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abril 1, 2015
Do Objeto para o Mundo – Coleção Inhotim no Itaú Cultural, São Paulo
A arte neoconcreta da coleção Inhotim sai pela primeira vez de Minas Gerais e aterrissa em exposição no Itaú Cultural
Do Objeto para o Mundo – Coleção Inhotim traça um arco cronológico da arte da década de 1950 até a atualidade,e revela a sua influência nas práticas artísticas contemporâneas; a mostra apresenta ao público paulista grande parte de trabalhos nunca exibidos no Inhotim, em Brumadinho; inaugurada no ano passado em Belo Horizonte, chega ao instituto acrescida de três obras inéditas – de David Lamelas, Michael Smith e Marcellvs L.
De 2 de abril a 31 de maio, o Itaú Cultural recebe Do Objeto para o Mundo – Coleção Inhotim. Trata-se da maior apresentação da coleção que o instituto mineiro vem formando ao longo dos últimos 10 anos, e foi concebida como o seu primeiro grande projeto envolvendo o acervo fora de Brumadinho.Com curadoria do diretor de programas culturais da instituição, Rodrigo Moura, e da curadora portuguesa Inês Grosso, o recorte se foca no estilo neoconcreto dos últimos 50 anos, representado por mais de 50 obras de 29 artistas, nacionais e internacionais, a maioria das quais,nunca exibida em seu parque.
Depois de ser apresentada na Fundação Clóvis Salgado – Palácio das Artes, em Belo Horizonte, no ano passado, Do Objeto para o Mundo chega a São Paulo com mais três obras inéditas: a instalação Límite de una proyeccíon I (1967), do argentino David Lamelas, a projeção The U.S.A. Freestyle Disco Contest (1979/2003) do americano Michel Smith e o filme de artista 0314 (2002), do mineiro Marcellvs L. A obra Seção Diagonal, de Marcius Galan, instalada em Inhotim desde 2010, foi readequada para o espaço do Itaú Cultural.
Entre artes ambiental, processual e conceitual, instalações, vídeo e filme de artista, escultura em campo ampliado, performance e acionismo, reinvenção da fotografia documental, a exposição ocupa três andares do espaço expositivo do Itaú Cultural. Dividida em seis núcleos temáticos, possibilita ao visitante conhecer como a arte neoconcreta praticada entre as décadas de 1950 e 1970 exerceu decisiva influência sobre as técnicas contemporâneas.
A linha curatorial parte do momento histórico em que a arte deixa de se resumir a objetos para existir de maneira mais aberta para o mundo. Nesse contexto, elementos do cotidiano, do espaço real, da política e do corpo são incorporados e o espectador se transforma em participante.Vem daí o nome dado à exposição que também faz referência à manifestação Do Corpo à Terra, realizada durante a inauguração do Palácio das Artes, de Belo Horizonte, em abril de 1970. Organizado por Frederico Morais, um dos mais importantes críticos de arte da vanguarda brasileira naquela década, o evento é considerado ainda hoje um marco das investigações sobre arte ambiental e experimentalismo de vanguarda no Brasil.
Duas produções realizadas naquela ocasião também integram esta mostra: Ação no Parque Municipal, 1970, de Décio Noviello,e Situação T/T 1 – Belo Horizonte, 1970, de Artur Barrio. O título da exposição retoma, ainda, a célebre frase “museu é o mundo”, do artista Hélio Oiticica, além de outras referências neoconcretas à crise do objeto.
“Do Objeto para o Mundo – Coleção Inhotim representa uma espécie de estudo genealógico do neoconcretismo de diversas gerações e partes do mundo e uma compreensão sobre a linha expositiva do próprio museu-sede, em Brumadinho”, observa Moura.As obras datam dos anos de 1950 até os dias de hoje propondo uma reflexão sobre como se formou o campo da arte contemporânea a partir da coleção e do programa da instituição, inaugurada ao público em 2006.“São trabalhos que deixam perceber possíveis caminhos na história da arte dos últimos 50 anos, que permitiram ao Inhotim ser o que é”, completa.
A exposição
Boa parte das obras históricas estão articuladas com outras contemporâneas e são apresentadas em quatro núcleos temáticos no piso 1M. No primeiro núcleo Neoconcretismo, ontem e hoje encontra trabalhos da década de 1950, de autoria de Hélio Oiticica, Lygia Pape e Lygia Clark, ao lado de obras de artistas mais jovens, como Juan Araujo, Gabriel Sierra e Jose Dávila. Em comum, guardam a essência na abstração geométrica do concretismo.
O segundo núcleo deste andar é Circulação e Virtualidade, com obras produzidas a partir de 1960, nas quais é possível observar a transposição do objeto de arte para o mundo real e a aproximação a temas cotidianos e à comunicação de massa. Aqui, as obras dos artistas importantes para o período, André Cadere, Channa Horwitz, Cildo Meireles e David Lamelas apresentam, entre outros pontos, a ênfase na elaboração da linguagem e a incorporação de materiais inspirando a produção de Iran do Espírito Santo, Jac Leirner e Rivane Neuenscwhander, também presentes neste piso.
Uma das obras expostas de Rivanne ultrapassa os limites deste andar e até do instituto: Um dia como outro qualquer é composta por relógios de parede ou de mesa, que marcam sempre 00:00. Espalhados por diversos locais do Itaú Cultural, também podem ser vistos em outras instituições da cidade como o Espaço Memória do CEIC, Auditório Ibirapuera, MAM-SP, MASP e a Pinacoteca.
Na sequência está Acionismos e artes do corpo, que dá luz ao que se produziu em torno de ações efêmeras, que guardam consigo a inquietação do questionamento do significado da própria obra. Neste terceiro núcleo estão trabalhos datados dos anos 1970 até mais recentes de Décio Noviello, Artur Barrio, Cinthia Marcelle, Chris Burden e Abraham Cruzvillegas.
Em paralelo, suspenso a poucos centímetros do chão,o grande cubo vermelho Red(1956-2013), obra da japonesa TsurukoYamasaki, convida o público a entrar na obra, e ao fazer, virar parte dela. Em interlocução como portfólio do fotógrafo Kiyoji Otsuji e ainda, à dupla projeção de Hitoshi Nomura, todos fazem parte do núcleo Gutai e além, sobre o vanguardismo incidente no concretismo japonês do pós-guerra.
Na sala intitulada Percepção e ilusão, no piso1S, a arte e a magia são o pano de fundo para as obras que dialogam com luz, sombra, volume e ilusão deDavid Lamelas, Jorge Macchi e Marcius Galan. Estão ali, também, o filme 16mm, realizado entre 2008 e 2011 na Mata Atlântica por Daniel Steegmann Mangrané, e a obra de Raquel Garbelotti, a qual remete à gênese de Inhotim, com o registro da clareira que antecedeu o museu a céu aberto.
Som e Visão, o último espaço expositivo, apresenta uma série de desdobramentos no campo audiovisual desde 1960. Por 26 minutos é possível assistir alternada e sucessivamente produções audiovisuais contemporâneas de Michael Smith, Anri Sala, Marcellvs L. e Melanie Smith. Entre essas, somente o filme de Anri Sala já foi exibido em Inhotim.
Performance e conversa
O Itaú Cultural realiza a inauguração para convidados, no dia 1 de abril,com uma série de performances dirigidas pela coreógrafa americana Ellen Davis. Sonakinatography nº3 (1968/2012), At the Tone the Time will Be (1969) e Poem Opera (1978/2012) foram criadas a partir das obras matemáticas e abstratas Sonakinatography – Composition 3 (1968/2012) da artista visual Channa Horwitz, e são interpretadas por bailarinos da Companhia Sesc de Dança de Belo Horizonte.
A partir das 20h do dia 2, com a exposição já em cartaz, a Sala Vermelha recebe o argentino David Lamelase o americano Michael Smith para uma conversa aberta com o público, sobre o seu trabalho e a exposição, no esquema de perguntas e respostas.
Natural da Argentina, aos 21 anos Lamelas participou da 9ª Bienal de São Paulo, e, no ano seguinte, na 36ª Bienal de Veneza. Depois disto, o artista se lançou pelo mundo se tornando cosmopolita, o que mais tarde justificaria a presença do debate da condição nômade do ser humano para um entendimento da arte como algo transitório e fugidio em seus trabalhos.
Enquanto Lamelas se atém à forma do neoconcretismo no objeto, Smith complementa a conversa por ser mais performático, com apresentações ao vivo e vídeos curtos. A obra dele também tem início nos anos de 1970, mas na Nova York underground, num momento em que os artistas buscavam lugares alternativos para exibir sua produção. Sempre referenciando e pervertendo a lógica do entretenimento, Smith criou e interpretou personagens como Baby Ikki, o bebê, e Mike, o alter ego joão-ninguém, para discutir temas caros à sua geração, como identidade, gênero, cultura de massa e sexualidade.