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março 26, 2014
Iberê Camargo por Lorenzo Mammì na Fundação Iberê Camargo, Porto Alegre
Com curadoria de Lorenzo Mammì, a mostra reúne 22 pinturas e 26 desenhos produzidos na década de 1980, a exibição do filme “Iberê Camargo: Pintura pintura” (1981), de Mario Carneiro, e a reprodução do conto assinado pelo artista “O relógio”.
No ano do centenário de um dos maiores nomes da história da arte brasileira, a Fundação Iberê Camargo abre na próxima semana a mostra que reúne uma série de pinturas produzidas pelo artista nos anos de 1980. Iberê Camargo: as horas [o tempo como motivo], que tem curadoria do crítico de arte Lorenzo Mammì, traz 22 telas e 26 desenhos de Iberê Camargo, a exibição do filme “Iberê Camargo: Pintura pintura” (1981), de Mario Carneiro, e a reprodução do conto assinado pelo artista “O relógio”. A exposição será aberta ao público a partir de 29 de março, às 11h, na sede da Fundação (rua Padre Cacique, 2000) e apresenta o núcleo central dessa produção, que influenciou pintores como Nuno Ramos, Ana Horta e Paulo Pasta.
A exposição, segundo Mammì, se concentra no momento da “virada” mais importante na arte e na fortuna crítica de Iberê Camargo. “Não apenas as características internas de sua obra mudaram sensivelmente, como mudou também sua recepção pública. O artista já gozava de muito prestígio. Sua carreira, no entanto, correra até então à margem dos debates estéticos mais candentes. Nos anos de 1980, ao contrário, Iberê se tornou uma figura central, tanto na atenção dos críticos como na apreciação dos jovens artistas que protagonizaram a assim chamada ‘volta à pintura’ e que reconheceram nele uma referência obrigatória”, diz o curador.
Iberê Camargo: as horas [o tempo como motivo] organiza de forma sistêmica uma parte significativa dessa influência, começando pela tela chamada sugestivamente de “Pintura” (1979), que marca, na visão do curador, uma passagem crucial: o aparecimento, ainda que preliminarmente de forma esquemática da figura humana, tema a que Iberê dedicara apenas algumas telas do início de sua carreira, nos anos de 1940. Mammì destaca que essa presença iria marcar sensivelmente toda a produção de Iberê até sua morte, em 1994. “A presença de fragmentos de figura humana altera fundamentalmente a relação matéria/gesto que caracterizara a pintura de Iberê das décadas anteriores. Antigamente, ela se dava inteiramente no ato de pintar. Agora, encontra seu duplo na relação, dentro do quadro, entre personagens e objetos. A autenticidade do gesto permanece a mesma, e a espessura da matéria, constantemente escavada e recoberta, está aí para testemunhá-la: não se trata de uma mise-en-scène. Mais se assemelha àqueles estados alterados de consciência em que o indivíduo vê a si mesmo à distância, como se se tratasse de um estranho”, explica Mammì.
Outros exemplos dessa relação entre personagens e objetos são destacados na mostra, principalmente na série Hora (1983/1984) – da qual sete das dez telas que compõem a sequência fazem parte da exposição. Também estarão expostas pinturas e desenhos basilares da trajetória de Iberê, como Carretéis com Figura (1984), O Relógio (1988) e Fantasmagoria (1983).
Homenagens e comemoração do centenário
Em maio, o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) inaugura uma exposição em homenagem ao centenário de Iberê Camargo produzida em conjunto com a Fundação Iberê Camargo. A mostra ocupará todos os andares do espaço cultural, localizado em São Paulo.
No mesmo mês, uma mostra itinerante com coordenação de Eduardo Haesbaert vai percorrer cidades gaúchas com parte da produção de Iberê, iniciando por Bagé. As comemorações também irão contemplar o lançamento de livro biográfico e ainda a produção de um documentário com roteiro e de Marta Biavaschi, diretora de cinema que já realizou trabalhos como o documentário Actio, o filme de ficção Bola de Fogo e diversas séries para a TV.
O grande momento que marca os 100 anos de nascimento do artista acontece em 18 de novembro. A Fundação Iberê Camargo será sede de uma mostra organizada por seu Comitê Curatorial, composto por Icleia Cattani, Jacques Lenhardt e Agnaldo Farias. “A mostra comemorativa aos 100 anos de nascimento de Iberê Camargo será organizada por problemáticas marcantes das suas obras em diferentes momentos. Pinturas, desenhos e gravuras ocuparão integralmente o espaço da Fundação, inclusive as áreas de circulação. As rampas de acesso, por exemplo, serão animadas por imagens, sons e movimentos, associados às obras presentes em cada andar”, descreve Icleia. Este inédito trabalho será produzido pelo premiado cineasta e documentarista Joel Pizzini, que já realizou filmes como Dormente, 500 Almas e Glauber Rocha, e conquistou importantes reconhecimentos como o Prêmio Internacional de Cinema da Bahia e o Prêmio de Melhor Filme do Festival de Cinema de Brasília.
“Trabalhos nunca expostos ampliarão o conhecimento sobre o pintor. Longe de uma mostra comemorativa tradicional e ordenada cronologicamente, esta exposição colocará em diálogo as obras de Iberê com os de artistas brasileiros contemporâneos, ensejando novos enfoques e questionamentos sobre o seu legado artístico e sua importância atual”, explica Icleia.
Mais sobre o artista
Iberê Camargo é um dos maiores pintores de sua geração. “Desenvolvendo sua obra dos anos 1940 a 1994, quando faleceu, ele marcou a modernidade da segunda metade do século XX no Brasil. Seus trabalhos, absolutamente pessoais, desenvolveram uma figuração muito próxima das formas abstratas. Destacam-se os temas dos Carretéis, dos Núcleos, das Expansões, dos Dados. Suas pinturas, desenhos e gravuras o distinguiram no panorama nacional como um artista múltiplo e de excelência em tudo o que fazia. Na pintura destaca-se a qualidade matérica, criando massas de tinta, com um domínio absoluto da cor e da forma. Ao retornar, nos anos 1980, a uma figuração mais reconhecível em telas monumentais, Iberê despertou a atenção dos novos pintores que despontavam no Brasil, agrupados sob a denominação de Geração 80. Sua obra passou a um novo momento de valorização, que se concretizou anos mais tarde com a criação da Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre. Esta se ocupa prioritariamente, da guarda, conservação e exposição do seu acervo, além de realizar paralelamente outras atividades artísticas e de formação”, destaca Icleia Cattani.
O artista também se dedicou à literatura. Em 1988, publicou contos novos e antigos no volume “No Andar do Tempo”. Após a sua morte, ainda haveria a publicação de prosas autobiográficas reunidas em “Gaveta dos Guardados” (1998). Icleia recorda ainda da importante influência que o artista teve na formação de novos artistas. “Iberê também desenvolveu, é importante lembrar, um grande papel como formador de jovens artistas. A estes, não impunha seu estilo nem sua forma de pensar a arte. Discutia, argumentava, mostrava, mas, ao mesmo tempo, encorajava-os sempre a seguir seu próprio caminho. Por isso não existem hoje “discípulos” de Iberê, mas artistas de primeira grandeza que passaram por seu ensino, fugaz ou longamente. Entre estes, estão Carlos Vergara, Carlos Zílio, Regina Silveira e vários outros. Muitos afirmam que o mais importante para eles, do Iberê professor, foi sua atitude radical como artista face ao mundo”, finaliza a curadora.