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maio 24, 2014
Nuno Ramos na Iberê Camargo, Porto Alegre
Um dos mais importantes artistas contemporâneos do país, o paulista Nuno Ramos apresenta nessa exposição três instalações produzidas sob medida para o espaço, com dois filmes e 27 gravuras criadas no Ateliê de Gravura da Fundação Iberê Camargo sob técnica mista (monotipia). O curador Alberto Tassinari, filósofo e crítico de arte, explica o ponto de partida da concepção artística de “Ensaio Sobre a Dádiva”: “Quando chefes de Estado trocam presentes, cumprem um rito anterior às nossas formações econômicas capitalistas. Antes que negociem o que quer que seja, afirmam, pela dádiva, uma intenção de amizade recíproca”. A mostra é inspirada em estudos etnográficos e cita um ensaio de Marcel Mauss (Ensaio sobre o dom) publicado em 1925 – tido como a obra-prima do antropólogo e capaz de inaugurar uma nova era nas ciências sociais. No ensaio, Mauss demonstrou a multiplicidade de aspectos – políticos, sociais, econômicos, religiosos – que estão intimamente ligados aos sistemas de dádivas, considerado por ele como trocas materiais sob o signo da espontaneidade. A ideia chave de Mauss é de que a circulação de “dons e contradons” corresponde a um “fato social total”, englobando diversos domínios da vida coletiva.
As três instalações planejadas por Nuno mostram trocas inusitadas que, segundo o artista, pretendem ressignificar a dimensão dessa prática primitiva da humanidade. “Meu objetivo é desenvolver um conceito crítico sobre as trocas, mostrar que nem sempre derivaram do lucro. Não é necessariamente anticapitalista, mas tem uma energia desse tipo”, conta. Segundo o curador Tassinari, Nuno Ramos montou circularidades semelhantes às das cerimônias em que as dádivas ocorrem em sociedades onde a troca é simbólica em seus aspectos múltiplos. E completa: “andar pelas salas é reproduzir um pouco dessa circularidade entremeada de símbolos”.
As duas “trocas” montadas por Nuno interagem com o espaço vazio do prédio criado por Álvaro Siza e se “projetam” no vão aberto para transmitir uma sensação de equilíbrio. Em Copod’águaporvioloncelo, um violoncelo é trocado por um copo de água; Em Cavaloporpierrô, um pierrô é trocado por um cavalo. Ambas as instalações são sintetizadas num terceiro espaço, onde há réplicas esculpidas em alumínio e latão e amarradas por uma mangueira translúcida onde vão circular dois líquidos diferentes, representando o sono e a vigília. “Aí também temos uma troca, já que um significa energia e o outro remete a sono, descanso”, completa Nuno Ramos. Em cada instalação, um vídeo sustenta a proposta estética onde aparecem referências a barcos, montanhas russas e carrosséis. Dádiva 1: Copo d’Água por Violoncelo usa a metáfora da purificadora água marinha em cenas gravadas às margens do Guaíba e da Lagoa dos Patos. Em Dádiva 2: Cavalo por Pierrô, o tradicional personagem da Commedia dell’Arte é sequestrado em Porto Alegre por motoqueiros, que devolvem um cavalo em seu lugar.
A gravação das Dádivas – dois curtas de aproximadamente 10 minutos cada um – ocorreu entre os dias 15 e 20 de abril em Porto Alegre. Os roteiros, criados pelo próprio artista, foram dirigidos por ele e por seu parceiro Eduardo Climachauska, que também atuou como o protagonista de Dádiva 2.
Nuno relata que a experiência de criar a mostra foi especial. “É bem diferente de outras coisas que já fiz. Usei materiais novos, coisas que nunca pensei em utilizar no meu trabalho”, diz.
Nuno Ramos é conhecido por criar projetos complexos em suas obras. Em 2010, fabricou sabão no Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio de Janeiro para cobrir dois aviões monomotores que levou para dentro da instituição. Em 2012, instalou um globo da morte em tamanho real na galeria carioca Anita Schwartz, para onde, três anos antes, transportara uma canoa e um barco de pesca que seriam também cobertos de sabão. Também enterrou três réplicas das casas onde passou a infância dentro da galeria Celma Albuquerque, em Belo Horizonte.