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março 24, 2013
A narrativa audiovisual de Cao Guimarães no Itaú Cultural, São Paulo
Primeira individual desse singular artista em uma instituição brasileira, a exposição tem curadoria de Moacir dos Anjos e arquitetura de Marta Bogéa; ocupa três pisos do instituto, com as obras em permanente movimento, inclusive os vãos da escada que os ligam; os oito longas-metragens que dirigiu até hoje são exibidos em ciclo de cinema e ele ainda faz um workshop com participação de O Grivo
Cao Guimarães - Ver é uma Fábula, Instituto Itaú Cultural, São Paulo, SP - 28/03/2013 a 01/06/2013
Ver é uma Fábula – Mostra de Cao Guimarães entra em cartaz no Itaú Cultural no dia 28 de março (com coquetel de abertura para convidados um dia antes) e permanece até 1º de junho. Moacir dos Anjos, o curador, e Marta Bogéa, a arquiteta da exposição, seguem o rastro inquieto do artista e oferecem uma mostra inusitada em que nenhuma obra é apreciada de forma estática. Os 21 vídeos, filmes e fotografias – estas apresentadas em slide show – se movimentam constantemente em uma espécie de coreografia audiovisual temporal e espacial.
A mostra se estende ainda a um ciclo de filmes longas-metragens a serem exibidos na sala Itaú Cultural. O artista também faz workshop com uma participação de O Grivo, cuja música tem forte presença em sua obra, e que também faz uma apresentação na sala Itaú Cultural (veja abaixo).
Todos esses trabalhos já foram vistos isoladamente em exposições nacionais e internacionais. No entanto, é a primeira vez que elas estão juntas em uma exposição antológica. “É a primeira individual de Cao em uma instituição brasileira e a maior já feita em qualquer lugar”, afirma dos Anjos.
O nome da mostra foi tomado emprestado do livro Catatau, de Paulo Leminski, no qual a noção de que ver é uma fábula implica o poder particular de cada um para formataras suas histórias. “Como no livro, as narrativas nunca acabadas de Cao em sua obra sugerem acontecimentos que podem ser imaginados por quem a observa a partir de sua própria perspectiva e repertório de vida”, observa o curador.
A dança das obras
Toda a extensão ocupada por Ver é uma Fábula – Mostra de Cao Guimarães é escurecida. Cada vez que o visitante entra em um dos dois grandes espaços (pisos 1 e -1: um acima e um abaixo do hall de entrada) ao menos uma das telas está ativada com um filme, além dos trabalhos exibidos continuamente nas salas fechadas construídas em cada andar para recebê-los. Ao final de uma projeção, ou antes dessa acabar, outra tela é ativada com outro filme e assim por diante em todos os andares simultaneamente.“A ideia foi criar uma espécie de ‘coreografia’ dos trabalhos, levando o visitante a mudar sua posição nessas salas para ir acompanhando a apresentação de cada um”, conta dos Anjos.
A aventura pelo mundo de Cao pode começar no vão da escada que liga o hall de entrada ao piso -1 onde está Sculpting, primeiro de uma série de vídeos, fotos, textos e um filme de longa metragem sobre o vento, que provoca uma reflexão sobre a escultura. Em uma sala fechada do piso abaixo (-1), é transmitida a única vídeo instalação da exposição Histórias do Não Ver. Com quase 25 minutos de duração,é resultado de uma série de ações do artista realizadas entre 1996 e 1998 em diversas cidades do mundo, onde ele pediu para as pessoas o sequestrarem. De olhos vendados e sem nenhuma informação sobre os lugares a que era levado, registrou suas impressões sensoriais em fotografias e relatos dos sequestros que deram origem a essa obra.
Três telas espalhadas nesse mesmo espaço apresentam em projeção alternada, às vezes simultânea: Inventário de Pequenas Mortes (Sopro), Coletivo,Concerto para Clorofila, Átras dos olhos de Oaxaca, Sin Peso, Da Janela do meu Quarto e World World – todos têm de cinco a nove minutos de duração.
No espaço da escada subindo do hall para o piso 1, o visitante aprecia o vídeo Drawing. Chegando ao andar encontra-se uma sala fechada que exibe Brasília, e em outra, Limbo. A primeira tem pouco mais de 13 minutos e reflete sobre como as cidades formam a sua personalidade; a segunda, com cerca de 18 minutos faz um passeio por um playground em uma tarde de domingo com vento. As telas espalhadas nesse piso – todas com 3 a 10 minutos de duração – são Quarta-feira de Cinzas, Between - Inventário de Pequenas Mortes, Hypnosis, Inquilino, Peiote e Nanofonia.
Subindo desse piso para o terceiro, no vão da escada entre eles encontra-se Inventário de Raivinhas, uma série de quatro vídeos de aproximadamente três minutos cada um com registros simples e diretos de micro acontecimentos irritantes entre as pessoas e objetos do cotidiano. Na chegada a esse piso, um monitor exibe Mestres da Gambiarra, onde o universo da improvisação é exercitado por três profissionais de diferentes áreas. Ali mesmo, um slideshow apresenta dezenas de fotografias da série Gambiarras.
Ciclo de filmes
De 28 a 31 de março e de 23 a 26 de maio (em sessões às 18h30 e 20h30 às quintas-feiras e sextas-feiras; sábados e domingos às 16h e 18h), e nos dias 27 e 28 de abril (sábado e domingo, com sessões às 14h, 16, 18, e 20h) a sala Itaú Cultural abriga Ver é uma fábula – Ciclo de filmes de Cao Guimarães, com a exibição dos oito longas-metragens realizados pelo artista.
Vale destacar a projeção de Ex Isto (86 mins) para cuja criação Cao se inspirou justamente em Catatau, de Leminski. Nele, o poeta curitibano imaginou o poeta René Descartes chegando ao Brasil com Maurício de Nassau. No filme, o personagem interpretado por João Miguel aventura-se pelos trópicos sob o efeito de ervas alucinógenas. A obra faz parte da série ICONOCLASSICOS que contém cinco longas-metragens produzidos pelo Itaú Cultural, cada um sobre um artista brasileiro e dirigido por diferentes cineastas.
Em A Alma do Osso (74’), ele revela, aos poucos, a existência aparentemente isolada de Dominguinhos, 72 anos, um ermitão que vive numa caverna encravada numa montanha de pedra. Acidente (72’) tem como corpo rítmico um poema composto por 20 nomes de cidades de Minas Gerais. Andarilho (80’) é sobre a relação entre caminhar e pensar.
Elvira Lorelay Alma de Dragón (61’) acompanha a vida de uma cartomante uruguaia e os contrastes desse ofício milenar que lida com o destino das pessoas, inserido na sociedade contemporânea sedenta por respostas rápidas. Em uma celebração à vida e ao amor, Otto (71’) acompanha a gravidez da mulher de Cao e o nascimento do filho. O Fim do Sem Fim (92’),é um documentário sobre o eminente desaparecimento de certos ofícios e profissões no Brasil. Rua de Mão Dupla (75’) trata da realidade do indivíduo urbano que vive só.
Workshop e O Grivo
De 9 a 11 de maio (das 14h às 17h30), Cao Guimarães faz workshop para 20 pessoas. Com informações da trajetória pessoal, traça um panorama histórico das obras e com base nos trabalhos expostos no Itaú Cultural e em outras obras fala da relação entre seu cinema e as artes plásticas.
No dia 10, tem participação especial d’O Grivo comentando a construção das trilhas nos filmes. Formado por Nelson Soares e Marcos Moreira, O Grivo trabalha com a pesquisa de fontes sonoras acústicas e eletrônicas, com a construção de máquinas e mecanismos sonoros, e com a utilização, não convencional, de instrumentos musicais tradicionais. Há uma forte presença de trilhas sonoras deles na obra de Cao Guimarães.
“Falaremos sobre a experiência de mais ou menos 15 anos de trabalho junto ao Cao”, conta Moreira. “Ilustraremos o papo com trechos representativos de filmes nossos e de outros artistas que são referência e fonte inspiração para nossos processos de trabalho”, adianta ele.
Dois dias antes – quarta-feira (dia 8), às 20h – eles fazem uma apresentação na sala Itaú Cultural, quando executarão trilhas sonoras ao vivo sobre projeções de alguns curtas de Cao – entre eles, trabalhos criados em conjunto com o artista especialmente para esse espetáculo.
“Pautamos nossa apresentação pela criação de trilhas sonoras ao vivo para uma série de curtas metragens de Cao Guimarães”, continua Moreira. Assim, os dois músicos atuarão em uma espécie de espaço de improvisação em que ambos combinam vários sons de maneiras diferentes, criando processos e extratos musicais de características diferentes que se sobrepõem, se completam, se transformam. As improvisações partem dos filmes que ora funcionam como uma partitura, dirigindo as ações dos músicos, ora funcionam com sugestão para a criação da textura sonora.
“Como exemplo de partitura podemos citar o filme Aula de Anatomia, em que os climas musicais se articulam na cadência da narrativa das imagens”, adianta Moreira. Da sequência de fotos da série “gambiarras” eles fazem uma composição combinando uma série de gambiarras musicais: “uma tradução musical não explicativa ou não ilustrativa das fotos”, nas palavras dele.
A combinação de estilos diferentes também é uma das intenções da dupla. Materiais pulsáteis e melódicos, por exemplo, conversam com outros onde a melodia é constituída pelo timbre e onde o tempo abandona a referência do pulso e caminha para uma situação de campo rítmico.Outro dos procedimentos usados é o diálogo entre instrumentos tradicionais e sua transformação por osciladores, filtros, moduladores, e outros. “Por fim, a utilização em concerto de instrumentos eletrônicos e geradores de som (samplers e osciladores); na intenção de contarmos com sons de ambientes naturais (chuva, vento, sons de cidade, matos) em diálogo com os sons musicais”, completa.