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agosto 1, 2016
Jogos do Sul no Hélio Oiticica, Rio de Janeiro
Exposição no Hélio Oiticica propõe uma reflexão sobre o impacto social de um mega evento como as Olimpíadas e as interferências que podem causar na cidade-sede e em seu cotidiano
Rap em Guarani, Cabo de Guerra Robótico, Futebol, 32 tabuleiros de Xadrez, Estilingue, Maratona Infinita pela cidade, Arco e Flecha... Estas são algumas das obras que serão apresentadas pelo time de artistas que farão parte da mostra Jogos do Sul, no Centro de Artes Helio Oiticica, a partir de 3 de agosto. A exposição pretende provocar uma reflexão sobre o chamado “modelo olímpico”, formado pelo binômio “beleza atlética x massa feliz”.
Esse outro olhar para além da beleza do esporte teve início em 2015, durante os Jogos Mundiais Indígenas, realizados em Palmas, TO, quando os curadores Alfons Hug e Paula Borghi convidaram artistas e cientistas para assistirem as disputas. Jogos do Sul cruza os Jogos Mundiais Indígenas, em sua originalidade e autenticidade, para propor um contraponto: explorar o tema do esporte fora dos grandes estádios e clubes – numa atmosfera em que competir é mais importante do que ganhar ou perder, ou do que contar medalhas. Num momento em que o jogo é inocente, basta-se a si mesmo e o esporte aflora espontaneamente.
Longe de competir com o megaevento olímpico sediado no Rio de Janeiro, “Jogos do Sul” propõe uma outra vertente. A partir da experiência dos jogos indígenas, apresenta-se uma oportunidade de refletir sobre o espírito dos Jogos Olímpicos, hoje transformados num megaevento cuja repercussão está mais ligada à retórica política e ao marketing das cidades-sede do que a uma interação saudável entre indivíduo e sociedade. “Não queremos negar a capacidade do esporte olímpico de produzir grandes narrativas e cenas sublimes. A mostra busca banir o espírito de Riefenstahl, que desde Berlim (1936), permeia a coreografia dos Jogos Olímpicos representada pela combinação entre um corpo “belo” e a massa “feliz”. Afirma Alfons.
Oito artistas brasileiros, uma cineasta brasileira, um artista boliviano, uma artista alemã, um artista singapurense, um artista suíço, uma socióloga brasileira e uma antropóloga portuguesa formam time de artistas que tornou possível, a partir do encontro entre as artes visuais, o esporte e a cultura indígena, criar um corpo de obras que visa apresentar esse contraponto ao espetáculo olímpico.
AS OBRAS
Ao entrar na exposição o público vai se deparar com uma escultura eletrônica criada por Paulo Nenflidio, que simula, por meio de uma estrutura robótica, as forças centrífugas despendidas em uma disputa de cabo de guerra. É no encontro dessa tensão que o espectador inicia sua visita, em meio à sedução do aparato tecnológico e à violência que ele sugere. Atitude que segue nas fotografias de Romy Pocztaruk, com belas imagens das ruínas olímpicas de Sarajevo.
Em contraponto, encontra-se o vídeo de Cristiano Lenhardt, que nos introduz a vida dos Guaracis, um grupo de andarilhos da cidade que se alimentam de plantas urbanas não convencionais e passam seus conhecimentos de geração a geração, preservando, assim, sua cultura. Trabalho que dialoga com a pesquisa de Bernardo Zabalaga, que vem construindo a identidade do “novo índio”, salvo de preconceitos e atrocidades históricas cometidas contra ele.
Impulsionando a ideia do jogo, Marcone Moreira monta um painel com 32 tabuleiros de xadrez em madeira de diversas regiões do Brasil; Rizman Putra apresenta as curiosidades fictícias do jogo Rumah Dayak, típico da Malásia, e Samuel Herzog convida profissionais das artes a participarem de uma maratona infinita pelo Rio de Janeiro. São trabalhos que traçam um paralelo mais direto com o jogo, porém caminham na contramão do objetivo olímpico. Não se trata de ganhar ou perder.
A dupla Igor Vidor e Guilherme Teixeira busca, através da dimensão poética de jogos e esportes de ação, desafiar o público com experiências corporais que envolvem risco, colaboração e ludicidade, com humor e crítica. Em “Exercício de Meditação”, o espectador vai mirar massa de modelar colorida e disparar com estilingue em silhuetas de madeira. Um trabalho participativo apropriando-se do conceito da “brincadeira infantil” como metáfora de uma agressão social.
Individualmente, Igor Vidor apresenta uma série de frames de vídeos realizados na Vila Autódromo durante a desocupação e destruição de casas desse bairro, que hoje em dia recebe construções olímpicas. Insistindo, também, com a repetição e a perspectiva da assertividade fora de alcance, Guilherme Teixeira lança exaustivamente flechas ao infinito. São trabalhos que apresentam a persistência do artista em um esforço contínuo para manter seus ideais.
Partindo para questões indigenistas, Paulo Nazareth mostra como fazer um cocar com penas de aves mortas encontradas por ele. Enquanto isso, Yuri Firmeza e Igor Vidor realizam um videoclipe pelos Brô Mc’s, cantado em guarani. Duas ações muito distintas, mas que evidentemente contestam o modelo estereotipado que ainda se tem sobre a construção imaginária do homem indígena.
Com um caráter mais documental, Antje Majewski apresenta um vídeo realizado com captação de imagens e áudio dos JMPI, tendo como ponto de partida investigar a atual função do arco e flecha para poder compreender como essa ferramenta de caça se tornou uma modalidade esportiva e, ao mesmo tempo, um objeto comercial e de desejo. Por esse mesmo viés investigativo, Anna Azevedo mostra imagens de momentos pontuais do evento com um vídeo que é fundamental para sua compreensão.