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janeiro 21, 2016
Zeitgeist– Arte da nova Berlim no CCBB, Rio de Janeiro
Mostra traz ao país a recente produção da novíssima geração de artistas radicados em Berlim, após a queda do Muro. Uma máquina de erosão com 12 betoneiras e um relógio humano com 16 pessoas trabalhando na performance da obra, são apenas alguns dos destaques da exposição que chega à cidade na última semana de janeiro
Entre o caos aparente e a febre criativa, Berlim – palco de acontecimentos decisivos na história mundial recente – transborda arte por todos os lados. E a exposição Zeitgeist – A arte da nova Berlim,que será inaugurada no dia 26 de janeiro no CCBB Rio, reúne um panorama consistente da respeitada comunidade artística que se concentra na cidade,num movimento que começou com o fim da Guerra Fria. Uma palestra com Sven Marquardt – o mais popular host do famoso Berghain, clube underground de música techno de Berlim – agendada para o dia da abertura – e voluntários tatuados oferecendo tatuagens ao público dão o tom da exposição. Idealizada pelo Goethe-Institut, tem curadoria de Alfons Hug.
Marcada por duas guerras mundiais e dividida pelo Muro durante quase três décadas, a capital da Alemanha se reergueu das cinzas. Da vida improvisada dos anos 1990, as contradições que caracterizaram a cidade, reinventada a partir de dois mundos, acabaram por formar, pouco a pouco, o Zeitgeist – espírito de uma época, a partir do qual a arte, a cultura e as relações humanas evoluem – que hoje projeta sua influência muito além da Europa Central e atrai artistas do mundo todo com seu magnetismo.
Pintura, fotografia, videoarte, performance, instalações e a cultura dos famosos clubs berlinenses, na visão de 29 artistas dentre os mais destacados da arte contemporânea, compõem o mosaico da exposição Zeitgeist, que aproximará o público brasileiro da realidade artística e cultural de uma Berlim contraditória e fascinante, plural e diversa, que desconhece limites quando se trata de pensar e viver a arte e se reinventar.
CAMINHOS PARA A ARTE DA NOVA BERLIM
O percurso concebido para a mostra Zeitgeist é uma oportunidade de vivenciar alguns dos aspectos que fazem de Berlim um lugar encantado entre extremos, e que são recorrentes no modo de existir da metrópole. Como observadores atentos da vida da cidade, do mesmo modo que o pintor Adolph von Menzel (1815-1905), um dos maiores representantes do realismo alemão, os artistas da mostra exibem aspectos marcantes da capital da Alemanha. E o curador Alfons Hug indica seis "caminhos" conceituais que podem ser percorridos na exposição.
Tempo que corre e tempo estagnado – Aborda questões que transitam entre aceleração e estagnação, tempo-espaço e tempo próprio, presente e futuro. Artistas como Michael Wesely e Mark Formanek aprofundam esses dilemas e lidam com as diferentes noções de tempo na terra dividida.Exibida na rotunda do CCBB,Standard Time, de Mark Formanek, é um bom exemplo. Questiona o desperdício do tempo, através de um relógio de 4x9m construído por 16 pessoas, minuto por minuto,durante 12 horas. A performance será apresentada durante 12 horas ininterruptas no dia da abertura para o público (27/01), nos dois dias seguintes (28 e 29/01) e em todos os finais de semana.
A ruína como categoria estética – A busca do sentido de beleza entre marcas de destruição, abandono, deterioração e devastação humana, explorados por Frank Thiel e Thomas Florschuetz (fotografias de grande formato), Cyprien Gaillard (vídeo) e Tobias Zielony (projeção de sete mil fotografias individuais).
Eterna construção e demolição –Remete a esses dois verdadeiros leitmotivs que perpassam o cotidiano de Berlim e permeiam toda a exposição,entre a fúria construtiva que deseja apagar o passado e a melancolia associada ao abandono de muitas construções e espaços em ruínas. É aí que o olhar de artistas como a dupla Julius Von Bismarck e Julian Charrière, Thomas Rentmeister, Kitty Kraus e o brasileiro Marcellvs L cria novas possibilidades para tratar essa tensão aparentemente eterna. Uma das obras de grande impacto da exposição (de Julius Von Bismark e Julian Charrière) é composta por doze betoneiras situadas no Pátio da Rua Direita no 1º andar. Elas formam uma "máquina de erosão", projetada para acelerar a decomposição, cujos tambores contém detritos arquitetônicos de vários edifícios da cidade. A rotação dos misturadores transforma essas pedras em formas redondas, orgânicas. Durante um longo período de tempo e através de impacto contínuo, os tijolos são transformados em seixos e, finalmente, se tornam pó. Esse processo torna-se tangível por ruído, nuvens de poeira e vibração.
O vazio e o provisório – Uma tentativa de elaboração das formas criativas, espontâneas e muitas vezes ilegais de ocupação dos grandes espaços baldios ou semidestruídos que o pós-guerra gerou na cidade.A grande quantidade de usos temporários que foram ocorrendo acabou se mostrando benéfica sobretudo para a cena cultural, pois onde não há nada tudo é possível. Em sua pintura, Thomas Scheibitz se vale de extremos (formas duras e estruturas claras se mesclam com elementos flexíveis em ousadas colorações), enquanto a melancolia de Sergej Jensen espalha tons de cinza e marrom sobre restos de tecidos puídos e simples panos de saco, usados como base para as pinturas. Norbert Bisky é influenciado por uma variedade de referências, desde imagens de heróis e realismo socialista até mitologia, religião e cotidiano, como na pop art. Franz Ackermann, por sua vez, transforma mapas, anotações e cadernos de viagens em grandes pinturas a óleo.
Hedonismo cruel – Descortina as peculiaridades de Berlin Mitte, espécie de “terra de ninguém” onde surgiu uma curiosa e original cena de clubs, que fez brotar das ruínas as primeiras festas em espaços improvisados e usados temporariamente. Sobre esse segmento se debruçam as fotografias que compõem as séries Kubus, de Friederike Von Rauch, e Temporary Spaces, de Martin Eberle, além da performance de Marc Brandenburg (voluntários tatuados), a partir de motivos extraídos do cotidiano da área e da vida nos clubs. Os vídeos de Julian Rosefeldt e Reynold Reynolds, ambientados nos anos 20 e 30, resgatam as lendárias noites de Berlim, que naquela época já tinha a fama de “Babel dos pecados”. Completa este segmento a sala “Clube Berlim” com música eletrônica de sete DJs de Berlim e uma instalação visual/sonora com fotografias de Sven Marquardt e música de Marcel Dettmann.
Novos mapas e os outros modernos – Investiga o redesenho da cartografia da cidade e da própria Alemanha, assim como suas relações com o resto do mundo após a queda do Muro, a partir do ponto de vista de uma arte que prefere se manifestar em terreno irregular, esburacado e incompleto. A nova Berlim se distancia do eurocentrismo e fertiliza uma arte plural, que reconhece e abarca a diversidade do mundo. Nesse panorama se insere o vídeo A caça, de Christian Jankowski, que incorpora novos elementos a uma visão diferenciada da arte.