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abril 6, 2015
Cao Guimarães na Nara Roesler, São Paulo
Cao Guimarães traz olhar ao passado em Depois, sua 5º individual na Galeria Nara Roesler de São Paulo, com lançamento de livro pela Cosac Naify
Cao Guimarães acaba de completar 50 anos, em janeiro. A partir da data e da edição de um livro sobre seu trabalho pela editora Cosac Naify, o artista mineiro encontrou a motivação para lançar um olhar sobre os registros realizados ao longo de sua carreira, principalmente as sobras, o material que ficou de fora dos trabalhos oficiais. O resultado dessa visão retrospectiva é a exposição Depois, sua 5º individual pela Galeria Nara Roesler, em cartaz na sede paulista entre 07.04 e 06.06.2015. O livro, Cao, será lançado junto com a abertura da mostra.
O ponto de partida da exposição foi a série Ilhas (antes chamada de Úmido), constituída por quatro fotos em que folhas de plantas caídas no chão mostram ao seu redor o halo de umidade deixado pela chuva que já passou. É uma boa síntese do imaginário evocado pela exposição: aquilo que sobra, que permanece, depois que algo ou alguém se vai. “É a memória do gesto, o rastro, o que fica. São nuances do que se passou ali”, diz o artista. De todos os trabalhos da mostra, a série Ilhas é a única que já foi exibida previamente. Mesmo assim, não no Brasil: as fotos participaram da última edição Miami Art Basel Miami Beach 2014.
Outros quatro agrupamentos fotográficos ocuparão a porção anterior do espaço anexo da Galeria Nara Roesler de SP, sempre remetendo ao chão, sempre trazendo marcas da presença humana que já não está mais. Todos trazem também o caráter fortemente gráfico, no encontro com uma beleza imprevista.
“Muitos desses materiais eu encontrei entre as várias sobras de filmes, de fotos, que fui acumulando ao longo da carreira. É um sinal dos nossos tempos: eu, que trabalho com audiovisual, vou deixando de lado uma porção de registros que não incluo nos trabalhos. E ao revê-los, percebi que tinham uma intenção estética, um olhar que, mesmo um pouco inconsciente, estava atento a uma identidade formal, à beleza das imagens.”
Das obras clicadas para a exposição, figura a série Steps, em que pegadas de trabalhadores da construção civil ganham registro em 14 fotografias p&b. Os rastros foram impressos em uma lona preta, que serviu de anteparo ao pó de cal desprendido no lixamento de paredes. No contraste do pó branco com o fundo negro, fica marcada a evidência que de outra forma seria imperceptível: a ação dos homens por meio de seus passos e gestos.
Em outra série, sem título, uma trama que se assemelha a uma renda, a uma tessitura, é formada pelas inúmeras pegadas de pássaros sobre a areia escura de uma praia. São quatro fotografias que faziam parte dos arquivos de Guimarães, assim como as três fotos de uma série sem título que se unem formalmente pela sinuosidade dos elementos que mostram: o rastro de uma lesma, um filete de água visto no reflexo de uma poça de chuva em chão de terra e um pelo pubiano em um piso de taco.
Outra seleção de arquivos é a série Sonho de Bebê, um quadríptico composto por fotogramas de Super 8 que enfocam vistas aéreas de ilhas do Rio São Francisco. Pela indefinição da imagem graças ao granulamento da película, em oposição à nitidez fria da mídia digital, Cao Guimarães traçou um paralelo com as formas que possivelmente povoam o imaginário dos bebês, ainda desprovido das imagens fixadas das coisas do mundo.
Essa qualidade de perspectiva e a granulação do Super 8, com visualidade retrô, também dá a ambiência do vídeo que ocupará o fundo do anexo. Duas imagens se intercalam em looping infinito, com mudanças sutis de cor e ritmo da sucessão: a sombra de um cabelo feminino contra a parede e a visão do alto das ondas do mar indo e vindo. “O que se acentua é a relação de ondulação entre o cabelo e o mar”, explica o artista.
Cineasta e artista visual, Cao Guimarães se acerca das superfícies onde os seres, sem saber, registram sua existência nessa exposição. “O chão e a parede são por excelência os aparatos de registro da presença humana”. Na aproximação formal entre os diferentes testemunhos da ausência, encontra a beleza que redimensiona os pequenos gestos e acontecimentos cotidianos. Seu olhar sobre a vida valoriza os mínimos instantes, sabendo que é da efemeridade que o tempo se constitui.
Sobre o artista
Os trabalhos de Cao Guimarães são peças audiovisuais expandidas, frequentemente situadas na fronteira entre filme e artes visuais. O artista também trabalha com fotografia, como é o caso da sua série em andamento Gambiarras. Aqui, sua habilidade de improvisar dá origem a momentos de estranhamento que são capazes de reinventar nosso olhar sobre objetos e situações comuns.
Seus filmes foram exibidos em festivais, tais como: Festival de Locarno (2004, 2006 e 2008), Mostra Internazionale d’Arte Cinematografica di Venezia (2007); Sundance Film Festival (2007); Cannes Film Festival (2005); Rotterdam International Film Festival (2005, 2007 e 2008), International Documentary Film Festival Amsterdam (2004); Sydney International Film Festival (2008); entre outros. Mais recentemente, seu longa‑metragem, Otto (2012), recebeu o prêmio de Melhor Documentário Longa‑Metragem, Melhor Fotografia e Melhor Trilha Sonora Original (para O Grivo) no 45º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.
O artista nasceu em Belo Horizonte, em 1965, onde vive e trabalha. Participou das 25ª e 27ª edições da Bienal de São Paulo, Brasil (2002 e 2006); da 8ª Bienal do Mercosul, em Porto Alegre, Brasil (2011); da 6ª Bienal de Montreal, Canadá (2009); e da Bienal de Arquitetura e Urbanismo de Shenzhen, China (2011). A obra de Guimarães está representada internacionalmente em museus e coleções privadas, incluindo: Fondation Cartier Pour L’art Contemporain, Paris, França; Tate Modern, Londres, Inglaterra; Walker Art Center, Minneapolis, EUA; Guggenheim Museum, Nova York, EUA; Museu de Arte Moderna de São Paulo, São Paulo, Brasil; MoMA, Nova York, EUA; San Francisco Museum of Modern Art, San Franciso, EUA; Instituto Cultural Inhotim, Brumadinho, Brasil; entre outros.