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junho 17, 2016
Albano Afonso + Chiara Banfi e Kassin + Raul Mourão no MuBE, São Paulo
Três exposições individuais, com curadoria de Cauê Alves, dialogam com os espaços do museu e dão continuidade ao processo de revitalização do MuBE
No próximo dia 18 de junho, o Museu Brasileiro da Escultura abrirá duas exposições individuais de Albano Afonso e Raul Mourão, e uma instalação sonora de Chiara Banfi e Kassin. As mostras, que ocuparão os principais espaços do Museu, são parte do projeto de revitalização do MuBE que contempla, entre outras ações, uma nova linha curatorial, com o propósito de colaborar para outra relação da arte com a arquitetura e a paisagem urbana, ressaltando o lugar onde estamos: aqui.
Mais do que um prédio, o MuBE é uma praça, um local de encontro e convivência com a arte. A marquise de concreto armado, que dá acesso ao museu subterrâneo, é, ao mesmo tempo, uma cobertura, um abrigo primordial e um parque pleno de possibilidades a serem exploradas. A instalação de trabalhos invisíveis, que exploram sonoridades diversas, é um modo de ativar a área externa, sem recorrer a esculturas tradicionais. Esse é um programa contínuo que está sendo implantado no Novo MuBE.
Chiara Banfi e Kassin mostram, na área externa no MuBE, a intervenção sonora Fase 3. Trata-se de sons do espaço captados pela NASA, Agência Espacial Americana, disponibilizados na internet. O título Fase 3 remete aos termos usados nas missões espaciais e a todo o imaginário de um espaço que conhecemos, apenas por imagens. O arquivo sonoro da NASA, mixado pelos artistas, traz ruídos enigmáticos, alguns mais sutis como se fossem ecos, outros mais estridentes, que podem nos ajudar a compreender a origem do universo.
O som propriamente dito não se propaga no vácuo, mas as ondas eletromagnéticas, sim. Os barulhos cósmicos são provocados por ondas gravitacionais e consistem em uma espécie de vibração no tecido do espaço sideral. Os sons parecem um tanto aleatórios, caóticos, mas são oriundos do cosmo, que em sua origem etimológica significa também ordem e harmonia. A eles se misturam os ruídos da cidade, os produzidos pelo público e também o silêncio. Afinal, não há música sem pausas. O resultado é uma sinfonia que nos leva para uma viagem espacial e nos estimula a prestar atenção na musicalidade do espaço externo do MuBE, o jardim e seu entorno.
Sob o título Em Estado de Suspensão, a mostra de Albano Afonso é composta por móbiles suspensos que flutuam como miragens. É como se ocorresse uma interrupção no fluxo do tempo, um equilíbrio instável entre elementos materiais e aqueles que não possuem massa. Vasos e cristais que pendem do teto se fundem com luzes, provocando uma pausa contemplativa. Apesar do peso das pedras e do bronze, que os compõe, as peças pairam leves, oscilando de um lado a outro. Enquanto giram sobre si mesmas, as obras guardam um mistério. A grande escultura na área externa sob a marquise se move pela ação do vento e produz sons pelos toques das peças de bronze, umas nas outras. Surge, daí, uma composição casual, fruto da ação da natureza.
Tradicionalmente usado na harmonização de ambientes, o cristal é um mineral que teria o poder de alterar as energias do entorno e, por isso, reequilibrar o conjunto. O vaso, esse objeto vazio que pode potencialmente conter qualquer coisa, está fechado em si mesmo e nada contém. O crânio espelhado, que compõe uma das peças, equaciona as forças e indica uma espécie de mitologia particular do artista. É como se os reflexos dissolvessem a estrutura óssea do corpo, como se o desmaterializasse e ele ainda assim permanecesse presente.
Um canhão de luz branca, lançada sobre os elementos do móbile, parece anunciar um espetáculo que nunca começa. Um clima de suspense se instala entre os reflexos e sombras projetadas nas paredes. O movimento da luz é como o da busca do foco, da convergência dos raios, a partir da distância correta de duas lentes. Apesar de o movimento circular sobre si do móbile, é como se a passagem do tempo fosse eternamente adiada.
Albano Afonso aborda os primórdios do cinema ao lançar luz sobre um cristal. A partir de uma imagem estática, é como se o artista reencontrasse os experimentos de Eadweard Muybridge pelo avesso. Um corpo preenchido de luz insinua uma corrida sem se mover. Seus reflexos se dissolvem e se recompõe em pontos luminosos dispersos e concentrados pela refração da luz. O artista, ao mesmo tempo, realiza e suspende os movimentos da imagem cinética, como se pudesse ora retardar, ora acelerar o seu deslocamento.
A obra de Albano Afonso, ao impor uma interrupção no compasso do tempo nos aproxima de uma experiência de êxtase. Esse estado de suspensão é, também, uma elevação. Um modo de apontar para outras dimensões do espaço, em que os corpos perdem a carnalidade, o peso e se transformam em luz.
A sentença Você está aqui, título da mostra de Raul Mourão, geralmente é encontrada em mapas e sistemas de localização. Trata-se de uma indicação de um local preciso, dentro de um esquema maior. Mas essa afirmação, fora de um quadro de referência ou da cartografia, perde completamente a sua função de indicar a posição. Aqui indica este lugar que você ocupa, o local onde a mostra acontece, e pressupõe um determinado instante. Em um sentido ampliado, mesmo que o aqui não seja fixo, sempre estamos aqui em relação a nós mesmos.
A mostra dialoga com a arquitetura do museu e seus espaços. A rampa, os diferentes níveis de piso da sala expositiva e a marquise da área externa se integram ao trabalho do artista.
A matéria prima das obras são estruturas modulares, uma espécie de esqueleto geométrico usado na construção civil. O processo de montagem das esculturas se dá aqui no museu, obedecendo ao projeto previamente desenhado. Todos os trabalhos são feitos de tubos, braçadeiras e um pensamento elementar. Um sistema construtivo racional e simples que permite o aparecimento quase instantâneo de enormes construções na paisagem. E elas podem ser desmontadas na mesma velocidade. São estruturas pop up, que surgem como imagens que saltam de livros infantis.
De fato há um tom lúdico nas peças de Raul Mourão. Elas dançam, se comportam como se beliscassem a arquitetura e evocam uma espontaneidade, uma ação descontraída e despretensiosa do corpo do visitante. O movimento ritmado e o equilíbrio das esculturas entretêm o público, atraem o olhar, sem deixar de provocar questionamentos. Será que a exposição está pronta? A aparência de inacabado, a transparência das peças são relevantes ao chamarem atenção para o processo de construção, para o devir.
As estruturas modulares, usadas em grandes projetos de engenharia, para o sujeito desavisado, poderia indicar que o prédio do museu passa por alguma reforma. Embora o MuBE esteja bem conservado, conceitualmente está se revitalizando, está em obras.