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abril 29, 2016
Paço das Artes abre exposição de Lenora de Barros na Oficina Cultural Oswald de Andrade
Instituição inaugura no dia 30/4 mostra temporária na Oficina Oswald de Andrade com curadoria de Priscila Arantes; na abertura, a artista faz a performance “Pregação”
O gesto performativo de Lenora de Barros e o processo de criação da artista norteiam ISSOÉOSSODISSO, exposição que o Paço das Artes inaugura no dia 30 de abril na Oficina Oswald de Andrade. Com curadoria de Priscila Arantes (diretora artística e curadora do Paço das Artes –instituição da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo), a mostra apresenta mais de 20 obras da artista, incluindo um vídeo inédito, que dá nome à exposição.
ISSOÉOSSODISSO funciona como metáfora do processo de criação da artista. “Neste processo, é possível perceber um elemento comum: as obras de Lenora de Barros sempre se desdobram, gerando ecos em outras obras. Um texto escrito transforma-se em um vídeo. Uma performance se desdobra em uma vídeoperformace. Uma mesma imagem, uma boca entreaberta, um olhar assustado, aparece em diferentes trabalhos que se inter-relacionam”, afirma Priscila Arantes.
Lenora de Barros conta que o poema que batiza a mostra foi criado em 1996 para uma performance que realizou com Arnaldo Antunes num congresso da Sociedade Brasileira de Psicanálise (O desejo é o começo do corpo/O corpo não mente). Em 2010, na galeria do Oi Futuro Ipanema, RJ, Lenora criou em uma vitrine um poema visual a partir desse mesmo enunciado. “A partir do momento que Priscila definiu o recorte da curadoria – o viés performático da minha obra – comecei a perceber claramente que o meu trabalho funciona como ‘isso é osso disso’. Vivo um processo em que muitas de minhas obras vão migrando e se transformando em outras”, diz.
Segundo Priscila Arantes, o trabalho de Lenora de Barros é um “eterno work in progress, em que uma obra gera eco em outra. Este é o caso, por exemplo, da performance Pregação, que ocorrerá na abertura da exposição, que é uma releitura das obras Calaboca e Silêncio (1990/2006), também presentes em ISSOÉOSSODISSO”.
Língua antropofágica
A exposição resgata também o resultado da reflexão de Lenora de Barros sobre o conceito de antropofagia, formulado por Oswald de Andrade, fruto de sua participação na 24ª Bienal Internacional de São Paulo, em 1998, conhecida também como Bienal da Antropofagia. Convidados por Paulo Herkenhof e Haroldo de Campos, Lenora de Barros, ao lado de Arnaldo Antunes (1960) e Walter Silveira (1955), apresentaram a instalação A contribuição multimilionária de todos os erros, que contava com plotagens fotográficas, entre elas Língua Vertebral e No país da língua grande daí carne a quem quer carne, em que a artista aparece mastigando a própria língua. Esse trabalho se transformaria em videoperformance em 2006.
“Para a Bienal mergulhei no universo de Oswald de Andrade e criei duas fotoperformances - Língua vertebral e No país da língua grande, dai carne a quem quer carne. O título dessa segunda obra foi criado a partir da frase “no país da cobra grande”, que está no Manifesto Antropófago, e o intuito era expressar a ideia de uma ação antropofágica e deglutidora gerando sentidos, significados, linguagem. Em Língua vertebral tratei a imagem da língua, e dei a ela, através da sobreposição de uma espinha dorsal, uma estruturação”, conta Lenora.
Dentro desse contexto, Lenora lembra, ainda, da influência de Lygia Clark, cujo trabalho teve contato na década de 1970, e do impacto que Baba antropofágica (1973) lhe causou na época.
A imagem da língua aparece pela primeira vez na obra de Lenora falicamente “fecundando” as letras da máquina de escrever, no célebre Poema, fotoperformance de 1978, também em exibição na mostra.
A primeira videoperformance de sua carreira Homenagem a George Segal (1985), dirigida por Walter Silveira, é mais um resgate dessa exposição. Nas palavras de Priscila Arantes: “a utilização do corpo, neste caso de seu rosto, também se faz presente em Homenagem a George Segal, primeiramente poema visual, realizado em 1975 --que se transformou dez anos depois em sua primeira videoperformance, inspirada nas figuras solitárias e patéticas do escultor norte americano. Aqui Lenora desenvolve uma ação cotidiana de escovar os dentes. No vídeo, sua mão e rosto são gradativamente encobertos por pasta de dente, em uma espécie de ‘paralisação’ absoluta, paralisação que ecoa por toda a exposição, seja na impossibilidade da fala ou na interdição do olhar: Ela não quer ver, Já vi tudo, Fogo no Olho, Calaboca e Silêncio, Estudo para Facadas.”
Outra vertente da curadoria traz o conjunto de trabalhos criado a partir da obra Procuro-me (2001), inicialmente publicada no caderno Mais! (Folha de S. Paulo) logo após a queda das Torres Gêmeas, que se transformou numa série de cartazes, vindo a se tornar mural lambe-lambe e vídeo. Quando expostos na fachada do Centro Universitário Maria Antonia, em 2002, os quatro cartazes plotados foram pichados, e alguns recortados e roubados 15 dias após a abertura, e um grupo, que se autodenominava Art-Atack, assumiu as pichações. Em seguida, Lenora de Barros iniciou um processo de “recuperação” e resgate dessas imagens, que resultariam nas obras da série Retalhação.
Para a mostra, a artista criou um novo mural de lambe-lambes em que mistura a imagem original dos cartazes de Procuro-me com imagens da intervenção do Art-Atack, enviadas à artista pelo grupo na época. Na exposição, a artista conta pela primeira vez o processo e a história dessa série por meio de documentos, tais como as cartas originais que lhe foram enviadas. “Ao fazer a obra Hífen (2007), da série Retalhação, achei que tivesse encerrado o percurso desse trabalho --e que esse sinal gráfico que de algum modo me unia e separava do grupo funcionaria como o ponto final dessa história. Mas talvez Procuro-me vai continuar, sempre, a me procurar. É um outro ‘osso disso’, diz Lenora de Barros.
Lenora de Barros (São Paulo / SP, 1953) é formada em linguística pela Universidade de São Paulo. Poeta e artista visual, eu trabalho se desenvolve a partir de diversas linguagens, como o vídeo, a performance poética, a fotografia e a instalação. Participou como artista-curadora da "Radiovisual", na 7ª Bienal do Mercosul (Porto Alegre, RS), 2009.
Expôs em diversas coletivas, dentre as quais se destacam a Resistance Performed - Aesthetic Strategies under Repressive Regimes in Latin America, Migros Museum, Zurich, Switzerland, art.br#3 Poiesis in práxis, no Pioneer Works (Nova York, EUA), 2014; VERBO, na Galeria Vermelho (São Paulo), 2014; Encruzilhada, Escola de Artes Visuais do Parque Lage, Rio de Janeiro-RJ, wehavenothingtosay, Mandragoras Art Space, com Laura Lona, New York-NY, ULTRAPASSADO I and II, galeria Broadway 1602, New York, 2014, as Bienais de Cerveira (Portugal) e Thessaloniki (Grécia), 2013; 18º Festival de Arte Contemporânea SESC Videobrasil (São Paulo, SP), 2013; Para (saber) escutar, com Teresa Serrano, na Casa Daros Latinoamerica (Rio de Janeiro, RJ), 2013; Circuitos cruzados: O Centro Pompidou encontra o MAM, Museu de Arte Moderna (São Paulo), 2013; III Mostra do Programa de Exposições 2012, Centro Cultural São Paulo, 2012; e 11ª Bienal de Lyon (França), 2011.
Dentre as individuais recentes, destacam-se as apresentadas no Pivô (São Paulo), 2014; na Casa de Cultura Laura Alvim (Rio de Janeiro), 2013; e Sonoplastia, na Galeria Millan (São Paulo), 2011. Sua obra faz parte de coleções públicas e particulares no Brasil e no exterior, tais como: Museu d’Art Contemporani (Barcelona, Espanha), Daros Latinamerica (Suíça e Brasil) e Museu de Arte Moderna de São Paulo (Brasil).
Priscila Arantes é diretora artística e curadora do Paço das Artes, instituição da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, desde 2007. Entre 2007 e 2011 foi diretora adjunta do MIS (Museu da Imagem e Som). É pós-doutora pela Pennsylvania State University (EUA), doutora em Comunicação e Semiótica pela (PUC/SP), pesquisadora, crítica de arte e professora universitária em cursos de graduação e pós-graduação stricto sensu.
Em 2007, foi finalista do 48º Prêmio Jabuti pela publicação Arte@Mídia: perspectivas da estética digital (Ed.Senac/Fapesp). Em 2012, foi contemplada com o prêmio da Getty Foundation (USA), para participar da 101ª Conferência Anual da College Art Association (CAA). É autora também de “Reescrituras da Arte contemporânea: história, arquivo e mídia” (Editora Sulina, 2015). Entre suas curadorias no Paço das Artes, destacam-se os projetos Livro_Acervo (2010), Para Além do Arquivo (2012), Arquivo Vivo (2013), MaPA: Memória Paço das Artes, e Abrigo de paisagem/Veículo de passagem (2015), de Rodrigo Braga, entre outras.