912-1979], que tanto influenciaram uma mudança de rota na carreira do artista.
Palatnik conheceu, em 1948, os artistas doentes mentais do Museu do Inconsciente através do pintor carioca Almir Mavignier [1925-] que, junto com a Dra. Nise da Silveira, implantou o ateliê no manicômio. A partir dessas visitas ao hospital, ele abandonou tintas e pincéis e não voltou mais aos figurativos que pintava até então. E justificou:
– Eles não tinham aprendido nada na escola, não frequentavam ateliês, e de repente surgem imagens tão preciosas. De onde veio essa força interior? Não vou mais pintar porque minha pintura não valia nada, era uma porcaria, relata Palatnik.
O encontro com o crítico Mário Pedrosa o resgatou para a vida artística. A partir da leitura do livro sobre Gestalt, de Norbert Wiener, indicado por Pedrosa, Palatnik avaliou que “tinha potencial para fazer algo”, conta.
Em 1949, ele começou a pesquisar sobre luz e movimento até criar/fabricar os “Aparelhos Cinecromáticos”. Seu ateliê era um quartinho abandonado na casa do tio, onde morava. Em um dia de falta de eletricidade, a imagem da luz de velas se movendo nas paredes lhe deu inspiração para os cinecromáticos – caixa com lâmpadas cujo deslocamento era acionado por motor, criando imagens de luzes e cores em movimento.
Aparelhos Cinecromáticos
Foi com o cinecromático “Azul e roxo em seu primeiro movimento” que Palatnik participou da I Bienal Internacional de São Paulo, em 1951. O trabalho foi inicialmente recusado por não se encaixar nas categorias tradicionais de pintura ou escultura. Acabou entrando porque a delegação do Japão deixou de vir e o brasileiro ocupou o espaço com sua obra inovadora. Ganhou Menção Honrosa pelo júri internacional da Bienal.
Nos anos 1950, Palatnik desenvolveu pesquisa em pintura abstrato-geométrica e também em design de móveis. A exposição inclui peças de mobiliário assinadas por ele. É nessa época que o artista começa a pintar sobre vidro. Com o irmão, Palatnik funda uma fábrica de móveis que funciona 10 anos. Paralelamente continua participando de todas as bienais de São Paulo, participa de coletivas com o Grupo Frente [posteriormente os neoconcretos], mas não tinha interesse nos estudos teóricos do grupo e se afastou.
Objetos Cinéticos
Ainda na década de 1950, ele expõe em coletivas em Paris e Viena. Em 1964, cria os “Objetos Cinéticos”, um desdobramento dos Aparelhos Cinecromáticos. Participa da Bienal de Veneza de 1964, o que deslancha sua carreira no circuito internacional.
Os Objetos Cinéticos embutem a relação arte-tecnologia, novas conquistas da ótica, virtualidade da imagem e a insatisfação com a técnica pictórica do pincel. São aparelhos construídos por hastes ou fios metálicos que têm nas extremidades discos de madeira de várias cores. Hastes e placas são movimentadas por um motor, com variação de velocidade e direção.
Acrílica e corda sobre tela
Uma outra série dessa retrospectiva, “Progressões”, feita com jacarandá, surgiu da observação de sobras de toras da madeira que uma serraria jogava fora. São “pinturas” formadas por sequências de lâminas finíssimas de jacarandá montados ritmicamente, aproveitando a materialidade dos veios, nós e outras marcas naturais da madeira. Palatnik usou o mesmo sistema com cartão cortado, também presente na mostra.
Seu traço inventivo e experimental aparece na série de pinturas com barbante e tinta acrílica de meados dos anos 1980. A pintura ganha um volume sutil que produz um efeito ótico e equilibra o recurso precário do barbante com uma pesquisa sensível sobre o cinetismo e a possibilidade de expansão da forma e da cor através do movimento das linhas e do espectador em torno da obra.
Intuição
"A história da arte mundial o considera um pioneiro da pintura e da escultura em movimento", afirma o cocurador Felipe Scovino sobre Palatnik. Junto com Pieter Tjabbes, eles destacam um dado fortemente significativo da posição de Palatnik na história da arte: seu “diálogo preciso entre tecnologia e intuição. Além disso, o experimentalismo e a organicidade sobrevoam a sua trajetória […]. Dois dados aparentemente ambíguos encontram uma simbiose perfeita”, avaliam.
O próprio artista considera a intuição seu “impulso inicial”. Ele a descreve como a sensação de que algo artístico pode ser feito com uma situação não artística. “No meu caso, esse caminho passa pela intuição, depois pelo pensamento/raciocínio junto com intensa experimentação, e, finalmente, por um processo atento e cuidadoso de construção.
Autodidata em arte
Palatnik passou por um ateliê livre em Tel Aviv, mas se considera autodidata. Começou a pintar muito cedo e, na adolescência, vendia seus trabalhos dizendo serem de um tio para dar mais credibilidade à autoria.
Seu estudo formal foi um curso profissionalizante em motor de explosão, na escola Montefiore na então Palestina. Tudo o que aprendeu sobre conserto de válvulas e motores teve aplicação na sua arte. O uso que Palatnik faz da tecnologia e suas possibilidades inovadoras imprime na obra uma grande potência poética.