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setembro 20, 2016
museu do louvre pau-brazyl, São Paulo
A Revolução Francesa, a mudança da família real para Versalhes, e o espírito enciclopédico Iluminista possibilitaram a criação do Museu do Louvre no dia 10 de agosto de 1793 em Paris. O antigo Palácio do Louvre tornava-se lugar público, abrindo a coleção real à sociedade.
Em São Paulo, na década de 1950, o Edifício Louvre é projetado pelo incorporador João Artacho Jurado. Localizado no número 192 na Avenida São Luís, o prédio traz consigo o imaginário burguês afrancesado da modernidade que modelava a visão de mundo, o comportamento e os hábitos da elite local. Nesse edifício, cada bloco recebe o nome de um pintor importante da História da Arte: Da Vinci, Rembrandt, Velásquez e Renoir. Em alusão ao museu parisiense, o Edifício Louvre desde sua inauguração exibe uma reprodução da Monalisa em um dos halls de entrada.
Foi pensando na relação entre os dois Louvres que surgiu o museu do louvre pau-brazyl. Localizado no Edifício Louvre, aproveita a configuração estrutural do prédio: o térreo e o mezanino são dedicados ao comércio, comportando agências de viagem, cartório, perfumaria, imobiliária. Por esse motivo, permanece aberto durante o horário comercial. São esses dois andares que serão ocupados pelo museu.
A exposição busca lidar com os conflitos dos espaços e os grupos sociais que os constituem. Interessa problematizar o papel do museu por meio de um lugar não museológico, e testar as múltiplas relações da produção contemporânea com o espaço e com as vidas na cidade – desde a interferência que causará dentro de um edifício residencial até as transformações que um aparelho cultural provoca no seu entorno. O prédio localiza-se numa área em que grupos de classes sociais coexistem: a avenida-boulevard, a luta dos movimentos sociais por moradia, o centro de acolhida ao imigrante, os moradores em situação de rua, a biblioteca municipal, a instituição cultural, a prostituição. Apresenta também, devido aos diferentes tamanhos e preços dos apartamentos , uma multiplicidade de moradores e arranjos familiares.
O intuito do projeto é também jogar com os deslocamentos dos museus globais e o processo de abertura de franquias, com o exemplo iminente da sede do Museu do Louvre em Abu Dhabi. O discurso oficial da equipe do Museu é que a sua chegada vai desenrolar um papel social importante nos Emirados Árabes, podendo ser visto como um produto do Iluminismo do século XVIII na Europa [1]. Essa colocação endossa o desejo de um centro de poder influenciar a maneira com o a periferia se pensa estética e culturalmente, revelando a força, ainda, do imperialismo e da colonização cultural.
Um marco da imposição de formas expressivas e estéticas europeias no Brasil é o desembarque da Missão Artística Francesa no século XIX. A sua função era “desenvolver culturalmente” a colônia que havia se tornado capital com a chegada da Corte portuguesa. A fundação do ensino formal das Belas Artes influenciou o cenário artístico local disseminando o conceito de arte como restrito ao que os acadêmicos executavam. A Semana de Arte Moderna de 1922 foi uma reação às influências externas na produção cultural nacional, sem defender uma noção nacionalista e identitária, mas sim a mestiçagem imanente das construções simbólicas brasileiras. Oswald de Andrade, um dos inventores do movimento antropofágico, lança em 1924 o Manifesto da Poesia Pau-Brasil reivindicando a mistura do primitivo com as vanguardas como nossa originalidade.
Propõe-se pensar, ainda, quais os sentidos e os efeitos da arquitetura escolhida para os museus. Atualmente, os chamados starchitects são indissociáveis da concepção dos museus globais. Cabe questionar o lugar de Artacho Jurado em oposição aos grandes arquitetos de museus, assim como as especificidades de sua arquitetura constr uída em meio do modernismo brasileiro. A arquitetura pode ser ativada também como metalinguagem em museus e trabalhos artísticos. O Museu do Louvre, de Paris, preserva a parte medieval da construção e a apresenta como parte integrante da exposição. A artista Andrea Fraser em Little Frank And His Carp (2001) explicita como o projeto do Guggenhein Bilbao está focado no espetáculo da arquitetura de Frank Gehry [2].
Nesse sentido articulam -se os trabalhos, práticas e propostas em diferentes escalas e plataformas d os artistas participantes do museu do louvre pau -brazyl, que combinam o público e privado, lidam com o imaginário vanguardista e tropical do Brasil (e sua projeção muitas vezes estereotipada internacionalmente), provocam tensões institucionais, usam o espaço como elemento de conexão e estabelecimento de relações.
O gesto sutil de provocar a possibilidade da instalação de uma sede do Museu do Louvre em São Paulo reconhece a existência de um outro Louvre, onde acontecerá a exposição, mas propõe exercícios de deslocamentos, numa tentativa de desfazer o imperativo da instituição como agente neutralizador das tensões da arte, sem negar o ambiente catalizador e suas múltiplas contradições.
1 “Louvre Abu Dhabi is intended to be a place of discovery, exchange and education. It will also play an important social role in United Arab Emirates. In this respect, it can be seen as a product of the 18th -century Enlightenment in Europe. This movement gav e birth to the principle of the encyclopaedic and universal museum housing diverse collections of artworks for the purposes of public display and scientific study.” (Fonte: Louvre Abu Dhabi: A Universal Museum - http://louvreabudhabi.ae/en/about/Pages/a-universal-museum.aspx)
2 O trabalho consiste em um vídeo da artista andando pelo átrio do museu ouvindo o áudio -guia oficial da instituição e reagindo a ele. Ele começa afirmando: “esse não é um lugar maravilhoso? É como uma catedral gótica, você consegue sentir sua alma subir junto com o edifício ao seu redor”. Nos sete minutos de duração, nenhuma obra exposta no museu é mencionada, somente a arquitetura revolucionária e as curvas poderosamente sensuais projetadas pelo arquiteto.