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setembro 15, 2016
Exposição de arte contemporânea reunindo dez artistas brasileiros inaugura a Sem Título Galeria, Fortaleza
Ao trazer o corpo para a discussão, precisamos, entre outros aspectos, considerá-lo pelas relações de que é capaz de gerar. Em profunda cumplicidade com a vida, o corpo salta e se desprende de sua identidade, pronto para a criação de outros contornos e modos de existir. Ele é babel, invenção, sujeito e objeto... Traz em si uma ambiguidade constitutiva de nossa experiência como carne reversível e organismo mutante.
Corpo e desconstrução são questões da exposição Em Desalinho, cuja curadoria é assinada por Ana Cecília Soares e Júnior Pimenta, e inaugura um novo espaço de arte em Fortaleza, a Sem Título Galeria.
Em Desalinho nos apresenta poéticas de artistas que se encontram pelas distintas possibilidades de olhar e pensar o corpo no contexto contemporâneo: a tensão entre a presença e a ausência, as questões de gênero, a nova tentativa de configurar a corporeidade, desfigurá-la e fazê-la ressurgir sob outra forma.
Em meio a tal conjuntura, deparamo-nos com trabalhos em incessante transcurso de desnaturalização daquilo que está posto ou firmado. Assim, sobressaem-nos figuras que despontam entre a sombra e a luz, o real e o fantástico, o grotesco e o fascínio. Pelos traços minuciosos de Ingra Rabelo e José de Arimatéa, seres escorrem para fora de si, exibindo-se desafiantes e dilatando o olhar.
Mais adiante, Luiza Veras, Gilvan Barreto e Jas-One dão continuidade ao diálogo, brandindo fisionomias contorcidas e desagregadas que buscam meios de se reinventar a partir de singularidades perturbadoras em furor aos modelos de corpos perfeitos. Na poética de Yuri Firmeza, a corporeidade ganha nova esfera, parece mergulhar numa tentativa de resistir ao esquecimento, embora, sujeito ao esvaecer fadário no que se refere à existência de uma imagem. Metáfora à memória que resiste ao tempo e a própria morte.
As obras de Dalton Paula, Célio Celestino, Henrique Viudez e Maurício Coutinho reverberam (des)construções de infinitas identidades e maneiras outras de existir. O que faz com que as coisas sejam como são? Somos interpelados quando confrontados com as poéticas desses artistas. As representações existem porque alguém as criou. E se alguém as produziu é porque podem também ser desconstruídas. Na arte como na vida vivemos esse movimento de reestruturação.
Na exposição Em Desalinho, o corpo é residência precária e transitória, habitada em seu todo ou em fragmentos, imersa na enxurrada do tempo e das coisas. Melhor dizendo, nas palavras de Deleuze sobre o artista Francis Bacon, “a figura não é apenas o corpo isolado, mas o corpo deformado que escapa...”.
Em Desalinho será aberta ao público no dia 23 de setembro, às 19 horas, na Sem Título Galeria (rua João Carvalho, 68). Durante os meses de exposição, de setembro a dezembro de 2016, serão realizadas conversas com os artistas envolvidos, mediadas por pesquisadores; minicursos; mostras de vídeo com o mesmo recorte curatorial e visitas guiadas.
Sobre a Sem Título Galeria
Quando um novo espaço de arte surge na cidade são novos modos de existir que passam a habitar o território. Tal um vaga-lume na paisagem e seus pequenos lampejos, um campo aberto para a aventura do pensamento, do sensível e dos jogos de afetos. O filósofo e historiador francês Michel de Certeau partilha da concepção de que “praticamos o espaço”. Praticar o espaço é repetir as experiências de infância. É, naquele lugar, ser outro e passar ao outro e ao outro... E assim se tornar múltiplo.
A Sem Título Galeria se propõe a ser esse espaço de engajamento no presente, de reunir em trocas e intercâmbios artistas visuais, realizadores e curadores, pensadores e os moradores da cidade de Fortaleza. São encontros que vão se dando através da produção e circulação da Arte Contemporânea; das exposições articuladas ao trabalho de curadores; da composição de grupos de estudos para refletir sobre questões do contemporâneo,- o inatual de pertencer e não pertencer ao seu tempo; dos workshops e cursos que fortaleçam a produção do pensamento e criação em arte.
Sem Título vem de uma ideia que não carrega em si a preocupação de tudo nomear ou classificar. O fazer artístico é assim entendido como um gesto de observar o mundo e dele extrair e criar fissuras, um exercício do olhar que é político, ético e estético. Sob a direção da pesquisadora e artista visual Elizabeth Guabiraba, o espaço se abre à cidade fortalecendo um cenário de formação e incentivo à produção de arte tão necessário aos nossos tempos.