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abril 2, 2015
Athos Bulcão na Nara Roesler, São Paulo
Murais de azulejo de Athos Bulcão ganham primeira exibição, em São Paulo, de sua reedição exclusiva pela Galeria Nara Roesler
A Galeria Nara Roesler tem o prazer de apresentar uma exposição memorável: um conjunto de seis painéis de azulejos de Athos Bulcão, marca registrada da obra do artista morto em 2008. É a primeira vez que a reedição das obras originais será mostrada em São Paulo, desde o acordo de representação firmado pela galeria com a Fundação Athos Bulcão em 2014. Dois dos painéis, cujos azulejos foram forjados na mesma fábrica que os originais, estrearam na seção Lupa da ArtRio 2014. A curadoria da mostra, que fica em cartaz entre 07.04 e 16.05.2015, é de Agnaldo Farias.
É ele quem define Bulcão como "artista único, preocupado em levar seu trabalho depurado para a esfera social", cujo gênio elevou o muralismo com azulejos "de ícones até as composições abstratas, até os intrincados quebra-cabeças formais, da manufatura até a linguagem padronizada e industrial, e do painel mural para a elaboração de elementos arquitetônicos". A maestria do artista na arte mural, que o abraçou como elemento integrante da arquitetura e não como mero forro da estrutura, ganha testemunho na Galeria Nara Roesler por meio dos seguintes exemplares: o do Museu das Gemas, que tem lugar de destaque na vitrine da galeria; o do Hospital de Brasília e do Centro de Reabilitação da Rede Sarah Kubitschek; do Instituto Rio Branco; da Diretoria de Gestão e Atendimento ao Público (DGAP); e do Sambódromo do Rio de Janeiro.
Por que Bulcão é considerado um pioneiro no muralismo com azulejos? A questão formal, em que o artista rompe com a geometria padronizada de sua época para se aproximar do público, fornece uma pista da importância desse segmento de sua obra. A própria realização dos trabalhos ganhava organicidade com a inserção do elemento humano como agente do acaso. Nas palavras do curador, "(...) a aplicação de todos os seus painéis é deixada sempre a critério do operário encarregado, um critério que, segundo o artista, tem o mérito de ser 'deseducado', isto é, sem o gosto pelo equilíbrio ou mesmo pela desordem arrumadinha incutida pelas nossas escolas. Cada unidade vai se juntando com a outra num todo aleatório, de ritmo sincopado, cuja sequência nos é impossível apreender de bate-pronto".
Com isso, a monotonia tanto da arquitetura modernista em sua racionalidade exacerbada, caso de Brasília, quanto do olhar viciado do transeunte são subvertidos. O espectador é surpreendido pelas padronagens combinadas a esmo, o que rompe a harmonia esperada pela visão, acostumada a ordenar aquilo que capta. "O efeito de pulsação, reflexo da retina saturada por parte daquele que experimenta a obra, pode ser obtido tanto por formas fechadas, polígonos complexos e coloridos que disputam sua presença com o branco do azulejo, polígonos que têm a densidade e a concisão de uma letra ou de um logotipo, como por formas lineares, circulares ou estriadas, linhas que sangram para os limites do quadrado, insinuando-se para além deles. Em todos os casos, o artista pode adicionar o uso da cor, um uso pródigo da cor (...)."
Paradoxalmente, esse jogo intrincado que invade o dia a dia graças à sua existência em meio às cidades, que surpreende e subverte o olhar, está de tal forma ao alcance de todos, como obra disponível à fruição constante e democrática, que por isso é assimilado com intimidade pelo público, muitas vezes desavisado de sua relevância. "Embora invariavelmente de grandes dimensões, muitas das obras de Athos Bulcão, pela sua proximidade da arquitetura e da cidade, pela familiaridade imposta pelo contato cotidiano, terminam por eclipsar sua condição excepcional, sua natureza de um pensamento plástico refinado".
Dessa forma, "Athos Bulcão obtém, na sua já longa e prolífica carreira, o que poucos artistas sonham obter: que a sua obra já não mais lhe pertença. (...) Sua obra caminha para o anonimato para integrar o imaginário, para se converter em fonte de expressão de um povo, do povo que Athos Bulcão ama e a cujo bem-estar vem se dedicando ao longo de sua vida". Com a reedição dessas obras icônicas, a Galeria Nara Roesler vem garantir que, para além da incorporação de seu trabalho como parte do espírito nacional, Athos Bulcão seja reconhecido como o artista fundamental que é na história da arte do Brasil e exterior.
Athos Bulcão nasceu no Rio de Janeiro, então capital da República, em 2 de julho de 1918. Com a morte da mãe, foi criado pelo pai e pelas irmãs (tinha ainda um irmão). Frequentava o meio dos artistas e escritores modernistas, entre eles Carlos Scliar, Jorge Amado, Pancetti, Enrico Bianco - que o apresentou a Burle Marx -, Milton Dacosta, Vinicius de Moraes, Ceschiatti e Manuel Bandeira, entre outros. Abandonou o curso de medicina para dedicar-se às artes visuais por influência desses amigos, entre eles Murilo Mendes, que o apresentou ao casal de pintores formado pela portuguesa Vieira da Silva e pelo franco-húngaro Arpad Szenes. Aos 21 anos, foi apresentado a Portinari, de quem foi assistente no Mural de São Francisco de Assis na Pampulha, aprendendo técnicas que se revelariam fundamentais em sua produção autoral. Passa um ano em Paris com bolsa de estudos, entre 1948 e 1949. Depois de uma breve pesquisa em fotomontagens, sua formação e relações culminam, em 1953, em seu ingresso na NovaCap (Companhia Urbanizadora da Nova Capital). A partir de então, Bulcão desenvolve a técnica que o tornaria internacionalmente conhecido e incorporado ao imaginário brasileiro como artista original: o mural de azulejos, acompanhado de relevos e painéis. Algumas de suas obras estão no Congresso Nacional, Câmara dos Deputados, Teatro Nacional Claudio Santoro, Palácio do Itamaraty, Palácio do Jaburu, Memorial Juscelino Kubitschek, Capela do Palácio da Alvorada, Hospital Sarah Kubistchek e outros. Após lutar por 17 anos contra o Mal de Parkinson, morreu em 2008, aos 90 anos.