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abril 25, 2015

Programa Curador Visitante: Encruzilhada na EAV Parque Lage, Rio de Janeiro

A Escola de Artes Visuais do Parque Lage inaugura no próximo dia 28 de abril, às 19h, a exposição Encruzilhada, com curadoria de Bernardo Mosqueira, primeiro convidado do programa Curador Visitante, que estabelece uma nova política de exposições na instituição. “Encruzilhada” reúne cerca de cem trabalhos de mais de 70 artistas brasileiros, de várias gerações, que ocuparão o Palacete, as Cavalariças, a Capela, a Torre, a Gruta, a Lavanderia dos Escravos, as trilhas e a área verde do Parque. Durante o período de exposição, haverá uma programação de performances, ações encontros e palestras aos sábados. A cada semana, o curador fará alterações na montagem, resultando em novas vivências do público. No dia 8 de maio de 2015, às 19h, haverá uma conversa aberta entre a diretora da EAV, Lisette Lagnado, e o curador Bernardo Mosqueira sobre a exposição.

Nomes consagrados como Anna Bella Geiger, Antonio Dias, Cao Guimaraes, Carlos Vergara, Cildo Meireles, Cláudia Andujar, Dias&Riedweg, Laura Lima, Lenora de Barros, Marcos Chaves, Montez Magno, Paulo Bruscky, Renata Lucas, Rivane Neuenschwander e Waltercio Caldas estão na exposição junto com artistas que integrarão a Bienal de Veneza em maio – André Komatsu, Berna Reale e Paulo Nazareth – e ainda a estudantes da EAV Parque Lage: Carol Valansi, Maya Dikstein, Odarayá Mello, Pedro Victor Brandão, Rafael RG, Raquel Versieux e Tiago Malagodi.

Vários trabalhos foram feitos especialmente para a exposição, e são inéditos, e outros são históricos na arte contemporânea brasileira, como o vídeo "Telefone sem fio", de 1976, com Anna Bella Geiger, Paulo Herkenhoff, Fernando Cocchiarale, Ana Vitoria Mussi, Leticia Parente, entre outros. As obras foram selecionados pelo curador Bernardo Mosqueira, que investiga o conceito de “encruzilhada” e suas implicações, a partir de diversas abordagens. Ele convidou para assistente de curadoria Ulisses Carrilho, estudante da EAV Parque Lage.

ABERTURA

No dia da abertura, o público poderá ver no Salão Nobre um segmento dedicado a Brasília, onde estarão “Crossing collors” (2012) de Jac Leiner; o trabalho de Rafael RG, em que Brasília nasce de uma encruzilhada de umbanda; Beto Schwafaty, com uma investigação sobre a construção da cidade; "Ebó", de Milton Marques, em que uma maquete do congresso pega fogo; o trabalho “Capital”, de Íris Helena, com recibos de cartão de crédito, e a performance/vídeo de Leandro Nerefuh sobre o surgimento fantástico da quarta capital do Brasil junto ao Partido da Utopia Brasileira. Depois, este núcleo estará em outro espaço no Palacete.

CURADOR VISITANTE

O programa Curador Visitante consiste em convidar curadores residentes no Rio e atuantes no circuito da arte, para que acompanhem a produção dos alunos da EAV e realizem uma exposição mesclando seus trabalhos com o de artistas já reconhecidos. “Ao convidar agentes do sistema da arte – críticos, escritores e curadores – a fazerem curadorias experimentais nos espaços do Parque Lage, o programa Curador Visitante garante uma fluidez entre o período de aprendizado e a inserção profissional dos alunos, e ao mesmo tempo oferece a esses curadores a possibilidade de exercer um trabalho piloto, de caráter experimental, inserido em âmbito educativo”, diz Lisette Lagnado, diretora da EAV Parque Lage. Ela ressalta que o programa reafirma a EAV “como laboratório de prática e reflexão curatorial para profissionais em início de carreira”. Além de Bernardo Mosqueira, os curadores convidados deste ano são Bernardo de Souza, Luisa Duarte, Daniela Labra e Marta Mestre.

PESQUISA

Bernardo Mosqueira comenta que utilizou três métodos simultâneos de pesquisa sobre o significado de “encruzilhada”. “O primeiro, e mais habitual no sistema das artes, foi uma articulação do conhecimento acadêmico ocidental, entre Baruch Spinoza, Friedrich Nietzsche, Herbert Marcuse, Mario Perniola, Toni Negri, Milton Santos e Muniz Sodré. O segundo método surgiu da cosmologia de ancestralidade africana (ou de genealogia afro-brasileira) e comungou de uma série de consultas a Orunmilá, em especial de um jogo de búzios com a grande ialorixá Mãe Beata de Iemanjá e com o amoroso Bruno Balthazar”, explica. “O terceiro caminho foi uma espécie de dispositivo analítico de linguagem pelo qual, após procurar sinônimos e traduções da palavra ‘encruzilhada’, buscamos a diferença entre os termos para, então, a partir desses coeficientes, listar suas qualidades singulares. Desse modo, fomos capazes de entender que a encruzilhada é onde/quando os vetores espaciais cruzam os vetores temporais. Do ponto de vista da percepção, é quando nos surpreendemos com uma situação em que sentimos a necessidade de agir, mas não sabemos que escolha fazer. Ou seja, investimos na ação, num ícone da transformação e da possibilidade e, portanto, signo propício aos encontros, ao desejo e à comunicação. Porém, mais do que intencionar expor um estudo sobre a encruzilhada, esta curadoria tem como objetivo propor o exercício da encruzilhada. Dessa forma, serve à análise do momento político do país, mas serve também para pensar a crise ecológica mundial e as negociações do real nas relações amorosas, por exemplo. De maneira mais ampla, ela se compromete com a pedagogia da análise crítica e serve diretamente a um projeto educativo de caráter transdisciplinar e experimental como o da atual Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Em nosso programa, mais do que um tema, a encruzilhada é cultuada e construída para provocar reflexões. Ela é simultaneamente o objeto da pesquisa, mas também o processo em si e um resultado que toma a forma de uma exposição, com programação, conteúdo e reverberação. Não desejamos produzir uma metáfora da encruzilhada: projetamos como efeito a própria encruzilhada”.

ENCRUZILHADA – PERCURSO

O percurso da exposição não será linear. As obras estarão agrupadas em um fluxo entre núcleos que se integram uns aos outros. Nas Cavalariças, estarão dois grupos de obras. O primeiro trata de uma passagem das manifestações políticas até o carnaval, com a instalação de Pedro Victor Brandão sobre a tentativa de conseguir passe livre para artistas e estudantes de arte; as fotografias inéditas de Mauro Restiffe sobre as manifestações dos 20 centavos em São Paulo; as fotografias da CPI dos ônibus no Rio feitas por Joana Traub Cseko; o mapa do Rio com as áreas de conflito, de Guga Ferraz; pinturas de Tiago Malagodi sobre as manifestações em São Paulo e de um ônibus pegando fogo; nove cartazes de Carol Valansi associam a pornografia à política; fotografias de Eduardo Kac do Movimento da Arte Pornô dos anos 1980, com o registro de performance de pessoas nuas segurando cartazes na praia de Ipanema; fotografia de carnaval de Marcos Chaves; foto de Carlos Vergara da série do desfile do Cacique de Ramos, nos anos 1970; Cao Guimarães e Rivane Neuenschwander mostram o vídeo “Quarta-feira de cinzas”, em que formigas carregam confetes. Há ainda o vídeo “Telefone sem fio”, uma criação coletiva dos anos 1970, e uma fotografia de Mauro Restiffe em que investiga a comunicação como articulação coletiva de encruzilhada. Todos esses trabalhos estão em frente à obra “Faça você mesmo: Território liberdade” (1968/2015), de Antonio Dias, escolhida para a exposição para afirmar que o “interesse é o real e não sua representação”.

O segundo grupo nas Cavalariças trata das questões ecológicas, antropológicas e sociais como encruzilhada. A situação da população indígena é discutida nos trabalhos de Paula Sampaio e Beto Schwafaty sobre desmatamento; no díptico de Claudia Andujar com retratos de dois índios e a frase “marcados para"; e o vídeo "Reduções", de Armando Queiroz, em que uma vela acesa adornada com um decalque de um índio queima até o fim. Questões relativas ao povo negro estão na foto "Blacks in the pool", de Paulo Nazareth, junto com o registro do fotógrafo João Pacca da festa de encerramento do EAVerão, coordenada pelo artista e sacerdote do candomblé Aderbal Ashogun. Trabalhos feitos no Parque Lage, dos anos 1970 até 2015, de Anna Bella Geiger, Rodrigo Braga, Marcos Chaves, a dupla Dias&Riedweg e Maria Laet, com sua monotipia “Caminho”, um registro do próprio caminhar solitário.

Entre os dois grupos, há o áudio do samba do Salgueiro de 2014, “Gaia: a vida em nossas mãos” (Xande de Pilares, Dudu Botelho, Miudinho, Betinho de Pilares, Rodrigo Raposo e Jassa), que reúne carnaval e manifestação política às questões do povo negro e da crise ecológica.

Na Capela, uma instalação inédita de Cinthia Marcelle e Tiago Mata Machado aborda as manifestações políticas no Rio de Janeiro.

No Palacete, há dois grupos de trabalhos. O primeiro investiga Brasília como uma encruzilhada, e apresenta sua história desde sua construção real (trabalhos de Rafael RG e Beto Schwafaty) até seu “fim fantástico”, com a maquete "Ebó", de Milton Marques, e o vídeo de Leandro Narefuh com o surgimento da “quarta capital brasileira”. De Jac Leirner está um de seus “Crossing colors”, marcando a passagem do cruzamento bidimensional para o espacial. O trabalho de Íris Helena apresenta recibos de máquina de cartão de crédito em que são termogravados marcos de Brasília. A obra joga com o nome "capital" no masculino e feminino. Um vídeo e um díptico de Carla Zacangnini investigam a ideia de farsa. Um desses trabalhos compara Brasília, presente na capa da revista “Time”, de fins dos anos 1950, com o Cristo Redentor na capa do “The Economist”, nos anos 2000, que faz a passagem para a obra de Domingos Guimaraens, com a imagem do Cristo Redentor representando a letra “T” nas palavras cruzadas "ritual" e "tesão". Junto a esse trabalho a fotografia "Promesseiros", de Luiz Braga, exibe uma cena que também cruza “tesão” e “ritual” sagrado no Círio de Nazaré.

O outro grupo é formado por seis trabalhos que se utilizam da imagem do dado, dos artistas Cildo Meireles, Waltercio Caldas, Montez Magno, Ana Linnemann, Nazareno e José Patrício. São seis como as faces do dado. Além deles, há as fotografias "Talvez", de Armando Queiroz, “Contra Mão”, de Lenora de Barros, e "Sim, senhor", de Berna Reale.

No Hall, entre as salas, está a fotografia "Encruzilhada", de Renata Lucas.

Na outra sala do Palacete, há um grupo de trabalhos que investiga a relação afetiva como encruzilhada. De Tiago Rivaldo, a videoperformance em que dois homens, frente a frente, compartilham bolhas de sabão; o políptico de Maria Laet, com um desenho formado pelo esforço de um par ao soprar o nanquim sobre o papel. Chico Fernandes mostra o registro da performance em que se trancou numa jaula com um tigre. Em um outro monitor, estarão vários vídeos em sequência: o de Gustavo Ferro, que consegue flagrar o encontro entre dois rastros de aviões no céu, o de Rafael RG, que registra o "contágio imediato" entre dois homens numa faixa de pedestres, e “Seesaw”, de Maria Laet, que se equilibra em uma gangorra com uma pedra. Ainda integram este conjunto de trabalhos o vídeo "Prelúdio a uma morte anunciada", de Rafael França, e "Cruzes", de Marcos Chaves, que aborda a morte, o HIV e a relação de um casal gay no começo dos anos 1990.

Na área externa, estarão obras de Andre Komatsu, com um cruzamento de outdoors e os signos de esquerda e direita; Paulo Nazareth com um tanque para fermentar uma bebida pra Exu numa encruzilhada; Regina Parra com o luminoso “A grande decisão”, na floresta; uma peça sonora de Daniel Steegman, também em meio à mata; uma costura entre duas raízes de árvore de Maria Laet; um trabalho de Afonso Tostes e Aderbal Ashogun nos caminhos do Parque e na antiga lavanderia dos escravos; uma escuta de Ana Costa e Silva na Torre; uma escuta de Elisa Castro no Terraço; performance de Maya Dikstein na piscina; performance de Odaraya na Gruta; e duas ações do coletivo Opavivará: na Piscina, e, junto com o Grupo Um, no Kupixawa (Oca).

Bernardo Mosqueira é escritor e curador independente. Membro da Comissão Curatorial da Galeria de Arte IBEU desde 2011; lecionou na Escola de Artes Visuais do Parque Lage; participou de residências no Brasil e no exterior; Recebeu o prêmio-residência V::E::R, como crítico/curador, em Terra Una, MG (2011); foi premiado no 1º Laboratório Curatorial da SP-Arte; realiza de forma independente e anualmente o festival de performance Vênus Terra desde 2010. Foi responsável por mais de 40 curadorias, entre elas: Liberdade é pouco. O que desejo ainda não tem nome (RJ, 2010); Quase Casais (EIC Maus Hábitos, Porto, Portugal, 2010); Sem Título # 1: experiências do pós-morte (Galeria Oscar Cruz, SP, 2011); E os Amigos Sinceros Também (Galeria de Arte Ibeu, RJ, 2012); Trepa-Trepa no Campo Expandido (SP,2012); Conexiones (Hoy en el Arte, BsAs, Argentina, 2013); Tronco (Casa França-Brasil, RJ,2013); e primeiro estudo: sobre amor (Galeria Luciana Caravello, RJ, 2014). Atualmente, entre outros, desenvolve projetos para MANA Contemporary (Jersey City, Estados Unidos) e Solyanka VPA (Moscou, Rússia). Diretor do Prêmio FOCO Bradesco ArtRio.

Posted by Patricia Canetti at 12:59 PM