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janeiro 23, 2016
Harun Farocki no Paço das Artes, São Paulo
O Paço das Artes -- instituição da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo -- inaugura no dia 28 de janeiro (quinta-feira) a exposição Programando o visível com seis trabalhos do artista e cineasta Harun Farocki (1944-2014), cinco deles inéditos no Brasil.
Com curadoria de Jane de Almeida, a exposição Programando o visível tem como objetivo refletir sobre a natureza das imagens do século 21, explorando o deslocamento das imagens captadas por aparelhos ópticos para imagens geradas por computador. Para Priscila Arantes, diretora e curadora do Paço das Artes, é um privilégio receber esta exposição de Harun Farocki, um artista que reverbera as questões do mundo contemporâneo em suas obras com um olhar reflexivo.
A mostra reúne as instalações Paralelo I-IV / Parallel I-IV (2014) e Interface (1995) --todas inéditas no Brasil--, além de Catch Phrases – Catch Images / Frases de impacto, imagens de impacto. Uma conversa com Vilém Flusser (1986).
Paralelo I-IV / Parallel I-IV (2014, 16' + 9' + 7' + 11', cor, som) é um filme-instalação dividido em quatro partes, que aborda a linguagem de jogos para computadores, refletindo sobre trechos de jogos populares. Os filmes são narrados por uma voz ensaística (no caso da montagem do Paço das Artes, a voz é do próprio Farocki).
O primeiro da série, feito em 2012, analisa o estilo da computação gráfica dos games dos anos 1980, que utilizavam somente imagens sem profundidade de campo compostas por linhas horizontais e verticais, próximas ao fotorrealismo. No segundo e terceiro filmes (2014), Farocki investiga as barreiras e as especificidades dos mundos paralelos criados pelos games de animação computadorizada até chegarmos ao quarto filme, último trabalho do artista, realizado em 2014, que tem como protagonistas os heróis dos games, inspirados na Los Angeles dos anos 1940, em imagens pós-apocalípticas, e nos filmes de Western. Aqui a violência e as armas perpassam o jogo. “Esses heróis não têm pais ou professores. Eles devem encontrar as próprias regras para seguir de sua própria maneira”, diz Farocki na narração.
Para Jane de Almeida, este último trabalho de Farocki é uma extensão de questões discutidas em seus trabalhos anteriores, marcados pela compilação de filmes. Paralelo investiga as estratégias das imagens dos games de computador "e ao refletir sobre estas novas imagens --que na realidade já têm mais de 35 anos! --Farocki não apenas resgata a reflexão sobre a invenção da perspectiva na construção do universo Renascentista, mas também o debate sobre a fotografia como meio que libera a pintura de sua busca de semelhança com a realidade. Pergunta se o computador desempenhará funções anteriormente assumidas pelo filme que, por sua vez, ficará liberado para outras funções. Arrisca ainda a dizer que os criadores das imagens geradas por computador não querem atrair um “bando de pássaros gregos”, referindo-se a Zeuxis e a ilusão das uvas, mas produzir as criaturas que habitarão seu paraíso", diz a curadora.
Já a obra Interface (1995, 24´, cor, som) marca a migração do cineasta para o mundo da arte contemporânea e foi pensada como uma “instalação” para duas telas. A pedido do Lille Museum of Modern Art, que financiou a produção, o artista examina seu próprio trabalho numa ilha de edição e investiga o significado de criar um filme a partir de imagens já existentes em vez de produzir novas. Lado a lado duas imagens se relacionam e se complementam enquanto Farocki reflete sobre a natureza das imagens, da criação artística, levanta questionamentos e chega a comparar o artista a uma cobaia de laboratório e a ilha de edição a um laboratório de pesquisa. “O trabalho na ilha de edição pode ser comparado a um estudo cientifico?”, indaga em um dos trechos.
Além disso, o título original Schnittstelle brinca com o duplo significado da palavra alemã, que se refere tanto ao local de trabalho do artista/cineasta: a mesa de edição, quanto à “interface homem-máquina”.
A mostra Programando o visível exibe também o filme-instalação Catch Phrases – Catch Images / Frases de impacto, imagens de impacto. Uma conversa com Vilém Flusser (1986, 13’, cor, som), em que Farocki entrevista o filósofo das mídias Villém Flusser (1920-1991). Farocki pede ao filósofo para fazer uma análise da capa do dia do jornal sensacionalista alemão Bild Zeitung, com ênfase no impacto da relação entre os títulos, os textos e as imagens. Os livros sobre fotografia e imagens técnicas de Flusser influenciaram inúmeras obras do artista/cineasta.
Estes dois últimos trabalhos, realizados anos antes de Paralelo, dialogam com a obra de Harun Farocki, evidenciando sua forma de interrrogar as imagens até o limite, independente do meio pelo qual elas são produzidas. Harun Farocki não se deixa seduzir pela imagem nova, produzida pelos novos meios e também não é tomado pelo fetiche das imagens produzidas pelos meios antigos.
Harun Farocki é nascido em 1944 em Nový Jicin (território então ocupado pelos alemães, que hoje pertence à República Tcheca), sendo um dos artistas contemporâneos mais reconhecidos dos últimos anos. Produziu ao longo de sua trajetória mais de 120 filmes para o cinema e para a TV, além de instalações artísticas. Participou de importantes exposições individuais e coletivas em museus, bienais e exposições internacionais (Documenta, Bienal de São Paulo, Jeu de Paume) e festivais de cinema (Berlin Film Festival, Biennale di Venezia). Farocki foi editor da revista FilmKritik, professor da Universidade da Califórnia, Berkeley e da Academy of Fine Arts de Viena.
Em 2015, o Paço das Artes recebeu a instalação The Silver and the Cross, de Farocki, integrante da exposição A queda do céu, com curadoria de Moacir dos Anjos. Farocki faleceu em 2014, em um local próximo a Berlim, aos 70 anos.
Jane de Almeida é curadora independente de mostras de filmes e artes. É professora da Universidade Mackenzie e da PUC-SP. Foi professora visitante do Departamento de Artes da Universidade da Califórnia, San Diego e do Departamento de Arquitetura e História da Arte da Universidade Harvard. É organizadora dos livros Alexander Kluge: o quinto ato (CosacNaify) e Grupo Dziga Vertov (witz edições), entre outros. Realizou filmes e filmes-instalações e atualmente produz obra sobre as imagens de Marte.