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fevereiro 14, 2016
Exposição de verão na Silvia Cintra + Box 4, Rio de Janeiro
13ª exposição de verão: “Sem Saber Quando Virá o Amanhecer...” 1
Em 1970, Vinicius de Moraes escreveu que “não há coisa no mundo mais viva do que uma porta”. O poeta definia na perfeição esse objeto ou artefato que tem uma presença tão vincada em nossa existência e no entanto praticamente invisível. Uma porta, um objeto de passagem, através do qual pessoas entram e saem de um lugar. Objeto que pode ser feito de um ou qualquer material e que pode significar tanto ou nada. Que tem poder como palavra para analogias – ‘uma porta que se abre’ (ou fecha). São infinitas as interpretações que podem provir e ser usadas com este tão simples elemento.
Na história da arte a porta tem sido usada frequentemente como referência, desde a Porta de Marcel Duchamp na 11 rue Larrey, Paris; até às silenciosas portas nas pinturas de Vilhelm Hammershøi. Calvino usou vezes sem conta portas e janelas como ferramentas essenciais em suas Cidades Invisíveis (mesmo que de forma invisível); e para Cortazar em Casa Tomada a porta torna-se quase uma virgula de tanto que é usada. Com William Blake o uso da porta é uma metáfora às limitações humanas de percepção do mundo, e se olharmos bem para trás, temos na Roma Antiga, Janus, deus mitológico dos inícios, das mudanças e das transições, guardião das portas e das passagens; podíamos até ir mais longe ao 4 Século, aos budistas chineses e suas ideias de permanência e passagens, e do tempo que passa por entre portas intangíveis.
As referências podiam ser ad infinitum, pois ao longo da história do pensamento humano, a porta carrega em si uma simbologia global, vincada e intemporal. Na verdade, falamos de portas, como podíamos falar de gavetas, espelhos, escadas ou mesmo rosas. Os símbolos são a base da capacidade de comunicação e criatividade humana.
Nesta exposição apresenta-se um conjunto de obras de diferentes artistas que aludem, questionam e enaltecem a essência deste objeto corriqueiro tão carregado de significado.
O espaço será transformado pela obra de Roman Ondák - Path, um cubo branco colocado logo na entrada da galeria, alterando toda a percepção do próprio cubo branco da galeria. Pode caminhar-se por fora ou dentro do cubo. Um corte horizontal feito ao nível da altura do artista atravessa todo o cubo e funciona como uma marca de passagem, remetendo a questões de presença e ausência, ao movimento de pessoas e a existências efémeras. Diretamente relacionado a essa questão de tempo e do infinito, a obra de Eduardo T. Basualdo Mar Abierto, um relógio sem números.
A porta como forma abstrata está presente nos trabalhos de Leonor Antunes, Lucia Koch e Tiago Tebet que aludem indiretamente ou sutilmente a elementos de limite entre espaços, e com Julius Koller e Roman Signer, a transgressão e o não-limite; a ruptura com delimitações.
Marilá Dardot traz para a exposição uma alusão poética e visual, assim como Rodrigo Hernandez que nos trabalhos da série apresentada A Sense of Possibility, refere toda essa questão de separarmos a nossa existência física da percepção mental que temos dessa mesma existência, quando uma não é mais que representação da outra dentro do nosso intelecto.
Nas pinturas de Tomás Colaço os detalhes da paisagem e do interior de um sanatório trazem à exposição o caráter do espaço físico contraposto com o espaço psicológico. Portas e passagens como analogias de uma viagem mental ou até psicadelica, assim como nos trabalhos de Nelson Leirner ou Francesca Woodman.
Finalmente, o trabalho de Alek O. The Doors, que documenta todas as portas pela qual a artista passou num dia de seu dia-a-dia em Londres, um retrato de um quotidiano que podia ser em qualquer outro lugar do mundo, com quaisquer outras portas, um retrato da vida, do quotidiano, das escolhas, das entradas e saídas, dos espaços e dos não espaços – da extensão de portas em cada vida.
(1) De um poema de Emily Dickinson. Part Two: Nature. LXXXIX
Luiza Teixeira de Freitas é uma curadora independente nascida no Rio de Janeiro e que trabalha em Lisboa, envolvida em uma variedade de projetos independentes. As suas exposições mais recentes incluem: “Uma conversa infinita” (Museu Berardo, Lisboa 2014); ‘Apestraction” por Damián Ortega (Freud Museum, Londres, 2013): “In lines and realignments” (Simon Lee Gallery, Londres, 2013); “The exact weight of lightness” (Travesia Quatro, Madrid, 2012); Está ativamente envolvida na produção de livros de artistas e projetos de publicações, atuando também como curadora em várias coleções privadas. Luiza foi organizadora de desenvolvimento para a Chisenhale Gallery, Londres (2011-2013); trabalhou em projetos especiais para Alexander e Bonin, NY (2006-2012) e Kurimanzutto (2008-2012); foi curadora assistente na Bienal de Marrakesh “Trabalhos e Lugares” (2009) e colaborou na Tate Modern nas exposições de Cildo Meireles e Cy Twombly (2008). É também uma administradora da Chisenhale Gallery em Londres e conselheira estratégica para a Delfina Foundation, Londres.